MILTON MACIEL
69 – O FUTURO DE AMARANTE EM JOGO
Fim do cap. 68: "e um chateadíssimo delegado pegou seu automóvel e foi dirigir a esmo na estrada para Jaraguá do Sul. Mas um crescente ódio a Adolfo Schlikmann embarcou com ele como passageiro."
Celso
Teles levou muito a sério a conversa com o Dr. Luzardo Assunção. Especialmente
depois que conseguiu mais informações sobre os dois postulantes à indicação
pela convenção do partido do governo. Foi só então que conseguiu se colocar nos
sapatos do médico e compreender como era aflitiva a situação em que ele e seu
sobrinho, o atual prefeito de Amarante, se encontravam.
De fato,
se qualquer um daqueles dois fosse eleito prefeito, todo o progresso que o
município havia alcançado sob as administrações continuadas de tio e sobrinho,
durante dezoito anos, passava a correr sério risco. Em ambos os postulantes somava-se ambição,
cupidez, desonestidade comprovada e incompetência administrativa incontestável.
A corrupção poderia voltar rapidamente a corroer a economia e a eficiência da
administração pública municipal.
Sem dúvida,
um empresário como ele poderia adaptar-se ao cargo de prefeito e conduzir uma
gestão competente e proba, com o auxílio de seus auxiliares. Mas isso estava
muito longe de qualquer meta de vida que ele tivesse.
De coração, Celso Teles
era um homem do futebol! Foi por causa
do futebol que ele venceu na vida e fez-se milionário. E era por causa do
futebol que havia voltado para o Brasil e preparado o degrau intermediário que
eram as suas revendas de automóveis.
E agora
estava com os campos de futebol e a academia completamente prontos e
funcionando. Breve começariam a chegar as primeiras aquisições de seus olheiros
pelo Brasil afora. Então seu grande negócio, o maior de todos, teria início
concreto. Não, um cargo de prefeito o obrigaria a adiar seus planos por muitos
anos, estava absolutamente fora de cogitação.
E havia Larissa
também. E nos seus planos de vida, Larissa era ainda mais importante que o
futebol, era sua meta número um. E isso queria dizer que ele iria dedicar
muito, mas muito mesmo do seu tempo, a dividir seus dias com sua amada. Ele
queria tempo para Larissa. Para viver
o amor, para compartilhar todos os seus momentos. Para dar a ela e a si mesmo o
direito de serem felizes enfim.
Portanto,
por mais que se preocupasse com a iminente tragédia político-administrativa que
podia se abater sobre Amarante, ele não poderia correr o risco de ser eleito
prefeito.
Por outro
lado, Amarante merecia melhor sorte e ele, como empresário e investidor do
local, não podia simplesmente cruzar os braços ou lavar as mãos como Pôncio
Pilatos. Não podendo aceitar sua candidatura, tomou sobre seus ombros a tarefa
de descobrir e ajudar a preparar alguém que pudesse vir a ser um prefeito
honesto e competente. Esse, se encontrado, se vencesse a convenção e fosse eleito,
poderia contar como todo o apoio logístico de Celso Teles e de suas organizações
e equipes.
Por
isso, desde o dia do patético apelo do Doutor Luzardo, Celso não parou mais de
cogitar nos possíveis nomes de uma lista bastante diminuta.
Como
ponto primeiro e fundamental, colocou um único quesito: Honestidade! Sem isso,
tudo o mais estaria perdido. Em cima da honestidade, a competência e a excelência
poderiam ser treinadas e preparadas. Mas honestidade não se treina nem se
prepara. Ou o sujeito é honesto ou não é.
Celso
revirou sua pequena lista de nomes na mente um sem número de vezes e chegou a uma
conclusão. Ele conhecia algumas pessoas, todas de sua equipe, que eram absolutamente
decentes e íntegras. Mas, fora ele mesmo, não via possibilidade que uma pessoa, que
não fosse moradora ou nativa de Amarante, tivesse qualquer chance com o
eleitorado local. Por isso foi levado a eliminar vários nomes, especialmente
dois de mulheres de sua equipe, admiráveis criaturas não-amarantenses.
E, por
eliminação, ficou com os nomes de pessoas em quem aprendera a confiar
cegamente. Estava, portanto, na hora de colocar as cartas na mesa! E Celso marcou uma
reunião na qual Gládis De Rios não poderia estar ausente. Seria jogo rápido,
acreditava.
Passou a
mão no telefone e tratou de reunir as pessoas que queria presentes, um comitê
para ajudá-lo a tomar a decisão final. Gládis, Larissa, Rondelli, Carmen, Paula,
Lucas. Mais Jenny e Leon, que já haviam voltado de sua curta viagem de
lua-de-mel.
Eram
cinco da tarde daquela quarta-feira quando começaram a conversar na ampla mesa
de reuniões da Teles Automóveis, a mesma que ele havia usado para se revelar,
meses atrás, como o grande craque Romano do Milan.
Celso
começou contando com detalhes o pedido do chefe político da situação e os dados
que havia recebido sobre os dois possíveis primeiros colocados na convenção do partido.
Apresentou também dados nada animadores sobre o farmacêutico que seria o candidato da oposição.
Essa
exposição inicial conseguiu o efeito desejado: todos ficaram muito preocupados
com o futuro de Amarante. Então ele passou para a parte mais crucial:
– Muito
bem, minha gente, Amarante está mesmo em perigo e, portanto, o futuro de todos nós
também está. Nossos negócios aqui, nossa condição de cidadãs e cidadãos, exigem
que nós participemos de atividades e atitudes que podem prevenir essa iminente
desgraça. Para isso, especificamente, foi que eu pedi as presenças de vocês aqui
hoje. Vamos ser práticos e rápidos.
– Como o jefito é sempre, pra variar – comentou
Gládis, com um sorriso tranquilo.
–
Obrigado, espanholita. Mas é o seguinte: Eu, Celso Teles, teria de fato boas
chances de ganhar essa eleição ainda no primeiro turno. Isso se a eleição fosse
hoje. Mas ela vai ser só daqui a dezoito meses, não esqueçam. Em um ano e meio
muita coisa pode mudar. Mas, da forma que eu estou pensando fazer, esse tempo só
vai contar a nosso favor.
Celso
pegou a mão de Larissa carinhosamente e disse:
– Pois
bem, eu não posso aceitar essa possibilidade de ser prefeito desta cidade nem
agora, nem daqui a dois anos, nem nunca. E as razões são duas: Uma que, como vocês
já sabem, eu me propus a dedicar a resto da minha vida à minha grande meta de
empreendedor, o futebol. E outra,
essa ainda mais importante, está aqui na minha mão: esta criaturinha fofa, que
me encantou pelo resto dos meus dias. Eu quero ter muito, muito tempo para dedicar
a ela.
Larissa
se contorceu e gemeu como uma gata, mansamente; e, porque era Larissa, seus
olhos obviamente se encheram de lagrimas:
– Meu amor!...
Que lindo... Que bom...
– Apoiado,
jefito – nada mais sensato e mais justo.
Sejam felizes, vocês dois merecem e muito.
– Grácias, espanholita, você é a luz das
nossas vidas – respondeu Celso, agradecido. E prosseguiu:
– Então,
como eu sou carta fora do baralho e minha disponibilidade é zero, nós estamos
aqui para escolher a pessoa que vamos apresentar como candidata à convenção do
partido do governo dentro de um ano e meio.
Fez uma pausa
para olhar calmamente cada uma das pessoas presentes nos olhos e proclamou:
– Essa pessoa está aqui nesta sala, sentada aqui com a gente!
A
surpresa foi geral, um zunzunzum de vozes excitadas se fez ouvir. Menos, é
claro, por parte de Gládis De Rios. Tudo o que a espanholita fez foi levantar
de sua cadeira, chegar a Celso Teles, abaixar-se até ter os lábios juntos à
orelha esquerda dele e dizer com simplicidade o nome da pessoa que seria
escolhida. E completou:
–
Brilhante, jefito! Brilhante! Acertou
em cheio, meu jefito é o maior!
Celso
sorriu e meneou a cabeça afirmativamente. Céus, como tinha ficado contente
agora! A aprovação de Gládis De Rios era tudo o que ele poderia querer naquele
momento. Era a certeza não só de que ele estava certo, mas de que a coisa toda
daria certo não só agora, mas também no futuro. Queria dizer que aquela pessoa
escolhida iria sair daquela sala para tomar posse como dirigente máximo da
cidade de Amarante dali a dois anos. E que teria tudo para fazer uma grande administração.
Celso
disfarçou e lançou um olhar satisfeito, até enternecido, para a pessoa que
havia escolhido. E, num segundo momento, teve um novo lampejo e acreditou que
havia visto ali naquela sala uma outra pessoa igualmente gabaritada para, num
futuro ainda mais distante, ser a sucessora e continuadora da primeira.
Precisava
submeter essa nova ideia ao escrutínio infalível de sua espanholita do coração.
Mas, quando olhou para ela, viu que ela lhe sorria um sim luminoso, balançava a belíssima cabeleira afirmativamente e
ainda fazia com o dedo o sinal de positivo. E esse dedo apontava muito discretamente
para a segunda pessoa. Bingo! Ah, Amarante tinha um futuro, sim!
Quando voltou a falar,
sua voz denotava uma tranquilidade enorme:
– Bem,
pessoal, ganhando tempo: a pessoa que vamos querer para ocupar a prefeitura de
nossa cidade tem que ser, necessariamente, alguém de Amarante mesmo. Isso,
portanto, reduz nossa lista a três nomes somente: Fúlvio Rondelli, Larissa Silva e Leon Schlikmann. Declaro que eu – e nossa espanholita gênio, acabei de saber – concordamos
com o nome dessa pessoa, uma entre essas três.
Leon e Larissa
falaram em uníssono, felizes, apontando o dedo para a pessoa certa para eles:
– Tio Rondelli!
– O
padrinho! O padrinho!
Fúlvio Rondelli
deu um salto da cadeira, muito vermelho, e protestou:
– Catzo!
Que loucura é essa? Um mecânico como prefeito? E, ainda por cima, um
estrangeiro? Já esqueceram que eu sou italiano de nascimento?
– Ora,
carcamano – respondeu Celso, rindo – um outro mecânico, um torneiro, chegou a
presidente neste país. Não é esse o problema, portanto. E você é brasileiro
naturalizado, logo...
CONTINUA
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