sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

LUA  OCULTA – 69   
MILTON MACIEL 

69 – O FUTURO DE AMARANTE EM JOGO
Fim do cap. 68:  "e um chateadíssimo delegado pegou seu automóvel e foi dirigir a esmo na estrada para Jaraguá do Sul. Mas um crescente ódio a Adolfo Schlikmann embarcou com ele como passageiro."

Celso Teles levou muito a sério a conversa com o Dr. Luzardo Assunção. Especialmente depois que conseguiu mais informações sobre os dois postulantes à indicação pela convenção do partido do governo. Foi só então que conseguiu se colocar nos sapatos do médico e compreender como era aflitiva a situação em que ele e seu sobrinho, o atual prefeito de Amarante, se encontravam.

De fato, se qualquer um daqueles dois fosse eleito prefeito, todo o progresso que o município havia alcançado sob as administrações continuadas de tio e sobrinho, durante dezoito anos, passava a correr sério risco. Em ambos os postulantes somava-se ambição, cupidez, desonestidade comprovada e incompetência administrativa incontestável. A corrupção poderia voltar rapidamente a corroer a economia e a eficiência da administração pública municipal. 

Sem dúvida, um empresário como ele poderia adaptar-se ao cargo de prefeito e conduzir uma gestão competente e proba, com o auxílio de seus auxiliares. Mas isso estava muito longe de qualquer meta de vida que ele tivesse. 

De coração, Celso Teles era um homem do futebol! Foi por causa do futebol que ele venceu na vida e fez-se milionário. E era por causa do futebol que havia voltado para o Brasil e preparado o degrau intermediário que eram as suas revendas de automóveis.

E agora estava com os campos de futebol e a academia completamente prontos e funcionando. Breve começariam a chegar as primeiras aquisições de seus olheiros pelo Brasil afora. Então seu grande negócio, o maior de todos, teria início concreto. Não, um cargo de prefeito o obrigaria a adiar seus planos por muitos anos, estava absolutamente fora de cogitação.

E havia Larissa também. E nos seus planos de vida, Larissa era ainda mais importante que o futebol, era sua meta número um. E isso queria dizer que ele iria dedicar muito, mas muito mesmo do seu tempo, a dividir seus dias com sua amada. Ele queria tempo para Larissa. Para viver o amor, para compartilhar todos os seus momentos. Para dar a ela e a si mesmo o direito de serem felizes enfim.

Portanto, por mais que se preocupasse com a iminente tragédia político-administrativa que podia se abater sobre Amarante, ele não poderia correr o risco de ser eleito prefeito.  

Por outro lado, Amarante merecia melhor sorte e ele, como empresário e investidor do local, não podia simplesmente cruzar os braços ou lavar as mãos como Pôncio Pilatos. Não podendo aceitar sua candidatura, tomou sobre seus ombros a tarefa de descobrir e ajudar a preparar alguém que pudesse vir a ser um prefeito honesto e competente. Esse, se encontrado, se vencesse a convenção e fosse eleito, poderia contar como todo o apoio logístico de Celso Teles e de suas organizações e equipes.

Por isso, desde o dia do patético apelo do Doutor Luzardo, Celso não parou mais de cogitar nos possíveis nomes de uma lista bastante diminuta.

Como ponto primeiro e fundamental, colocou um único quesito: Honestidade! Sem isso, tudo o mais estaria perdido. Em cima da honestidade, a competência e a excelência poderiam ser treinadas e preparadas. Mas honestidade não se treina nem se prepara. Ou o sujeito é honesto ou não é.

Celso revirou sua pequena lista de nomes na mente um sem número de vezes e chegou a uma conclusão. Ele conhecia algumas pessoas, todas de sua equipe, que eram absolutamente decentes e íntegras. Mas, fora ele mesmo, não via possibilidade que uma pessoa, que não fosse moradora ou nativa de Amarante, tivesse qualquer chance com o eleitorado local. Por isso foi levado a eliminar vários nomes, especialmente dois de mulheres de sua equipe, admiráveis criaturas não-amarantenses.

E, por eliminação, ficou com os nomes de pessoas em quem aprendera a confiar cegamente. Estava, portanto, na hora de colocar as cartas na mesa! E Celso marcou uma reunião na qual Gládis De Rios não poderia estar ausente. Seria jogo rápido, acreditava.

Passou a mão no telefone e tratou de reunir as pessoas que queria presentes, um comitê para ajudá-lo a tomar a decisão final. Gládis, Larissa, Rondelli, Carmen, Paula, Lucas. Mais Jenny e Leon, que já haviam voltado de sua curta viagem de lua-de-mel.

Eram cinco da tarde daquela quarta-feira quando começaram a conversar na ampla mesa de reuniões da Teles Automóveis, a mesma que ele havia usado para se revelar, meses atrás, como o grande craque Romano do Milan.

Celso começou contando com detalhes o pedido do chefe político da situação e os dados que havia recebido sobre os dois possíveis primeiros colocados na convenção do partido. Apresentou também dados nada animadores sobre o farmacêutico que seria o candidato da oposição.

Essa exposição inicial conseguiu o efeito desejado: todos ficaram muito preocupados com o futuro de Amarante. Então ele passou para a parte mais crucial:

– Muito bem, minha gente, Amarante está mesmo em perigo e, portanto, o futuro de todos nós também está. Nossos negócios aqui, nossa condição de cidadãs e cidadãos, exigem que nós participemos de atividades e atitudes que podem prevenir essa iminente desgraça. Para isso, especificamente, foi que eu pedi as presenças de vocês aqui hoje. Vamos ser práticos e rápidos.

– Como o jefito é sempre, pra variar – comentou Gládis, com um sorriso tranquilo.

– Obrigado, espanholita. Mas é o seguinte: Eu, Celso Teles, teria de fato boas chances de ganhar essa eleição ainda no primeiro turno. Isso se a eleição fosse hoje. Mas ela vai ser só daqui a dezoito meses, não esqueçam. Em um ano e meio muita coisa pode mudar. Mas, da forma que eu estou pensando fazer, esse tempo só vai contar a nosso favor.

Celso pegou a mão de Larissa carinhosamente e disse:

– Pois bem, eu não posso aceitar essa possibilidade de ser prefeito desta cidade nem agora, nem daqui a dois anos, nem nunca. E as razões são duas: Uma que, como vocês já sabem, eu me propus a dedicar a resto da minha vida à minha grande meta de empreendedor, o futebol. E outra, essa ainda mais importante, está aqui na minha mão: esta criaturinha fofa, que me encantou pelo resto dos meus dias. Eu quero ter muito, muito tempo para dedicar a ela.

Larissa se contorceu e gemeu como uma gata, mansamente; e, porque era Larissa, seus olhos obviamente se encheram de lagrimas:

– Meu amor!... Que lindo... Que bom...

– Apoiado, jefito – nada mais sensato e mais justo. Sejam felizes, vocês dois merecem e muito. 

Grácias, espanholita, você é a luz das nossas vidas – respondeu Celso, agradecido. E prosseguiu:

– Então, como eu sou carta fora do baralho e minha disponibilidade é zero, nós estamos aqui para escolher a pessoa que vamos apresentar como candidata à convenção do partido do governo dentro de um ano e meio.

Fez uma pausa para olhar calmamente cada uma das pessoas presentes nos olhos e proclamou:

– Essa pessoa está aqui nesta sala, sentada aqui com a gente!

A surpresa foi geral, um zunzunzum de vozes excitadas se fez ouvir. Menos, é claro, por parte de Gládis De Rios. Tudo o que a espanholita fez foi levantar de sua cadeira, chegar a Celso Teles, abaixar-se até ter os lábios juntos à orelha esquerda dele e dizer com simplicidade o nome da pessoa que seria escolhida. E completou:

– Brilhante, jefito! Brilhante! Acertou em cheio, meu jefito é o maior!

Celso sorriu e meneou a cabeça afirmativamente. Céus, como tinha ficado contente agora! A aprovação de Gládis De Rios era tudo o que ele poderia querer naquele momento. Era a certeza não só de que ele estava certo, mas de que a coisa toda daria certo não só agora, mas também no futuro. Queria dizer que aquela pessoa escolhida iria sair daquela sala para tomar posse como dirigente máximo da cidade de Amarante dali a dois anos. E que teria tudo para fazer uma grande administração.

Celso disfarçou e lançou um olhar satisfeito, até enternecido, para a pessoa que havia escolhido. E, num segundo momento, teve um novo lampejo e acreditou que havia visto ali naquela sala uma outra pessoa igualmente gabaritada para, num futuro ainda mais distante, ser a sucessora e continuadora da primeira. 

Precisava submeter essa nova ideia ao escrutínio infalível de sua espanholita do coração. Mas, quando olhou para ela, viu que ela lhe sorria um sim luminoso, balançava a belíssima cabeleira afirmativamente e ainda fazia com o dedo o sinal de positivo. E esse dedo apontava muito discretamente para a segunda pessoa. Bingo! Ah, Amarante tinha um futuro, sim! 

Quando voltou a falar, sua voz denotava uma tranquilidade enorme:

– Bem, pessoal, ganhando tempo: a pessoa que vamos querer para ocupar a prefeitura de nossa cidade tem que ser, necessariamente, alguém de Amarante mesmo. Isso, portanto, reduz nossa lista a três nomes somente: Fúlvio Rondelli, Larissa Silva e Leon Schlikmann. Declaro que eu – e nossa espanholita gênio, acabei de saber – concordamos com o nome dessa pessoa, uma entre essas três.

Leon e Larissa falaram em uníssono, felizes, apontando o dedo para a pessoa certa para eles:

– Tio Rondelli!

– O padrinho! O padrinho!

Fúlvio Rondelli deu um salto da cadeira, muito vermelho, e protestou:

Catzo! Que loucura é essa? Um mecânico como prefeito? E, ainda por cima, um estrangeiro? Já esqueceram que eu sou italiano de nascimento?

– Ora, carcamano – respondeu Celso, rindo – um outro mecânico, um torneiro, chegou a presidente neste país. Não é esse o problema, portanto. E você é brasileiro naturalizado, logo...


CONTINUA

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