MILTON MACIEL
66 – O POLÍTICO
Fim do cap. 65: "Ah, sim, assim que chegasse a Dallas dentro de mais cinco dias, para o Congresso, iria ligar para aquele astrofísico armênio que vivia em Iowa. Afinal, já estava na hora de ter o sexto casamento. O quinto acabara há mais de cinco meses!"
Maria
Amália foi embora, mas deixou o desassossego instalado dentro de muitas pessoas.
Talvez a mais impactada tenha sido exatamente Celso Teles. O que ela lhe falou
sobre Larissa era algo em que ele jamais teria pensado.
Para a
grande terapeuta que ele mais respeitava no mundo, ninguém ali em Amarante estava conseguindo ver quem era
Larissa Silva de verdade. Talvez somente Gládis De Rios, com sua prodigiosa
intuição, pudesse formar uma ideia, ainda que inicialmente meio vaga do que a
Fofinha deles poderia vir a ser. Mas ela, Maria Amália, não tinha a menor
dúvida. E falou longamente com Celso sob re isso - após atendê-lo normalmente, em sua
consulta psicológica.
Celso
ficou de queixo caído e passou a ver Larissa com outros olhos, mais lúcidos,
embora não menos apaixonados. Sim, senhor!, ali estava não só o anjo loiro dono
de todo o seu desesperado amor, mas alguém muito maior, que ele jamais poderia
ter antevisto.
Tivesse Maria Amália razão – e certamente a teria – ele iria passar a ver sua anjinha não mais como a alma pura infantil e a mulher fantasticamente
linda, o anjo de bondade que ela inegavelmente era. Teria que reformular
sua apreciação totalmente. E, nesse caso, a psicóloga lhe havia mostrado como
ele era um homem absurdamente privilegiado, por ter aquela pessoa tão especial
tão ligada a ele afetivamente.
Na
terça-feira, quando Maria Amália ainda estava voando para São Paulo, Celso
Teles estava em seu escritório voando em pensamentos, perdido em conjecturas, esforçando-se ao
máximo para formar um quadro mais claro daquilo que a terapeuta lhe havia
explicado. E, nesse exato momento, seus pensamentos foram interrompidos pelo
telefone interno. Era Carmen:
– Jefito, desculpe interromper, mas temos
visita importante. Sabe quem está aqui neste momento, examinado um carro com a
Paula? Pois ninguém menos que o Doutor Luzardo Assunção, o dono do hospital.
Acho que ele merece uns minutinhos seus, não é?
– Claro,
claro, espanholita querida! Já estou indo para aí agora mesmo. Obrigado por me
avisar.
Instantes
depois ele apertava calorosamente a mão de seu grande aliado, aquele que foi tão fundamental na farsa de sua pseudomorte.
– Bom
dia, doutor! Que alegria ver o senhor por aqui. Quer um carro novo? Pois olhe
que, para o senhor, o preço vai ser de custo. De custo mesmo, a casa não quer
ter lucro algum em cima de um amigo de fé. É nosso sistema, não é Paula?
– Ah,
mas com toda a certeza, doutor. Aproveite, porque dificilmente mais alguém
nesta cidade vai ter essa maravilhosa oportunidade de negócio. É o Nissan
mesmo?
–
Humm... Olhe, para falar sinceramente... não sei. Acho que vou pedir que o
Celso me aconselhe primeiro.
– Mas
claro, doutor. Vamos passar para a minha sala, a gente conversa e toma um
cafezinho, a Paulinha vai mandar já, já, um para nós, não é?
– Na
corrida, chefia!
Mas,
quando os dois homens sentaram na sala de Celso, a conversa tomou um rumo
totalmente e inesperado e surpreendente para ele. O médico falou:
– Olhe,
Celso, vou ser sincero com você. Eu estava olhando aquele carro novo e acabei
ficando bem tentado mesmo. E, se a condição de negócio é assim como você falou,
olha que sou capaz de fazer a loucura. Mas não foi isso que eu vim fazer aqui
na sua loja. Eu vim foi falar com você, no duro. Sabe, foi uma coisa da hora,
eu vinha passando aqui na praça, vi a Teles Automóveis e me deu a ideia de entrar assim,
do nada, de repente. Eu disse comigo: Taí,
vou parar e ver se o Celso tem um tempinho pra mim.
– Mas claro, doutor, fez muito bem. Para o
senhor o Celso aqui vai ter sempre um tempinho ou um tempão. Em que posso
servi-lo, além do caso do automóvel?
– Pois o
assunto é política, meu caro. Política.
–
Política? Bem, nesse campo não sei se há algo que eu possa lhe acrescentar,
pois o político aqui é o senhor e eu, francamente, acho que sou um ignorante de
quatro costados. Não vou dizer que não tenho minha ideias e minhas preferências,
mas evito me meter em política, até porque isso acaba atrapalhando os negócios,
sabe?
– Sim,
sim, posso imaginar. Para você, como comerciante, é melhor estar sempre de bem
com gregos e troianos. Ainda mais numa cidade pequena como esta. Mas, mesmo assim,
eu quero que você me escute e me dê sua opinião no final.
– Pois
não, doutor. Sou todo ouvidos, como se dizia antigamente.
– Muito
bem. Você sabe que eu sou de fato o líder do partido do governo nesta cidade.
Sou o que se chama um velho cacique.
Já fui vereador, já fui secretário de saúde, já fui prefeito duas vezes. E
ainda consegui, desta última vez, fazer meu sucessor, o meu sobrinho, que está
no seu segundo mandato agora.
– Ah,
sim. E eu tenho ouvido falar muito bem dele, parece que tem feito uma boa
administração, meus funcionários de Amarante, pelo geral, têm um ótimo conceito
do homem.
– Pois é
bem isso. Sabe, eu preparei esse menino a vida inteira para ser meu sucessor. E
ele correspondeu em tudo, tudo mesmo. É competente, é estudioso, é trabalhador
e, o mais importante de tudo, é honesto! Vai sair da prefeitura tão pobre
quanto entrou. Mas vai sair com a carreira política dele garantida, justamente
por causa disso. Mas aí é que está o meu problema.
– Na
carreira do seu sobrinho?
– Não,
no fim do mandato de prefeito dele. Daqui a menos de dois anos termina esse mandato e, em
menos tempo do que isso, temos a eleição. Esse é o problema, porque ele já está
no segundo mandato, não pode mais concorrer.
– Ora,
doutor, nada mais simples: concorre o senhor pelo partido de vocês.
– Ah,
não! Isso não! Nunca mais! Não tenho mais idade para isso, Celso. Já passei dos
setenta, prefeitura é pra gente mais nova, que tenha muita energia, muito fôlego.
Porque a coisa não é fácil, meu amigo. Se você quer ser um prefeito decente,
honesto, eficiente, você tem que trabalhar muito, mas muito mesmo. E o seu
desgaste é uma coisa absurda, porque por mais que você se esforce e trabalhe
direito, o dinheiro que se tem nunca é suficiente para se fazer o mínimo que
precisa ser feito. A gente sofre feito cão danado, é uma barra muito pesada.
– Puxa,
doutor. E, mesmo assim, os caras se matam para ganhar uma convenção e poder
concorrer para prefeito.
– Só que
a quase totalidade desses caras não está a fim de trabalhar pelo povo, pela
cidade. Eles estão a fim de se arrumar, de ganhar dinheiro e prestígio,
traficar influência, fazer negociatas, cobrar propinas, usar a prefeitura como
trampolim para suas ambições políticas. Tanto que vários deixaram o cargo
depois de dois anos, para se elegeram deputados. Olhe, meu amigo, isso é o fim
da picada, é trair o eleitor descaradamente. O cara votou em você para ser
prefeito, confiou em você e você vai e abandona o barco para tentar outra
aventura eleitoral. E dane-se o município! Muita cafajestagem!
– Mas
quer dizer que o senhor não tem mesmo nenhum interesse eleitoral?
– Ah,
isso eu tenho sim. Tenho sim.
– Ah,
bom, mas então...
O doutor
Luzardo deu um fundo suspiro, olhou Celso bem nos olhos e falou:
– Tenho
interesse eleitoral, mas não para mim, como candidato. Tenho interesse em outra
pessoa, esse sim pode ser o prefeito ideal para Amarante: VOCÊ, Celso Teles!
Celso
levou um susto, quase caiu da cadeira, tal o pinote que deu, fazendo cara de
incrédulo:
– Eu?!
Prefeito?! Mas o senhor está falando sério mesmo?
– Com
toda certeza. Você é o candidato ideal para o nosso partido.
– Mas,
doutor... Estou de queixo caído. Até porque nunca vi um sujeito mais inadequado
do que eu para ser administrador público. E para ser político, então? Muito
menos!
–
Caramba, rapaz! Você é um tremendo de um administrador, leva essa sua empresa e
esse monte de funcionários seus que é uma beleza. Ora, a nossa prefeitura é
pequena, não tem centenas de funcionários, você tira de letra.
– Ah,
meu doutor, o senhor vai me desculpar, mas eu não vou poder aceitar esse seu
convite nem hoje, nem amanhã, nem nunca. Olhe, eu sou um homem da iniciativa
privada, completamente. Aí eu sei que sou bom. Mas cargo público, política
partidária... Deus me livre e guarde, Doutor Luzardo! Peça qualquer outra
coisa, mas isso, por favor, não, de jeito nenhum.
O médico
sacudiu a cabeça para os lados, desolado. Seu rosto mostrou uma expressão de
desalento e cansaço quando ele disse:
– É uma
grande lástima, Celso Teles. Você era a minha grande esperança. Com o prestígio
que você tem nesta cidade, seria eleito no primeiro turno, de barbada!
– Mas o
senhor deve ter outros candidatos a candidatos no partido.
– Pior que
tenho! Essa é a grande desgraça. Ali, em condições de ganhar a convenção, só
tem dois sujeitos, cada um pior que o outro. Um é bronco, burro que nem uma
porta. O outro e um safado de marca maior, desonesto como ele só. Qualquer dos
dois, se eleito, detona todo o trabalho que eu e meu sobrinho fizemos ao longo
de quase duas décadas. Nesse caso, é melhor que ganhe o Maneco da farmácia, o
líder do partido de oposição mais forte.
– E ele é um bom candidato?
– Não,
não é. Mas, pelo menos, é um cara limpo, nunca se meteu em falcatruas. Mas é
muito limitado também, embora inteligente. Tenho certeza que, como prefeito, em
dois tempos ele se perde todo...
– Mas é certo que ele vai ser o candidato da oposição?
– O
Maneco? Ah, vai ser ele, sim. E, do meu lado, eu só tenho aquelas duas bombas para contrapor a ele. Esse é o meu drama, Celso. Por isso eu vim lhe procurar,
com o coração na mão, morrendo de medo que você não aceitasse. E parece que não
deu certo mesmo.
– Ah,
mil perdões, doutor, se eu lhe causo esta decepção. Mas...quem sabe a gente não
encontra outra pessoa na cidade, mais capacitada. Lembre-se que não precisa ser
um homem, pode ser perfeitamente uma mulher.
– Tem
algumas poucas pessoas, Celso. Mas nenhuma delas tem cacife para enfrentar
aqueles dois na minha convenção. Já faz dois anos que eles vêm trabalhando as
bases justamente para a convenção. Você sabe como isso funciona. A primeira
batalha para os candidatos é vencerem a convenção. Ou seja, essa é a grande
eleição!
– Pois
é, eu já vi uma de perto em Ribeirão Preto. E o que mais acontecia era só candidato estraçalhado pelo fogo amigo.
– E é
bem assim! Os piores inimigos estão dentro do partido. E aí é um jogo de poder
e de toma lá dá cá que é um nojo só. Traição de tudo quanto é lado, um horror!
E, num enorme número de casos, o sujeito mais matreiro e safado é que ganha a
convenção. E o partido é obrigado a engolir a candidatura daquele filho da puta
e tem que trabalhar por ele, como se ele fosse muito mais do que o merda que é. Porque, em
política, pior do que ter um picareta do seu partido eleito é ter um cara,
limpo ou pilantra, do outro partido no poder. E é uma coisa horrível, se você
tem princípios éticos, ter que trabalhar para eleger um pilantra do seu
partido, quando o partido adversário tem um candidato muito melhor que o seu. É
o que vai acabar acontecendo agora, se você não for meu candidato, Celso. Não
tem jeito mesmo de você aceitar? Para salvar esta cidade, Celso! Para ela não
cair na mão de ladrão ou de um incompetente. Não tem jeito mesmo?
– Olhe doutor,
eu tenho que lhe dizer não. E não vou mudar de opinião. Mas e se a gente
conseguisse uma pessoa boa, como é que ela iria passar pela convenção?
– Bem,
se a pessoa fosse você, Celso, aqueles dois iam ter que enfiar a viola no saco, o
rabo no meio das pernas. Os convencionais votariam maciçamente em você, porque
sabem que a sua eleição é barbada, é roubar doce de criança.
– Mas
quais são as qualidades que o senhor precisa pra ter um candidato capaz de
competir na convenção com aqueles dois?
– Bem,
basicamente as que você mesmo tem: honestidade, competência comprovada, carisma
e sucesso com o povo. Você garantiu esse sucesso em dois tempos nesta cidade. É
uma espécie de unanimidade hoje em dia. Se você fosse o candidato, muita gente
da oposição votaria em você.
– Muito
bem, Doutor Luzardo. Eu não esqueci todo o bem que o senhor me fez, me
considero seu eterno devedor. Não posso aceitar a candidatura, mas posso lhe pedir um
tempo?
Os olhos
do médico brilharam, uma chispa de esperança pareceu reanimá-los:
– Então
você promete que vai pensar? O não pode mudar? Posso ter essa esperança?
– Não,
doutor. Não se trata disso. O meu não é não mesmo. Mas eu lhe pedi um tempo
para pensar, porque eu estou com uma ideia meio maluca aqui na minha cabeça.
Talvez eu possa lhe arranjar outro homem para ser o seu candidato vencedor da
convenção. Me diga só uma coisa: o quanto pesaria a favor desse candidato o
fato de ter apoio público de Celso Teles? Ajudaria?
– Se
ajudaria! Acho que, provavelmente, garantiria a vitória dele. Principalmente se
você participar da campanha dele ativamente.
– Muito
bem, Doutor Luzardo. Então talvez a coisa não esteja perdida. Me dê uma semana
para que eu possa refinar essa minha ideia e sondar umas certas pessoas. Conte
uma semana exata e me ligue ou passe aqui. Deixe a bomba comigo, prometo que
vou fazer o possível e o impossível para encontrar alguém que possa salvar
Amarante de ir água abaixo com esses outros futuros candidatos de situação e
oposição.
– Celso
Teles, você é um batuta mesmo! Muito obrigado, saio daqui com um resto de
esperança, mais aliviado.
– E
quanto ao seu carro novo, doutor?
CONTINUA
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