sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

LUA  OCULTA – 62   
MILTON MACIEL 

62 - O CASAMENTO DO ANO
Fim do cap. 61:  "Leon e Jennifer esperaram a hora certa e saíram para almoçar juntos. E para combinar mil detalhes do casamento do sábado; e do casamento daquela noite, é claro."

Foi só então que Jennifer resolveu tocar no assunto do pseudo-atentado a Celso Teles. Nunca tinham comentado isso, mas ela achou que estava na hora de explicar porque obedecera todas as instruções de Gládis De Rios, inclusive a de não deixar que nem Leon, nem Larissa, soubessem que era tudo só uma armação, impondo-lhes um duro sofrimento, mas garantindo que não destoassem durante a representação da farsa.

Muitas horas antes do grande drama, de posse da gravação que fizera da conversa do pai com Valdemar Silva e o pistoleiro, Leon tinha corrido para a Teles, para procurar Jennifer e Gládis. Depois que desabafou e mostrou a gravação, teve a surpresa de ouvir Gládis dizer, em meio ao maior sorriso:

– Sossegue, Leon. Celso não vai ser ferido, muito menos morto, em um atentado a bala. Eu lhe garanto, minha antena psíquica me mostra. Fique calmo. Você não pode acusar seu pai e o pai de Larissa por algo que ainda não aconteceu. Mas, se você confiar em mim, me entregue esse celular, que eu vou mostrar para o Celso mais tarde, ele precisa saber o que estão tramando pelas costas dele, é claro. Mas pode ficar tranquilo, exceto, é claro, por sua dor ao descobrir que seu pai foi e é capaz de tanta maldade. Jenny, tome conta do seu homem, agora é que ele precisa mesmo de você. Vão embora, mamita não está aqui, eu tenho autoridade para dispensar você. Vão procurar um lugar tranquilo, você tem muito que consolar esse pobre moço, a barra está muito pesada para ele.

Só que, àquela altura, Jardes e Bentinho já tinham estado na Teles contando tudo para Celso, que chamou imediatamente Gládis, Carmen, Paula, Jennifer e Rondelli, para que ouvissem o espantoso relato. Evidentemente, Larissa foi sabiamente deixada de fora. Logo a seguir, com a participação do delegado, do sogro dele, do dono da funerária e de Lucas foi estabelecido todo o plano de ação que resultou no desmascaramento e prisão de Schlikmann e Silva.

Assim, obedecendo à determinação de Gládis, Jennifer levou Leon no carro dela. E, para surpresa do rapaz, entrou com o veículo num motel na estrada para Blumenau:

– A Gládis disse para eu levar você para um lugar bem tranquilo. Bom, um lugar bem tranquilo a gente tem aqui. Vamos entrar e passar uma tarde agradável, ver se a gente se entende em outros assuntos também.

Aquilo foi um bálsamo para Leon, que esqueceu imediatamente as crueldades recém-sabidas de Adolfo Schlikmann e só teve olhos, pensamentos e ações para sua rainha negra. Sem roupa, ela era mais fascinante ainda, parecia uma estátua viva, uma estátua de uma deusa, muito mais do que de uma rainha. Fizeram amor com arrebatamento, Leon sentindo, pela primeira vez na vida, o que era entregar-se por completo a uma mulher que ele admirava e respeitava.

Sim, reconhecia agora, sua paixão havia nascido no momento em que vira aquela negra maravilhosa humilhar seu pai e demonstrar toda a sua enorme inteligência. Era a primeira mulher pela qual ele havia sentido respeito na vida! Com todas as outras, Larissa inclusive, era só uma questão de corpo, de beleza, de atração, de curtir o gostoso do sexo. Mas com Jenny era tudo diferente. Ela era muito, mas muito maior e mais importante do que ele.

Ele era lindo, mas ela também era linda. Porém ela era muito mais atraente do que ele, não poderia negar. Estava totalmente entregue àquele amor. Pela primeira vez esperou pela parceira, fez tudo o que ela quis, perguntou por cada uma de suas preferências, deixou de lado as suas próprias.

E foi recompensado quando, depois do primeiro round, quando eles viram que o herói renascia, Jennifer falou:

– Você deve estar louco pela minha bunda, não é, meu taradinho?

Ele ficou sem saber o que dizer, só conseguiu fazer um sim tímido com a cabeça. Era areia demais para o caminhãozinho dele, perfeição demais. Ela então comentou:

–  Pois ela é toda sua, como o resto do meu corpo, meu copo-de-leite. Você gosta?

– Adoro! Mas não ia ter coragem de lhe pedir... Você gosta?

– Adoro, também, bobinho. Você acha que uma mulher que tem uma bunda assim vai poder escapar? Ora, desde menina que os caras vêm sempre querendo embarcar primeiro pela porta de trás. Aí me ensinaram, eu aprendi e adorei. Vamos?

Passaram o resto da tarde no motel, jantaram ali. Passados os furores iniciais, conversaram longamente, como nunca tinham conseguido conversar. Quanto mais conversavam, mais se descobriam encantados um com o outro. Resolveram que passariam a noite ali também, até a manhã de sábado, quando Jenny tinha que trabalhar. Mas, ainda na noite de sexta, ela recebeu uma ligação de Gládis no celular, que lhe disse:

– Sabá, Mamita dispensou você de trabalhar amanhã. A gente sabe que você está em lua-de-mel, Rondelli até já recolheu o carro do Leon para a oficina dele. Então aproveite bem, arranque tudo o que conseguir do seu alemãozinho lindo, a gente te dá a maior força. E tem mais, vai ser muito bom que você segure ele por aí, ou leve depois para outro lugar, mas deixe ele longe dessa história de atentado contra o Celso, tá? Faça isso, por favor, vai ser melhor pra vocês, e muito melhor pra ele. Só libere o garoto pra jogar no domingo. Muito cuidado com a noite de sábado, aí você tem que ter juízo, senão nosso time estreia domingo com a maior derrota pro Metropolitano.

Jennifer ficou feliz. Por essa não esperava: lua-de-mel! Mas, se sua bruxinha favorita tinha falado aquilo, então o certo a fazer era seguir as determinações da bruxa do 203. E com muito prazer! Com a vantagem que, com isso, mantinha seu menino dourado longe do epicentro do furacão.

O CASAMENTO
Sem dúvida, aquele ia ser o casamento do ano em Amarante. Não porque casasse o príncipe herdeiro, agora legalmente constituído rei, do nome e do patrimônio Schlikmann. Mas porque esse delfim da nobreza extraoficial amarantense casava-se com uma mulher negra! Caso absolutamente inédito, não havia, na longa história do lugar, nenhuma relação assim que tivesse culminado em um casamento oficial.

Mas neste sábado a tabeliã Mara Salloti, oficial do Registro Civil de Amarante e o Juiz de Paz Otávio Resende estavam ali à espera de Jennifer. Que estava se esforçando ao máximo para cumprir o ritual consagrado de fazer com que todos esperassem pela noiva.

E isso era um segundo suplício para Leon Schlikmann. O primeiro era aquele danado terno branco com gravata e o mais do que apertado sapato social, uma invenção do diabo, certamente, algo que ele nunca tinha usado nos enormes pés 43 esparramados sempre em confortáveis tênis de grife.

O segundo suplício, porém, era excruciante: Nem bem deu 10 minutos de atraso da noiva e Leon começou a suar apavorado, a toda hora enfiando os dedos no colarinho sufocante. Seu maior medo poderia se cumprir: E se Jennifer, na última hora, afinasse? Se pensasse bem e desistisse? Ele ia levar bolo, ela o deixava plantado na igreja – bem não era propriamente uma igreja aquele salão do Imigrantes, mas era a mesma coisa para ele, era como ele sentia o drama crescente.

Ela não vem mais! – Teve a certeza absoluta quando o relógio de carrilhão do salão bateu dez e quinze.

Seu suador aumentou e seu pânico virou total. Procurou desesperadamente com os olhos pela espanholita Gládis, a adivinhona, só ela poderia saber o que ia acontecer. Mas, para aumentar ainda mais seu desassossego, Gládis de Rios não estava no salão! Por quê?

Então Leon teve certeza da desgraça: se Gládis não estava ali só podia ser por uma razão: ela sabia de antemão, ou tinha adivinhado com seus poderes, que Jennifer não viria, que não haveria casamento!

Dez e vinte e dois no seu Rolex! Caramba, pra que eu preciso de um Rolex ainda? Tenho que mandar vender esta joça também. E pra que serve um Rolex na mão de um cara que foi abandonado no altar, que foi abandonado pela noiva em plena igreja – quer dizer, em pleno Clube?

Apavorado, Leon não conseguia falar com ninguém, começou a se encolher cada vez mais, a vergonha vinha se somar à sensação de perda, de desgraça total, de desamparo. Procurou pelos olhos de Lissinha, com ela teria coragem de se abrir, mas também ela tinha desaparecido. Lissinha também?! Certeza absoluta: Não ia ter casamento!

A última coisa que viu foi o ponteiro do Rolex em 24 minutos. Então começou a sentir as pernas tremerem e a vista foi ficando turva. Certamente teria caído, não tivesse sido amparado por dois braços fortes.

E se não tivesse sido animado por uma voz extremamente agradável, de locutora de rádio:

– Desculpe o mau jeito, meu copinho-de-leite. Mas a escrivã e as meninas me proibiram de entrar aqui antes de dez e meia. Queriam meia hora de espera, como é praxe das noivas nas igrejas, aqui em Amarante; disseram que os convidados já sabem que vai ser sempre assim. Mas eu também estava louca pra casar com meu branquinho, cheguei às dez e quinze, fiquei espiando você lá da porta. Aí vi sua agonia e não aguentei mais. Vamos acabar com essa espera maluca. Chega!

Leon voltou a viver! Sua Rainha de Sabá, mais linda do que nunca num tailleur simples, também ele todo branco, o amparava entre seus braços. Ah, era branco no preto, como ele adorava! Jennifer usava um adorno alvo, rendado, diferente, sobre o cabelo black power, lembrava mesmo uma grinalda de noiva. E sorria para ele com aquela boca linda, com aqueles dentes perfeitos, com aquela luz incomparável que parecia circundá-la como um halo, que infundia nele, nesse momento, uma paz absoluta, infinita. Aquilo se chamava Felicidade!

A tabeliã falou em surdina para a noiva:

– Sua afobadinha! Não podia esperar mais um pouquinho só, é? Tá bom, vamos lá então. Por favor, Dr. Resende, agora é com o senhor.

O Juiz de Paz assumiu o comando.

A cerimônia a seguir foi rápida, as palavras de praxe, as assinaturas dos noivos e das testemunhas, todas elas consideradas, para todos os efeitos, equivalentes a padrinhos e madrinhas, entre eles um mais que orgulhoso Dr. Turíbio, digníssimo promotor público da comarca de Amarante.

Quando foi feita a pergunta de praxe, indagando se alguém sabia de algo que impedisse legalmente o casamento, Nicanor, Anselmo e Aurélio, três respeitáveis armários, fizeram questão de se levantar de suas cadeiras e se voltaram para trás, encarando o público atentamente. Se alguém havia ali com intenção de soltar alguma frase ou piadinha racista, deve ter engolido ligeirinho as más palavras. O “Fale agora ou cale-se para sempre” poderia ficar literal demais, para sempre mesmo!

A partir daquele ato e daquelas assinaturas, a cor saudável da África vinha reavivar as combalidas energias arianas da branca tez do clã do noivo. O Juiz de Paz leu solenemente o novo nome completo da antes noiva, doravante esposa:

– Senhora Jennifer Oliveira Schlikmann!

CONTINUA


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