MILTON MACIEL
62 - O CASAMENTO DO ANO
Fim do cap. 61: "Leon e Jennifer esperaram a hora certa e saíram para almoçar juntos. E para combinar mil detalhes do casamento do sábado; e do casamento daquela noite, é claro."
Foi
só então que Jennifer resolveu tocar no assunto do pseudo-atentado a Celso
Teles. Nunca tinham comentado isso, mas ela achou que estava na hora de
explicar porque obedecera todas as instruções de Gládis De Rios, inclusive a de
não deixar que nem Leon, nem Larissa, soubessem que era tudo só uma armação,
impondo-lhes um duro sofrimento, mas garantindo que não destoassem durante a
representação da farsa.
Muitas horas antes do grande drama, de posse da
gravação que fizera da conversa do pai com Valdemar Silva e o pistoleiro, Leon
tinha corrido para a Teles, para procurar Jennifer e Gládis. Depois que
desabafou e mostrou a gravação, teve a surpresa de ouvir Gládis dizer, em meio
ao maior sorriso:
– Sossegue, Leon. Celso não vai ser ferido, muito menos morto, em um
atentado a bala. Eu lhe garanto, minha antena psíquica me mostra. Fique calmo.
Você não pode acusar seu pai e o pai de Larissa por algo que ainda não
aconteceu. Mas, se você confiar em mim, me entregue esse celular, que eu vou
mostrar para o Celso mais tarde, ele precisa saber o que estão tramando pelas
costas dele, é claro. Mas pode ficar tranquilo, exceto, é claro, por sua dor ao
descobrir que seu pai foi e é capaz de tanta maldade. Jenny, tome conta do seu
homem, agora é que ele precisa mesmo de você. Vão embora, mamita não está aqui, eu tenho autoridade para dispensar você. Vão
procurar um lugar tranquilo, você tem muito que consolar esse pobre moço, a
barra está muito pesada para ele.
Só que, àquela altura, Jardes e Bentinho já tinham estado na Teles contando tudo
para Celso, que chamou imediatamente Gládis, Carmen, Paula, Jennifer e
Rondelli, para que ouvissem o espantoso relato. Evidentemente, Larissa foi
sabiamente deixada de fora. Logo a seguir, com a participação do delegado, do
sogro dele, do dono da funerária e de Lucas foi estabelecido todo o plano de
ação que resultou no desmascaramento e prisão de Schlikmann e Silva.
Assim,
obedecendo à determinação de Gládis, Jennifer levou Leon no carro dela. E, para
surpresa do rapaz, entrou com o veículo num motel na estrada para Blumenau:
– A
Gládis disse para eu levar você para um lugar bem tranquilo. Bom, um lugar bem
tranquilo a gente tem aqui. Vamos entrar e passar uma tarde agradável, ver se a
gente se entende em outros assuntos também.
Aquilo
foi um bálsamo para Leon, que esqueceu imediatamente as crueldades recém-sabidas
de Adolfo Schlikmann e só teve olhos, pensamentos e ações para sua rainha
negra. Sem roupa, ela era mais fascinante ainda, parecia uma estátua viva, uma
estátua de uma deusa, muito mais do que de uma rainha. Fizeram amor com
arrebatamento, Leon sentindo, pela primeira vez na vida, o que era entregar-se
por completo a uma mulher que ele admirava e respeitava.
Sim,
reconhecia agora, sua paixão havia nascido no momento em que vira aquela negra
maravilhosa humilhar seu pai e demonstrar toda a sua enorme inteligência. Era a
primeira mulher pela qual ele havia sentido respeito na vida! Com todas as
outras, Larissa inclusive, era só uma questão de corpo, de beleza, de atração,
de curtir o gostoso do sexo. Mas com Jenny era tudo diferente. Ela era muito,
mas muito maior e mais importante do que ele.
Ele era
lindo, mas ela também era linda. Porém ela era muito mais atraente do que ele,
não poderia negar. Estava totalmente entregue àquele amor. Pela primeira vez
esperou pela parceira, fez tudo o que ela quis, perguntou por cada uma de suas
preferências, deixou de lado as suas próprias.
E foi
recompensado quando, depois do primeiro round, quando eles viram que o herói
renascia, Jennifer falou:
– Você
deve estar louco pela minha bunda, não é, meu taradinho?
Ele
ficou sem saber o que dizer, só conseguiu fazer um sim tímido com a cabeça. Era
areia demais para o caminhãozinho dele, perfeição demais. Ela então comentou:
– Pois ela é toda sua, como o resto do meu
corpo, meu copo-de-leite. Você gosta?
– Adoro!
Mas não ia ter coragem de lhe pedir... Você gosta?
– Adoro,
também, bobinho. Você acha que uma mulher que tem uma bunda assim vai poder
escapar? Ora, desde menina que os caras vêm sempre querendo embarcar
primeiro pela porta de trás. Aí me ensinaram, eu aprendi e adorei. Vamos?
Passaram
o resto da tarde no motel, jantaram ali. Passados os furores iniciais,
conversaram longamente, como nunca tinham conseguido conversar. Quanto mais
conversavam, mais se descobriam encantados um com o outro. Resolveram que
passariam a noite ali também, até a manhã de sábado, quando Jenny tinha que
trabalhar. Mas, ainda na noite de sexta, ela recebeu uma ligação de Gládis no
celular, que lhe disse:
– Sabá, Mamita dispensou você de trabalhar amanhã. A gente sabe que você está em
lua-de-mel, Rondelli até já recolheu o carro do Leon para a oficina dele. Então
aproveite bem, arranque tudo o que conseguir do seu alemãozinho lindo, a gente
te dá a maior força. E tem mais, vai ser muito bom que você segure ele por aí,
ou leve depois para outro lugar, mas deixe ele longe dessa história de atentado
contra o Celso, tá? Faça isso, por favor, vai ser melhor pra vocês, e muito
melhor pra ele. Só libere o garoto pra jogar no domingo. Muito cuidado com a
noite de sábado, aí você tem que ter juízo, senão nosso time estreia domingo
com a maior derrota pro Metropolitano.
Jennifer
ficou feliz. Por essa não esperava: lua-de-mel! Mas, se sua bruxinha favorita
tinha falado aquilo, então o certo a fazer era seguir as determinações da bruxa
do 203. E com muito prazer! Com a vantagem que, com isso, mantinha seu menino
dourado longe do epicentro do furacão.
O CASAMENTO
Sem
dúvida, aquele ia ser o casamento do ano em Amarante. Não porque casasse o
príncipe herdeiro, agora legalmente constituído rei, do nome e do patrimônio
Schlikmann. Mas porque esse delfim da nobreza extraoficial amarantense
casava-se com uma mulher negra! Caso absolutamente inédito, não havia, na longa
história do lugar, nenhuma relação assim que tivesse culminado em um casamento
oficial.
Mas
neste sábado a tabeliã Mara Salloti, oficial do Registro Civil de Amarante e o
Juiz de Paz Otávio Resende estavam ali à espera de Jennifer. Que estava se
esforçando ao máximo para cumprir o ritual consagrado de fazer com que todos
esperassem pela noiva.
E isso
era um segundo suplício para Leon Schlikmann. O primeiro era aquele danado
terno branco com gravata e o mais do que apertado sapato social, uma invenção
do diabo, certamente, algo que ele nunca tinha usado nos enormes pés 43
esparramados sempre em confortáveis tênis de grife.
O
segundo suplício, porém, era excruciante: Nem bem deu 10 minutos de atraso da
noiva e Leon começou a suar apavorado, a toda hora enfiando os dedos no
colarinho sufocante. Seu maior medo poderia se cumprir: E se Jennifer, na última
hora, afinasse? Se pensasse bem e desistisse? Ele ia levar bolo, ela o deixava
plantado na igreja – bem não era propriamente uma igreja aquele salão do
Imigrantes, mas era a mesma coisa para ele, era como ele sentia o drama
crescente.
Ela não vem mais! – Teve a
certeza absoluta quando o relógio de carrilhão do salão bateu dez e quinze.
Seu
suador aumentou e seu pânico virou total. Procurou desesperadamente com os
olhos pela espanholita Gládis, a adivinhona, só ela poderia saber o que ia
acontecer. Mas, para aumentar ainda mais seu desassossego, Gládis de Rios não
estava no salão! Por quê?
Então
Leon teve certeza da desgraça: se Gládis não estava ali só podia ser por uma
razão: ela sabia de antemão, ou tinha adivinhado com seus poderes, que Jennifer
não viria, que não haveria casamento!
Dez e
vinte e dois no seu Rolex! Caramba, pra
que eu preciso de um Rolex ainda? Tenho que mandar vender esta joça também. E
pra que serve um Rolex na mão de um cara que foi abandonado no altar, que foi
abandonado pela noiva em plena igreja – quer dizer, em pleno Clube?
Apavorado,
Leon não conseguia falar com ninguém, começou a se encolher cada vez mais, a
vergonha vinha se somar à sensação de perda, de desgraça total, de desamparo.
Procurou pelos olhos de Lissinha, com ela teria coragem de se abrir, mas também
ela tinha desaparecido. Lissinha também?! Certeza absoluta: Não ia ter casamento!
A última
coisa que viu foi o ponteiro do Rolex em 24 minutos. Então começou a sentir as
pernas tremerem e a vista foi ficando turva. Certamente teria caído, não
tivesse sido amparado por dois braços fortes.
E se não
tivesse sido animado por uma voz extremamente agradável, de locutora de rádio:
–
Desculpe o mau jeito, meu copinho-de-leite. Mas a escrivã e as meninas me
proibiram de entrar aqui antes de dez e meia. Queriam meia hora de espera, como
é praxe das noivas nas igrejas, aqui em Amarante; disseram que os convidados já
sabem que vai ser sempre assim. Mas eu também estava louca pra casar com meu
branquinho, cheguei às dez e quinze, fiquei espiando você lá da porta. Aí vi sua
agonia e não aguentei mais. Vamos acabar com essa espera maluca. Chega!
Leon
voltou a viver! Sua Rainha de Sabá, mais linda do que nunca num tailleur
simples, também ele todo branco, o amparava entre seus braços. Ah, era branco
no preto, como ele adorava! Jennifer usava um adorno alvo, rendado, diferente,
sobre o cabelo black power, lembrava
mesmo uma grinalda de noiva. E sorria para ele com aquela boca linda, com
aqueles dentes perfeitos, com aquela luz incomparável que parecia circundá-la
como um halo, que infundia nele, nesse momento, uma paz absoluta, infinita.
Aquilo se chamava Felicidade!
A tabeliã
falou em surdina para a noiva:
O Juiz
de Paz assumiu o comando.
A
cerimônia a seguir foi rápida, as palavras de praxe, as assinaturas dos noivos
e das testemunhas, todas elas consideradas, para todos os efeitos, equivalentes
a padrinhos e madrinhas, entre eles um mais que orgulhoso Dr. Turíbio,
digníssimo promotor público da comarca de Amarante.
Quando
foi feita a pergunta de praxe, indagando se alguém sabia de algo que impedisse legalmente
o casamento, Nicanor, Anselmo e Aurélio, três respeitáveis armários, fizeram
questão de se levantar de suas cadeiras e se voltaram para trás, encarando o público atentamente. Se alguém havia ali com intenção de soltar alguma frase ou piadinha racista, deve
ter engolido ligeirinho as más palavras. O “Fale
agora ou cale-se para sempre” poderia ficar literal demais, para sempre
mesmo!
A partir
daquele ato e daquelas assinaturas, a cor saudável da África vinha reavivar as
combalidas energias arianas da branca tez do clã do noivo. O Juiz de Paz leu
solenemente o novo nome completo da antes noiva, doravante esposa:
CONTINUA
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