MILTON MACIEL
72 – MEGANEGÓCIO-1 EM AMARANTE
Fim do cap. 71: "Nesse ínterim, os dois adversários, por serem os malandros que eram, só podiam cair e se complicar mais e mais, o que se pode normalmente esperar de quem sempre apronta mais uma."
Encaminhadas,
com sucesso, as futuras carreiras públicas dos ex-noivos eternos de Amarante,
Celso Teles teve tempo e energia mental para se dedicar a duas grandes
operações que vinha arquitetando em silêncio há muitos dias, via internet e
telefone. Muitos telefonemas e teleconferências de negócios, envolvendo dois
grandes escritórios imobiliários e dois grupos especializados de grande porte,
todos de São Paulo, capital e interior.
Com base
em todos os dados coletados e propostas prévias intercambiadas, mantidas sempre
por Celso no maior sigilo, como era do seu feitio, o grande dia chegara. O
representante do grupo empresarial que ele havia selecionado estava chegando
nessa manhã em Amarante. A empresa já tinha estudado a fundo o negócio,
aceitara as condições de Celso e agora mandava seu diretor com plenos poderes
para assinar o contrato com os vendedores. Como estes eram só dois, mas um
deles tinha procuração para representar plenipotenciariamente o outro, tudo o
que o paulista precisou fazer foi convocar com urgência uma certa pessoa, por
telefone:
– Leon
Schlikmann? Bom dia. Como é, ainda obstinado em andar sempre a pé? Nada de
carro?
– Oi,
Celso. Que legal você me ligar. Tou com saudade, cara. Quando é que nós vamos
bater uma bolinha, meu treinador? Bem, quanto ao carro, agora mesmo é que eu
não preciso. Agora eu sou gigolô de uma gata que tem carro, um carrão legal.
Casei com ela por interesse, justamente por causa disso. Então eu sigo a pé e,
quando é inevitável ou bate preguiça, aí eu filo uma carona com a Sabá.
– Ah, tá
bom! E você, pelo jeito está em casa, aí no apart-hotel.
– Estou,
sim, estou estudando pacas, o Lucas é jogo duro, mandou vir uns livros de São
Paulo e atochou em mim sem dó nem piedade. E me passou uma relação de um monte
de sites da Internet. Uma montanha de coisa de administração pública e de
história econômica e política do Brasil, um massacre. E sabe da maior? Cara, eu
tô adorando! É fascinante. Quanto mais eu leio, mais vejo a besta que eu era em
quase tudo. Pô, esse Lucas é um gênio, vá ser culto assim na puta que pariu! E
ali, quietinho, naquela modéstia toda dele, como se fosse só um peão...
– É
cara, meu pessoal é todo assim, tudo gente competente demais, todos eles, todas
elas, pessoas que são o top, o máximo naquilo que fazem. Basta você considerar
a Sabá. É outro geniozinho. E modesta também, apesar da beleza e do patrimônio
que já alcançou com o trabalho dela. E de toda a cultura dela. Ela já lhe
mostrou os escritos dela?
–
Jamais, cara! Não deixa eu ver nada, tem senha no computador onde escreve, acho
que são contos, não tenho certeza. Mas ela não deixa ninguém, ninguém mesmo ver
o que escreve. Ela me disse que é porque ainda não tem o que mostrar, porque
ainda não está bom o suficiente, ainda não está bem-acabado.
– Pois
é, mas a Jenny já era assim lá em Ribeirão Preto. Quando a Carmen convidou a
Jennifer para vir trabalhar com a gente, ela já tinha um monte de coisas
escritas, era professora universitária, ensinava literatura de Portugal. Mas
você precisava ver como era ciosa dos seus segredos. Ninguém, nem mesmo a
espanholita-mãe, que foi e é o anjo da guarda da Jenny, jamais teve acesso aos
textos dela. Não se surpreenda, portanto.
– Pois
é, direito dela, não é? Mas ela me prometeu uma coisa: o dia em que ela achar
que acabou tudo, então ela vai mostrar em primeira mão pra duas pessoas ao
mesmo tempo: justamente pra Carmen e pra mim. E aí, se a gente gostar, ela
nos autoriza a mostrar pra você e pro resto da turma.
– Garota
de ouro! Você tirou a sorte grande, Leon.
– E eu
não sei! Cara, tem noite alta que eu acordo, ativo a luzinha do celular, virada
pra parede, só pra ficar olhando pra ela, dormindo linda, linda, ali do meu
lado. Cara, só falta eu me beliscar pra saber que não estou sonhado. Poxa,
Celso, eu sou um rabudo mesmo, puta sorte, sorte grande, como você disse; não
fiz nada pra merecer essa mulher, cara.
– Ah,
fez, sim, Leon. Enfrentou seus velhos, enfrentou Amarante inteira, entregou sua
vida toda nas mãos dela, largou a galinhagem por causa dela, começou a
trabalhar por casa dela, está andando a pé por causa dela. Cara, você fez muito
bem a sua parte, está fazendo por merece a sua Rainha de Sabá. E pode ter
certeza, ela sabe reconhecer tudo isso muito bem.
Leon não respondeu nada, o silêncio do lado de lá mostrou a Celso que a emoção o impedia de
falar. Mudou para o assunto real de sua ligação:
– Pois
bem, cara rabudo, agora é que você vai descobrir que nasceu mesmo com o dito
cujo virado pra lua. Pode largar tudo que está fazendo e corra pra cá. Daqui a
uma hora deve chegar um homem que você tem que conhecer, o cara vem de
Piracicaba só pra isso. Posso mandar alguém pegar você de carro ai.
– Ops,
legal. Deve ser coisa quente. Mas, não, pode deixar que eu vou andando. Aliás,
vou trotando. Não, não é muita distância, em uma hora dá pra fazer folgado. Ah,
até parece!... E você? Pois você não corre doze quilômetros todo santo dia,
faça chuva ou faça sol? Caminhadinha moleza, já, já tô aí.
E Leon
desligou, fechou o livro, calçou o tênis e vestiu o macacão mais leve. Aí já
aproveitava e ficava por lá mesmo, depois da uma da tarde era a vez de seu turno
de aprendiz com Tio Rondelli na oficina. As pessoas por quem passava na rua
voltavam-se para ver o herdeiro dos Schlikmann andando a pé e vestido com macacão
de mecânico. Caramba, que mudança!
Tio
Rondelli e Lucas tinham estabelecido a rotina de Leon dessa maneira: segunda,
quarta e sexta de manhã ele ficaria em casa, estudando as matérias de Lucas.
Terças e quintas, de manhã também, ele viria à Teles apresentar os seus
trabalhos a seu instrutor e receber avaliações e novas tarefas. Na parte da
tarde, ele pertencia de corpo e alma a Tio Rondelli e seus motores e câmbios
maravilhosos. Teoricamente sairia às seis, mas Tio Rondelli, graças a Deus, era
caxias demais, saía as sete ou mais tarde.
Sabá
largava as vendas às seis, fazia um tempo com as meninas e depois vinha esperar
por Leon na oficina, onde só estariam ele e Tio Rondelli. Sabia que, fazendo
assim, conseguiria levar seu homem para casa mais cedo. Se deixasse por ele,
ficaria grudado no tio e nas máquinas sabe-se lá até que horas. Sabia que, ao
ver sua rainha, ele começava a se derreter e os motores perdiam a parada. Seu
casamento iria bem enquanto ela conseguisse vencer a competição com as
máquinas. O dia em que seu Copinho começasse a achar mais encanto em
engrenagens e pistões do que nas ancas sinuosas e nos lábios sensuais de sua
Sabá, então o fim teria chegado. Competia a ela, com seu calor oriundo das
savanas e desertos africanos, não se deixar superar por aquelas frias peças de
metal. Jamais!
O Homem
de São Paulo
Quando,
50 minutos depois de sair de casa, Leon Schlikmann entrou no escritório de
Celso Teles, já havia um homem alto e um tanto robusto com ele. Estavam em pé,
ao redor da grande mesa de reuniões e ambos vieram recebê-lo e apertar-lhe a
mão.
Leon não
perdeu a oportunidade, largou a mão de Celso e deu-lhe um abraço apertado e longo:
– Bom
dia, Celso. Cheguei atrasado?
– Não,
fui eu que cheguei adiantado, meu senhor.
– Celso,
este é o Doutor Bernardo Hellis, diretor de novos investimentos da Souza Hellis
Empreendimentos Imobiliários S.A., de Piracicaba. É uma das três maiores
empreendedoras do mercado de shopping centers no Brasil. Doutor Hellis, este é
o Leon Schlikmann, que o senhor veio conhecer pessoalmente.
– Hum...Legal.
Muito prazer, doutor. Me conhecer pessoalmente, é? Puxa, será que é pra me
contratar pra centroavante do Quinze de Novembro de Piracicaba?
– Não,
Leon, o Doutor Hellis não tem nada a ver com futebol. O negócio dele é shopping
centers pioneiros.
– Com
assim... pioneiros?
– É o
seguinte: nós construímos e administramos shopping centers em cidades de porte
menor, entre 50 e 100 mil habitantes, assim com a sua Amarante. Cidades que
ainda não têm um shopping, mas são prósperas, têm boas perspectivas de
crescimento e estão em uma região de bom potencial de desenvolvimento também.
Por isso os chamamos de pioneiros. Nós queremos ser os primeiros e criar o
padrão que vai ser emulados pelos futuros concorrentes. Essa é a nossa
política.
– Que
legal, Celso. Quer dizer que essa empresa vai estudar a construção de um
shopping aqui em Amarante.
– Não
vai, Leon. Já estudou. Faz duas semanas que a gente está discutindo isso. O Doutor
Hellis está aqui para fechar negócio.
–
Bárbaro, cara! Quer dizer que você vai investir em shopping com eles, Celso.
Que demais!
– Não,
eu não vou. VOCÊ é que vai, Leon!
– Eu?!
Mas como eu?
– Pois é
só se virar e estudar essa planta enorme que está ocupando quase toda a minha
mesa de reuniões. Reconhece essa área? E aquela casa colonial?
–
Cacete! É o Mausoléu Schlikmann! Não me diga que...
– O
homem está aqui para comprar a
propriedade, Leon. Um negócio muito bom para todo mundo: para você e sua mãe,
para a empresa dele e para Amarante. Nós discutimos isso durante quase duas
semanas, foi proposta pra lá, proposta pra cá, minuta de contrato que ia e
voltava pela Internet, O Lucas e eu quebrando a cabeça em cima da coisa, até
que chegamos a um denominador comum.
–
Bárbaro! Mas você é demais, meu irmão que eu não tive! Quer dizer que eu devo
fechar o negócio, é? Onde é que eu assino?
– Calma,
rapaz. Você nem sabe qual é o preço ainda.
– Nem me
interessa saber, se você sabe. Se você aceitou o negócio, só pode ser coisa
boa. E se você acertou o preço com eles, só pode ser o melhor que essa joça
pode atingir. Por mim está perfeito. É só dar a papelada que eu assino.
O Doutro
Hellis comentou, admiradíssimo:
–
Caramba, meu jovem, isso é que é confiança em alguém!
– Quando
esse alguém se chama Celso Telles, doutor, o senhor pode assinar de olhos
fechados, não precisa ler contrato nenhum. Eu estou pronto pra assinar.
– Calma,
cara! Obrigado pela confiança, eu sei que mereço e vou sempre merecer. Mas faço
questão que você leia tudo até o fim, antes de assinar. Aqui estão os papéis do
contrato de compra e venda, estão em quatro vias. E o funcionáriodo tabelionato já
está lá fora esperando para entrar, assim que tudo estiver sacramentado e
assinado no contrato inicial.
– É esse
calhamaço aqui, Doutor Hellis? Vou perguntar pro senhor, que é mais razoável
que esse paulista turrão: onde é que se assina?
O
diretor da grande empresa mostrou os lugares nas quatro vias e mostrou também
onde Leon teria que rubricar as outras páginas.
Pois
Leon não só não se deu ao trabalho de ler coisa alguma, como não se deu ao
trabalho de sequer sentar. Em pé mesmo como estava, curvou seu corpo de quase
um metro e noventa e assinou e rubricou todas as páginas com a velocidade de um
centroavante escalando rumo ao gol.
Hellis e
Celso ficaram estáticos, boquiabertos, vendo a atitude de Leon.
– Cara,
você é louco! Você nem sabe por quanto nem de que jeito está vendendo a maior
parte do seu patrimônio!
– Mas eu
já disse, Celso: você sabe! Pra mim isso é tudo o que importa. Estou fazendo o
melhor, o único negócio que eu posso fazer com aquela joça toda. Você sabe, minha
mãe e eu queremos vender o Mausoléu. O resto é detalhe. Do resto tudo você
cuidou. E o pior, Doutor Hellis, o senhor não vai acreditar, ele não aceitou
receber comissão alguma pela intermediação do negócio. Depois ele diz que o
louco sou eu!
– Gente,
eu estou embasbacado! Chocado mesmo! Um assina sem ler, o outro faz uma
negociação desse valor enorme e não quer receber comissão! Mas o que é que
vocês são? Irmãos? Só pode ser, porque pai e filho não podem, as idades não
permitem.
– Ele é
meu irmão mais velho, Doutor. De outra família, de São Paulo, mas eu nomeei o
Celso meu irmão. Sabe, eu sempre quis ter um irmão mais velho, nunca sonhei ter
irmão ou irmã mais moços que eu; eu brincava que tinha um irmão mais velho imaginário
e ele é que me protegia dos outros moleques e me ensinava tudo. Só que, por
azar, sempre fui filho único. Mas quando encontrei esse cara eu resolvi: esse é
o irmão que eu sonhava, essa cara vai ter que seu meu irmão, nem que seja na marra. E agora o
senhor está vendo que ele é.
Celso
adiantou-se a abraçou Leon carinhosamente:
–
Menino, se você ainda não tivesse me ganhado como já ganhou, olhe... Pois hoje, depois dessa
sua assinatura no escuro, eu ia no cartório e pedia para adotar você como meu
irmão. A Lissinha vai adorar saber de tudo isso.
– Meu
irmão, tudo, mas tudo mesmo o que aconteceu de bom na minha vida me veio
através de você. A mudança de vida de Tio Rondelli, que eu adoro. Os campos de
futebol de Amarante. O torneio Hanashiro
Ito. O time profissional de Amarante. O meu futuro no futebol. O meu futuro como aprendiz de Tio Rondelli, O meu futuro na... naquela coisa do futuro de Amarante.
A felicidade de Lissinha. A chegada de Jenny mudando a minha vida da água pra
vinho. E que vinho! A prisão do meu pai. A partida da minha mãe, o que deixou
esses bens todos só no meu nome. E agora, a venda dessa tralha toda. É de cair
a bunda de qualquer um, não é doutor?
–
Caramba, tudo isso? Realmente, esse aí vem sendo muito mais do que um irmão,
então. Mas tem uma coisa que eu acho que ouvi errado. Você falou, Leon, algo
como a prisão do meu pai. Foi isso
mesmo?
– Isso
mesmo, o senhor ouviu bem. Pois o desgraçado do meu pai mandou matar o Celso. Por
graça de Deus, o matador contratado foi e contou tudo pro Celso. Aí o delegado
daqui, um batuta moderninho, armou toda uma arapuca e deram um flagra no velho
e no outro mandante. Agora este outro está morto e o meu velho está em cana. E
pirou de vez. Foi declarado incapaz. Minha mãe então passou a administração dos
bens todos pra mim. Se o velho não estivesse em cana e doidão, a gente não
tinha fechado este negócio, nem eu tinha assinado nada dessa tralha aí na mesa.
Quer dizer, também isso foi graças ao Celso.
O Doutor
Hellis passou um lenço na testa, afrouxou a gravata e abriu o paletó, liberando
a oprimida barriga. E desabou na cadeira, levando os outros dois a seguir-lhe o
gesto e sentarem também. O diretor comentou:
– Olhem,
seu eu contar isso tudo lá em Piracicaba, o pessoal vai achar que eu estou
mentindo. Ora, eu tenho mais de 30 anos de negócios, mas estou de queixo caído
com vocês dois...
– É que
o senhor só conheceu irmãos comuns, doutor. Aposto que é a primeira vez que o
senhor conhece um irmão nomeado pelo outro.
Celso sorriu
satisfeito:
– Esse é
o meu irmãozinho caçula! E o senhor precisa ver esse carinha no meio da área, é
o terror dos zagueiros, bate um bolão no ataque, cabeceia como ninguém.
– Ele
fala isso de mim, mas o senhor precisa ver esse meu irmão no meio-campo,
doutor. É um arraso, dá dez Leons numa perna só.
– Ah, quer
dizer que os dois jogam futebol, é?
– E
muito bem, modéstia à parte – grifou Leon, todo orgulhoso.
– Tá
bem, mas agora vamos voltar ao negócio que o louco do meu irmão fechou sem
saber nem como nem por quanto. Vamos levantar de novo, para ver a planta
direito.
Os três
se ergueram novamente e Celso e o Doutor Hellis passaram a mostrar todo os
detalhes da transação para um Leon cada vez mais admirado e satisfeito.
Em
resumo, o negócio fechado por Celso implicava na venda de todo o grande terreno
no centro da cidade por um valor tão alto que Leon chegou a duvidar que tivesse
ouvido certo. Nunca poderia imaginar que o Mausoléu e seu terreno pudessem
chegar a um valor tão alto. A forma de pagamento era também muito diferente do convencional.
Uma parte em dinheiro, uma parte em lojas no shopping (e que lojas Celso
escolhera!), uma parte em apartamentos na torre residencial, uma parte em
escritórios na torre comercial.
Assim
Leon ficou sabendo que, após a demolição do casarão dos Schlikmann (o que ele
mais adorou saber na hora foi que o mausoléu desapareceria totalmente!), seria construído
um grande shopping center com três andares, mais estacionamentos no subsolo e
em área descoberta frontal. E que o grande quadrilátero seria encimado por duas
torres, uma de escritórios comerciais, outra de apartamentos residenciais. Todos
com entradas e seguranças independentes da área do shopping.
Se Leon aceitasse
o negócio – o que ele já havia feito de forma automática e irrefletida – o diretor
lhe entregaria no ato o cheque administrativo do Banco Bradesco que trouxera de
São Paulo, nominal a Leon Schlikmann. E que, na verdade, já estava na mão de
Celso Teles. Quando este o entregou a Leon, ele custou a entender aquele número
enorme. Precisou conferir no valor por extenso:
– Puta
que pariu! Mas tudo isso é só a entrada? E isso é só 30% do valor total, o
resto vem em imóveis? Cacete, aquele assassino burro do meu pai podia ter feito
um negócio assim muitos anos atrás e passava a viver que nem um marajá, como
ele sempre sonhou!
– Olhe,
Leon, eu lhe garanto que não faria. Para arrancar da gente um negócio tão bom
assim para o vendedor, só sendo uma fera como esse seu irmão Celso Teles. Ele
negociou o tempo todo com a gente e com o nosso maior concorrente. Fez um leilão
e bateu o martelo com a minha empresa porque a gente abriu mais as pernas pra
ele do que a outra firma. Doeu, viu.
E caíram
todos na gargalhada, a esculhambação chegou geral na linguagem. Doutor Hellis
aproveitou a deixa e tirou o paletó.
–
Caramba, não é calor, o seu ar condicionado está perfeito aqui, Celso. Mas ou
eu paro de engordar, ou paro de usar paletó. Confesso que a ideia de deixar de
usar paletó é bem mais atraente.
Então a alegria
foi geral. Estavam todos contentíssimos. Agora era comemorar. Só que antes admitiram
ali o enviado do tabelionato, que tomou todas as notas necessárias, fotografou
os documentos pessoais com o celular e foi para o cartório para lavrar o registro
do contrato de compra e venda e preparara as fichas de assinatura. Depois do almoço, eles passariam por lá,
assinariam no livro e recolheriam as certidões.
Naturalmente,
foram comemorar na Churrascaria de sempre, a Estrela dos Pampas. A corte foi
toda junto: Jenny, Larissa, Gládis, Carmen, Paula, Lucas, Rondelli. No caminho,
pararam no Bradesco e Leon depositou aquele impressionante cheque em sua conta
pessoal. O gerente e todos os funcionários que puderam se liberar por um
minutinho vieram adorar aquele pedacinho de papel que faria qualquer um sonhar!
Cheque executivo do banco, dinheiro em caixa na hora!
De
repente Leon estava rico na prática, isto é, tinha um monte de dinheiro disponível,
o que não acontecia antes, quando só podia dispor dos rendimentos dos aluguéis
do galpão e das duas casas. Ele costumava dizer, gozador:
– Foi
por isso que eu casei com essa aqui. Agora sou gigolô profissional. Ela tem
casa e carro, eu não posso gastar com isso. Sou um sem carro e agora um sem teto.
Agora é
que iam pegar no pé dele, quando o vissem andando a pé por Amarante. A notícia
da venda e da dinheirama já teria corrido a cidade toda até o fim do dia. Agora,
quando o vissem como andarilho, iam passar a chamá-lo de mão-de-vaca. Estava na
hora de um fusca laranja pra ele também.
Ou na
falta dele, qualquer coisa de mesmo valor, garantida pelo olho clínico revisor de Tio Rondelli.
Mas ele é que não ia enterrar dinheiro em automóvel caro, novo. Se dependesse dele,
seu mano Celso quebrava com seus flamantes novos e seminovos. Aprendera a lição
bem aprendida. Para quem anda a pé, qualquer carrinho velho é uma Ferrari. Um Porsche,
como ele tivera, parecia-lhe agora a coisa mais sem propósito deste mundo.
CONTINUA