MILTON MACIEL
Fim da 1a. parte
No centro de tudo e de todos, dos olhares,
desejos e comentários, Cecília, por sua beleza e por sua intuição, fizera-se
uma solitária. Mas, acostumada a isso desde criança, ela até apreciava essa
solidão. O velho dito “antes só do que
mal acompanhada” era um dos seus constantes refúgios da alma. O outro
refúgio era a leitura. Ela era uma leitora voraz, veloz, quase compulsiva. Lia
no mínimo dois livros por semana.
2a.parte:
Aprendera cedo a se
tornar uma “traça de biblioteca”, como se autointitulava. Frequentava todas as
bibliotecas públicas que podia acessar. Lia também nas livrarias, um pedaço de
livro por dia, até acabar com o
texto inteiro. Para conseguir que lhe permitissem isso, comprava de vez em
quanto um livro muito barato ou em promoção. Os funcionários e funcionárias das
livrarias acabaram se acostumando com aquela loira linda, suave, sorridente e silenciosa,
que não tinha dinheiro para comprar livros.
Por causa dessa leitura “de favor” nas livrarias,
Cecília acabou desenvolvendo uma leitura velocíssima. Tinha que ler, ler rápido
o quanto podia, enquanto a livraria não fechava ou enquanto algum funcionário ou
dono de livraria não começasse a pressioná-la com olhares atravessados.
Mas a musa, a deusa, a inteligente, a
leitora voraz, tinha um segredinho a mais: Sabia LUTAR! Tia Lolô, irmã de sua mãe, quando a
menina fez onze anos, colocou-a num curso de defesa pessoal para meninas e
mulheres. A tia, experiente e de cabeça muito moderna, conseguiu convencer a
irmã e a sobrinha que, face à beleza incomum que a garota possuía, ela poderia
ter problemas sérios de tentativa de agressão sexual por parte de homens descontrolados.
Tia Lolô acompanhou a sobrinha ao longo
de todo o curso intensivo, de oito semanas de duração, aprendendo todos os
exercícios também. Dessa forma, concluída a aprendizagem, ela continuou
exigindo da menina uma prática regular entre elas. Como resultado final, não só
a mocinha havia aprendido muito bem a se defender e a contra-atacar, como tomou
gosto pelos exercícios físicos e passou a frequentar academias de musculação e
a praticar corrida, o que fez até entrar para a faculdade.
Essa era a Cecília pela qual os homens
se apaixonavam, Adalberto mais do que todos, talvez. Só que o que os homens não
sabiam e, muito menos, percebiam, é que, por baixo das pétalas sedosas e
perfumadas da deusa Afrodite, havia uma dezena de espinhos da guerreira Palas
Atena.
Uma rosa com espinhos. Mas uma rosa!
Os espinhos da deusa Palas Atena tinham
deixado agora oito lanhos profundos na cara do Alemão Bauer. E um sem número de
dores espalhadas pelo corpo todo do enorme homem. Homem fortíssimo, porque, nem
bem um minuto se passara e já ele estava voltando a si e sentando no chão. Foi aí
que começou um burburinho danado no meio daquela gente toda, que tinha descido
do bonde para ver a briga entre os dois homens. E que viram uma briga entre um
homem e uma mulher.
Sim, porque o tal frangote, o tal do
Adalberto, não tivera reação alguma, só abria a boca e arregalava os olhos. Como
aquele sujeitinho estava longe de ser um cavaleiro andante! A mulher é que
brigava por ele e ele nem se mexia para entrar no rolo. Está certo que tudo
tinha sido rápido demais. Primeiro a Miss Universo tinha saltado nas costas do
grandão. Imediatamente este se voltou e tentou dar-lhe um soco demolidor.
Só que a mulher o fez rodopiar no ar e
se estatelar contra o estribo do bonde. O sujeito levantou em seguida e voltou
a atacar a menina. Levou a pior de novo, levou foi um sossega-leão na nuca. Aquela
loirinha era o capeta em pessoa, sabia lutar como uma leoa. Quem podia imaginar
isso, olhando para aquela carinha e aquele corpão violão? O que tinha de bonita
e gostosa, tinha de corajosa e ágil, benza Deus!
O burburinho entre o pessoal começou
quando uma mulher reclamou em altos brados:
– Esse canalha atacou uma mulher,
tentou bater nela duas vezes, com toda a força. Covarde! Em mulher não se bate
nem com uma flor!
Sem dúvida, um comentário eivado de
erros sérios. Afinal, quem atacou o fortão foi a mulher. E quando ele,
ignorando a história de não bater nem com flor, resolveu dar um corretivo na
agressora, apanhou e foi humilhado duas vezes.
Mas povo é povo e espírito de manada é
coisa braba. Pois a reclamação da mulher pegou corpo, todos começaram a
vociferar contra o Alemão e a coisa foi engrossando para o lado dele:
– Covarde! Tentou bater na pobre da
moça duas vezes!
– Sim, e se ela não se sacrifica, ele
ia matar o coitado do rapaz.
– Monstro. Assassino!
– Covarde! Lincha ele pessoal!
– Lincha! Lincha!
– Assassino! Assassino! Morte ao
assassino!
E foram fechando o círculo. O
motorneiro entrou no bonde e voltou com uma enorme chave de roda. No meio
deles, o Alemão gemia de dor e tremia de medo, apavorado. Foi quando se ouviu
um grito:
– Se afaste todo mundo! Esse banana é
MEU! Eu ainda não acabei com ele. Vai apanhar mais, assim que se levantar desse
chão, que eu não sou covarde de bater em gente tonta e caída.
Era a loirinha endiabrada! O pessoal abriu
a roda contente, louco para ver a continuação do massacre e da humilhação do
assassino. A loirinha ficou no centro, perto do homem sentado e chamou o verdadeiro
banana – que era o Adalberto, evidentemente. Falou algo ao seu ouvido e ele
saiu correndo em busca de algo lá fora.
Então a garota se curvou e falou muito
baixo perto do ouvido do Alemão:
– Você não levante daí por nada deste
mundo, senão esse pessoal te trucida. Fica quieto aí e finge que está tonto,
zonzo, meio goiaba. Finge bem, hein! E não me levante daí nem com reza braba.
O fortão passou a mão pelo rosto,
sacudiu a cabeça, parecia grogue, dava a impressão que ia se esparramar no chão
de novo. A garota provocava:
– Vamos, levante daí seu maricas! Tá com
medo de apanhar de novo?
Mas o Alemão só sacudia a cabeça e
olhava para o chão, com cara de bêbado. E a coisa se prolongou assim por mais
uns minutos, tempo suficiente para que a polícia, que o Adalberto tinha isso chamar,
chegasse.
Então o sargento, muito experiente, ouviu
os relatos, os tais de “lincha, lincha”, dissolveu a patota e algemou o Alemão.
Todo mundo vibrou e aplaudiu. Aí foi cada qual pro seu lado: o pessoal para o
bonde, que foi embora. E o Alemão, Cecília e Adalberto para a delegacia de
polícia civil.
Lá o delegado passou uma descompostura
em regra no Alemão. Ameaçou colocá-lo numa cela com mais doze homens, para que
ele servisse de noivinha deles. Afinal, ele não estava procurando maridooo? O
alemão chorou, suplicou, jurou que nunca mais ia fazer a brincadeira do “Maridooo”.
E não foi preso. Não houve cristo
que convencesse Adalberto e Cecília a prestarem queixa contra ele.
– Seu delegado, fui eu que agredi o
homem. Eu que saltei com os dois pés na barriga dele. Aí ele foi legal, me
desafiou para uma luta limpa lá fora do bonde. E... bem, aí ela ia quebrar o meu
braço...
– Foi quando eu saltei em cima dele. Trata-se
de um caso de legítima defesa, doutor. Defesa do amigo, é claro.
O delegado não conseguiu segurar a
gargalhada. Legítima defesa! Como era
espirituosa aquela gostosura de loiraça!
– Mas ele tentou bater de verdade em
você.
– Outro caso de legítima defesa, doutor.
Defesa da cara dele, toda unhada. O homem não tem culpa, a gente não vai
apresentar queixa e pronto. Além do que, ele já levou uma lição daquelas, apanhou
de uma mulher.
– Pois é, que coisa impressionante. Artes
marciais?
– Autodefesa feminina, delegado, é um pouco
diferente. Mas é coisa que todas as meninas deviam aprender quando são bem
novinhas. Se aprendessem, nem 10% dos casos de agressão física ou sexual iam
acontecer.
No fim o delegado relaxou a prisão do
Alemão. Que, no dia seguinte, com um braço na tipóia e a cara toda cheia de
curativos, uma bandagem de gaze na cabeça, foi visto na estação rodoviária
pegando um ônibus para o interior. Era humilhação demais para um macho gaúcho!
Largou Porto Alegre, largou a faculdade e levou mais de um ano até voltar. O
castigo foi de fato arrasador!
E o Adalberto, como fica?
CONCLUI NA PRÓXIMA POSTAGEM
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