DOCE DIVÓRCIO
MILTON MACIEL
Ah, as pernas enfiadas até quase os joelhos dentro da água bem fria, que se escoava em suave corredeira: Delícia! Sim aquele era o SEU rio, o seu querido riacho de infância. Incontáveis vezes viera brincar ali com os meninos ou sozinho, naquele exato lugar, logo depois da curva grande.
Agora, ante o tumulto infernal que assolava sua cabeça, de repente lhe veio à memória o SEU rio. Largou tudo o que estava fazendo, dirigiu até o lugar certo. Aí tirou os sapatos e as meias, desceu descalço para a beira do riacho, arregaçou e dobrou as pernas das calças e ali estava ele!
Se bem que o que precisava é que aquela água quase gelada corresse ao redor da sua cabeça quente, não de seus pés frios. Estava há semanas naquele terrível dilema, cansara de considerar todos os prós e contras e não conseguia chegar a uma definição.
Continuar com Wanda? Seria respeitar o compromisso de um casamento de 22 anos, preservar a estabilidade doméstica para os dois filhos já moços, manter intacto o patrimônio. Mas seria também continuar suportando uma relação que já estava morta há anos, nenhum dos dois sentia qualquer atração pelo outro, toleravam-se civilizadamente, tanto que, há tempos, já nem brigavam mais.
Do outro lado estava Veruska. Quente, sensual, fogosa, linda, esguia, meiga, culta. E doze anos mais moça que Wanda. Esperando e pressionando pela definição. O caso deles já tinha dois anos e continuava de vento em popa. Sim, tinha que admitir, estava profundamente envolvido com Veruska. Ou seja, amava-a.
Mas não queria dar aquele desgosto a Wanda. Não queria que ela se visse trocada por uma mulher muito mais bonita e mais jovem. Wanda não merecia aquilo. Não ficaria abalada pela perda de um homem a quem claramente não amava mais. Mas havia o problema da vergonha social, era isso o que, ele tinha certeza, faria Wanda sofrer muito. E por causa desse sofrimento dela, vinha adiando uma decisão há meses.
Mas esta era a semana decisiva: Ou ela ou eu! Veruska lhe apresentara o ultimato na segunda-feira. Ele tinha mais um dia somente para optar. Conhecia Veruska o bastante, agora, para saber que não haveria uma segunda chance, por mais que ela viesse a sofrer. Acreditava que ela realmente o amasse, mas é evidente que estava cansada daquilo tudo. Ou ele sabia o que queria, ou não sabia e, nesse caso...
A água corria gélida entre suas pernas, a cabeça parecia que ia explodir. Abaixou-se colheu água entre as mãos, jogou-a sobre os cabelos, sentiu o frio reconfortante descer pelo seu rosto e pelo pescoço. E então decidiu!
Tirou do bolso da camisa o celular e ali mesmo, de pé dentro do seu riacho, ligou para o celular de Wanda. Foi lacônico:
– Olha, não dá mais. Vai ser melhor pra nós dois. O Dr. Carlos de Olivença vai me representar, o escritório dele vai te procurar. Estou pedindo o divórcio. Hoje já vou para um hotel. Acabou, Wanda, me perdoe.
Do outro lado, a voz de Wanda foi surpreendentemente tranqüila:
– É, a coisa vai mal, mesmo. Mas... Você tem certeza? Porque não vai existir uma segunda chance.
– Tenho, sim. Pensei muito. Pode ter certeza que eu não vou prejudicar você na partilha. Você sabe que o Carlos, além de meu advogado, é o meu melhor amigo. Vou dar instruções para ele cuidar bem de você, dos seus interesses.
– Bem, se você quer e tem certeza, então tá.
Calaram-se os celulares. O marido, dentro do seu riacho, sentiu uma imensa alegria. Tinha sido mais fácil do que imaginara, Wanda não iria sofrer tanto assim. Não resistiu e jogou-se por inteiro, de paletó e gravata, dentro do rio. Os documentos, o celular? Depois se dava um jeito. Hoje ele era apenas um menino feliz!
Pouco depois, do celular de Wanda partiu mais uma chamada:
– Olivença, Medeiros & Borba, Advogados Associados, boa tarde.
– O Dr. Carlos, por favor.
Instantes depois:
– Dr. Carlos de Olivença, às suas ordens.
– Amor! Deu certo, meu amor! ELE falou que vai pedir o divórcio. ELE! E vai pedir para VOCÊ cuidar de tudo. Que maravilha, resolve todos os nossos problemas, não é?
– Puxa, melhor impossível, querida! Vou tirar até as cuecas dele pra você. Aliás, nesse caso, pra nós. Pois hoje mesmo eu saio de casa também! Pobre da Manuela, vai levar um susto. Mas... é a vida. Se alguém vai sofrer, antes ela do que eu. E já faz dois anos que você e eu estamos nesta lengalenga, não é, meu anjo?
É, esse tal de Dr. Carlos confirma mesmo a velha frase: “Amigo é pra essas coisas!”
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