MILTON MACIEL
Fim da 2a. parte:
No fim o delegado relaxou a prisão do
Alemão. Que, no dia seguinte, com um braço na tipóia e a cara toda cheia de
curativos, uma bandagem de gaze na cabeça, foi visto na estação rodoviária
pegando um ônibus para o interior. Era humilhação demais para um macho gaúcho!
Largou Porto Alegre, largou a faculdade e levou mais de um ano até voltar. O
castigo foi de fato arrasador!
3a. parte: E o Adalberto, como fica?
Quando saíram da delegacia, já passava
de meio-dia. Havia uma praça em frente e um providencial carrinho de cachorro
quente, com um vendedor simpático e prestativo. O homem carregou nos
acessórios, colocou duas salsichas e serviu um autêntico banquete para dois
estudantes famintos. Adalberto apressou-se a pagar a conta, no que foi
imediatamente impedido por Cecília, que estendia também uma nota ao vendedor:
– Você nunca mais ouse querer pagar uma conta minha. Nunca mais, entendeu. Cada um paga a sua parte.
O tom de voz da moça foi tão
imperativo, que o vendedor apressou-se a fazer o troco dela primeiro. Adalberto
esperou sua vez, com um sorriso amarelo de um moleque que acaba de levar uma
descompostura da mãe.
Cecília, o macho-alfa inconteste do
bando, encaminhou-se para um banco disponível e fez sinal para Adalberto
sentar. Só então sentou-se também e falou:
– E agora vamos comer em silêncio, que
eu estou morta de fome, o exercício com o seu amigo me abriu demais o apetite.
Depois de comer a gente conversa.
Adalberto fez que sim com a cabeça e
começou a comer. O cachorro quente tinha mostarda, ketchup, maionese, queijo
ralado e batata-palha, que sobressaiam ao pão francês como se fossem um outro
pão. Naturalmente desastrado, o rapaz deixou cair os molhos no roupa,
lambuzou-se todo, cara e mãos, tendo que levantar e voltar ao carrinho para
pedir mais guardanapos. Extremamente atencioso, o vendedor ofereceu-lhe um pano
molhado, para que ele passasse em sua roupa e limpasse melhor as mãos. E disse:
– Olhe, é melhor a gente tirar isso
tudo de cima do seu cachorro-quente ou você vai se lavar todo de molho outra
vez – e já foi tirando os tais excedentes, enquanto comentava: Rapaz, que menina mais bonita essa sua
amiga, eu acho que nunca vi uma coisa assim!
Adalberto agradeceu muito ao homem e
voltou para Cecília mais tranquilo, embora, outra vez, morto de vergonha. Ele
tinha se lambuzado que nem um porquinho, ao passo que ela, com toda a classe
desse mundo, estava conseguindo comer aquele exagero de cachorro-quente sem nem
ao menos lambuzar o rosto. Como é que
ela conseguia fazer isso? É, classe é
classe, pensou, acho que a pessoa já
nasce com isso. Já eu não passo de um cachorro guaipeca, devo parecer até
sarnoso pra ela.
E comeu o resto do seu sanduíche em
silêncio, tratando de imitar os movimentos da moça, dando mordidas muito
menores e mais bem calculadas, como a via fazer, observando-a com o rabo do
olho. E enquanto comia, uma bola desagradável começava a tomar conta do seu
estômago: Meu Deus, assim que a gente
acabar vem o pior. Ela vai me dizer, com todas as letras e bem na cara, como já
vi que é o jeito dela, que não vai querer nada comigo. Ah, porque que eu tinha
que me abrir daquele modo no bonde, confessar o meu amor? O que uma deusa como
ela vai querer com um sapo como eu? Sim, porque eu sou só um sapo, vou ser
sempre um sapo, a princesa que me beijar vai ter a maior decepção, só vai
conseguir é gosto de batráquio na boca. E, coerente com seus pensamentos,
Adalberto esticou tudo o que pôde daquele cachorro-quente. Que pena que não
faziam cachorros-quentes infinitos...
Cecília, que já tinha terminado a seu
há um bom tempo, observava-o com seu ar sereno e divertido. Viu quando
Adalberto, olhos baixos, terminou de engolir a última das partículas em que
havia desintegrado seu sanduíche nos últimos dois minutos. Era evidente que ele
estava ganhando tempo, esticando o tempo. E ela, é claro, sabia muito bem por
que. Finalmente, quando o rapaz não tinha mais escapatória, ela começou:
–
Adalberto, agora agente precisa falar sério.
Ele teve um sobressalto e praticamente
gritou:
–
NÃO! – e em seguida tentou
corrigir o efeito do seu gesto:
– Quer dizer, antes eu preciso lhe
agradecer muito pelo que você fez, ainda não tive oportunidade de lhe dizer.
Você me salvou daquele brutamontes, ele ia quebrar o meu braço de verdade. É
claro que eu não sou de briga, nunca fui. Na verdade, pode até parecer mentira,
mas eu nunca briguei com ninguém na minha vida, nem quando moleque. O Alemão ia
acabar comigo. E de repente você salta em cima dele e me salva. E aí eu fiquei
embasbacado, paralisado, vendo ele atacar você e incapaz de me mover, de pular
em sua defesa. É claro que eu ia me
meter, mas acontece que eu sou assim, é um grande defeito meu, eu demoro um
tempo enorme a reagir a qualquer coisa. Então, antes que eu pudesse sequer
entender o que se passava á minha frente, você já tinha colocado o cara fora de
combate duas vezes.
Cecília nada falou, apenas riu seu riso
cristalino de dentes perfeitos.
– Então o pessoal cercou o cara e veio
com aquela ideia de linchar o homem. Quando o motorneiro foi buscar aquela
enorme ferramenta, eu pensei: Pronto, vão
matar o Alemão! Coitada da dona Ingeborg, que não tem culpa da boçalidade do
filho. Mas aí você me desperta do meu transe e me chama no meio da roda. E
me manda chamar a polícia e sai em defesa do cara. Cecília, você é a mulher
mais maravilhosa que eu já conheci, porque esta manhã eu percebi, pela primeira
vez, que você é o ser humano mais
maravilhoso que eu já conheci, muito, muito acima da beleza que possa ter.
– Nossa, muito obrigada!
– Não, não agradeça, não. Sabe, até
hoje eu amava você com a força de uma fantasia que eu construí, baseada apenas
na sua beleza extrema. Ou seja, até hoje, você tinha a dimensão de uma musa na
minha imaginação. Mas esta manhã, depois de conversar com você, depois de ver
você lutando com um homem enorme pra me salvar e, por fim, depois de ver você
salvando aquele mesmo homem da multidão enfurecida, eu acordei. Você deixou de
ser uma musa irreal e inalcançável para mim. Você passou a ser uma mulher forte
e admirável; e um ser humano integral, nobre, generoso, um exemplo para mim e
para todos.
– Ora, você não está exagerando, não,
nesse seu entusiasmo?
– Não Cecília, eu estou apenas
acordando, caindo na real, vendo você como uma pessoa pela primeira vez. Como
eu lhe disse, eu me apaixonei por uma visão, uma quimera, uma musa, a mulher de
beleza ideal que só existe na imaginação dos poetas. Bem, você sabe, eu não me
considero um poeta, mas me arrisco a escrever e publicar alguma coisa medíocre
por aí. Pois agora eu compreendo que me apaixonei por você por causa do seu
envoltório exterior, como qualquer outro homem pode se apaixonar por uma mulher
excessivamente bonita. Ou seja, eu estava orbitando ao redor de um sonho.
– E agora?...
– E agora, quando eu vi suas coxas todas
de fora, apertando o corpo daquele homem enorme, quando você montou nas costas
dele, pela primeira vez eu não as admirei com o desejo lúbrico de sempre, mas
as admirei pela força dos músculos que eu vi delineados nelas, algo que nunca
aparece quando você apenas caminha. E eu me dei conta que você é uma pessoa
forte em todos os sentidos, a começar pela força física. E, ao admirar a sua
força física, os seus músculos, você passou de musa a mulher para mim. E mais,
quando você atacou e depois defendeu aquele gigante, eu entendi a alma
intimorata e generosa que você tem. Foi isso, Cecília, eu percebi seus músculos
e, ao mesmo tempo, apreendi sua alma, sua essência. E foi então que eu acordei.
Deixei de amar a musa e a quimera. E percebi que eu amaria você de qualquer
jeito, que por ser essa criatura integral que você é, eu a amaria agora
independente de qualquer beleza exterior. Porque, pela primeira vez, hoje, eu
percebi que você é ainda mais bonita por dentro do que por fora. E entendi,
numa fração de segundo, que eu seria capaz de amá-la daqui a cem anos, quando
você fosse uma velha enrugada e trôpega, sem mais nada dessa sua beleza deslumbrante.
Cecília continuou sem falar, seu
meio-sorriso desenhado nos lábios perfeitos. Apenas que, nos seus olhos verdes,
pairavam agora duas lágrimas crescentes.
Adalberto percebeu que estava falando
demais e achou que era hora de concluir:
– Puxa, desculpe, eu sou mesmo
desajeitado. Comecei a falar sem parar, nem ouvi você mais. Mas então me deixe
concluir esta xaropada: eu quero lhe dizer que, porque agora eu acordei, estou
muito mais preparado para ouvir o seu não. Porque eu não vou sofrer mais à
maneira do proverbial poeta tísico rejeitado. Agora que eu vi você como uma
mulher e não como uma musa, como um ser humano admirável e não como uma imagem abstrata
de perfeição, eu acho que me tornei um homem inteiro também. E vou poder
aceitar sua rejeição com muito mais maturidade e compreensão, Cecília. Porque
hoje eu aprendi a amar você muito, muito mais. Se eu tivesse tido a capacidade
de perceber QUEM você é há mais tempo, eu a teria amado profundamente, ainda
que você fosse a mulher mais feia da face da Terra.
Adalberto parou alarmado: Cecília tinha
as duas mãos ocultando o rosto e chorava copiosamente, de seu corpo estremecer
inteiro. Após alguns momentos, ela retirou as mãos dos olhos, mostrando uma
face toda lavada em lágrimas e procurou algo dentro da bolsa de tecido que
trazia presa ao corpo e que não caíra dele durante a briga. Dali retirou um
caderno pequeno e, abrindo-o, falou com voz entrecortada:
– Autografa pra mim?...
Adalberto mal pôde acreditar no que seu
olhos viram: folheando o caderno, encontrou ali, uma por uma e sem faltar
nenhuma, coladas nas folhas com extremos capricho, todas as poesias e todas as
crônicas e artigos que tinha publicado, desde as matérias mais despretensiosas
no jornal do Centro Acadêmico, até as poesias e as duas crônicas que tinham
sido aceitas para publicação no jornal Correio do Povo, o mais importante da
cidade.
Adalberto terminou de folhear o caderno
e olhou para Cecília atônito. Viu que ela o contemplava de um modo diferente,
muito humano, muito morno, sem a indiferença de sempre, como se o estivesse
vendo de verdade, pela primeira vez. Ela repetiu:
– Autografa pra mim? Cada uma delas,
sem esquecer nenhuma, tá...
E ela agora lhe sorria, a face mimosa
ainda lavada em lágrima, mas os olhos verdes dizendo alguma coisa que fez o coração de Adalberto disparar e sua
mente insegura dizer imediatamente que não. Só o que conseguiu foi perguntar,
vacilante:
– E escrevo o que?...
– Escreva só: “Com amor, Adalberto”
Ele começou a autografar, meio
mecanicamente, sentindo um aperto no peito. Será que podia ter alguma
esperança? Não, ela só estava sendo gentil, dizendo que aceitava o seu amor. Mas
não que corresponderia a ele. Ah, se ela pudesse imaginar que suas melhores
poesias, justamente as que haviam sido aceitas pelo jornal, eram todas
inspiradas por ela...
Quando terminou, ele estendeu o caderno
para ela, que examinou cada uma das páginas e sorriu, satisfeita:
– Muito obrigada. Você escreve muito
bem. Muito bem mesmo. E as suas poesias, essas do Correio do Povo, são uma
verdadeira maravilha.
– Cecília, eu estou de queixo caído.
Nunca imaginei que você pudesse ter encontrado essas coisas por aí.
– Adalberto, eu leio TUDO! Tudo mesmo
que exista por aí. Encontrei sua primeira matéria no jornal da faculdade. Achei
legal e me interessei muito pela segunda também. Aí resolvi clipar o que viesse
de você, porque você era um colega de universidade e escrevia tão bem, E então
você publicou a primeira poesia no jornal. E a minha intuição me disse que EU
estava ali. Recortei e continuei esperando por outras. E, à medida que elas
apareceram, mais eu me convenci que aquela era eu. Estou errada?
– Certíssima – foi tudo o que ele
conseguiu responder, emocionadíssimo.
– Pois é, a partir daí fui montando
este caderninho e esperando o dia em que eu ia poder conversar com você e pedir
o seu autógrafo. Você diz que é meu fã há mais de seis meses, por causa da minha
beleza. Pois deixe que eu lhe diga: Eu sou sua fã há mais de seis meses, por
causa da sua inteligência, da sua sensibilidade, por ser o escritor e o poeta
que você é.
– Mas Cecília, eu não sou escritor e
nem poeta, só escrevo essas coisas aí...
Foi obrigado a calar-se, porque a moça
cobriu-lhe a boca com a mão. Era uma mão macia, delicada, cálida...
– Nunca mais diga isso na minha frente,
entendeu? Nunca mais! Você é escritor e é poeta e vai ser muito importante e
famoso nesse país.
– Cecília! Agora é você que está
exagerando.
– Não, não estou não, você é que é um
exagero, um campeão mundial de insegurança. Pois se o jornal mais importante do
Estado vem publicando você regularmente, o que você acha?
– Bem, acho que eles são camaradas, que
gostam de dar chance para novatos, que...
De novo a mão delicada fechou-lhe os
lábios:
– Pare de dizer bobagens. Eles publicam
você porque você é MUITO bom. Só por isso.
– Você acha mesmo, é?
– Claro, eu tenho certeza. Você é que
precisa acreditar mais em você mesmo. É inseguro demais. Você não achou
estranho que eu aceitasse de cara o seu convite para discutir literatura, feito
naquele bilhete que a Sarita me trouxe?
– Na hora, para ser sincero, eu nem
acreditei que você tivesse aceitado. Se bem que eu caprichei, disse que achava
o texto que você publicou no jornal da faculdade muito bom e que queria lhe dar
algumas sugestões. E achei que você tinha mordido a isca. Além do que, como eu
já lhe confessei, eu cheguei a rezar ajoelhado para você não perceber minhas
reais intenções.
– Que eu percebi na mesma hora, é
claro.
– Mas, se foi assim, porque você
aceitou então?
– Porque era o mesmo que todos os
outros homens querem, só que isso vinha de um cara que eu admirava pela
inteligência e pelo talento. Então eu achei que podia ser bom conhecer você e
trocar ideias sobre literatura, como você sugeriu. E porque, no final, depois
de ver se valia a pena conhecer você, de ver se você não era um babaca como os
outros, eu queria lhe pedir esses autógrafos.
– Quer dizer que você não me achou um
babaca, portanto?
– Não achei, não. No nosso encontro no
bonde você me pareceu atrapalhado, confuso e inseguro. Se eu não soubesse quem
você era, se já não tivesse este meu caderninho comigo, isso teria sido
suficiente para descartar você até como amigo. E depois, quando teve a briga lá
fora, na plataforma...
– Aí o que eu pareci para você?
– Um banana! Um completo banana. E foi
aí que eu comecei a ficar mais interessada em você ainda.
– O que?! Mas como?
– Não se ofenda, mas de homem metido a
machão, como aquele idiota do Alemão, eu estou farta até a raiz dos cabelos.
Por causa de homens assim foi que minha tia me obrigou, felizmente, a fazer um
fantástico curso de autodefesa feminina. Que você viu em funcionamento hoje.
– Sim, admirável sob todos os pontos de
vista. Você teve toda a razão quando disse para o delegado que toda menina
devia fazer um. Mas, quer dizer que você não gosta de homem machão, mas gosta
de homem banana, é?
– Não de qualquer homem banana. Apenas
de um em particular, meu banana favorito, meu banana escritor e poeta.
– Ai, Cecília, não brinque comigo, não
me faça ter esperanças que não podem se concretizar, que...
Lá veio a mãozinha delicada sobre seus
lábios de novo, ele já estava adorando isso, devia falar mais um monte de
besteiras só para receber aquele toque dela em seu corpo. Cecília olhou-o
profundamente dentro dos olhos e disse:
– Não estou brincando, Adalberto. Você
me viu chorar muito, ainda há pouco.
– Sim. E não tive coragem de lhe
perguntar o porquê.
– Pois eu lhe digo. Eu estava muito
feliz de ser a sua musa, feliz e orgulhosa até. Nunca homem algum tinha me
colocado em tal pedestal, ao menos por escrito. Mas quando você disse que o que
eu fiz hoje na plataforma fez você despertar e que você deixou de ver em mim
uma musa apenas, para ver a mulher que eu sou. E quando você falou com tanta
clareza – e com tanto estilo literário, acrescente-se – que me amaria se eu
fosse a mulher mais feia do mundo, que você amava a minha alma, QUEM eu sou,
você disse, nessa hora você me ganhou.
– Eu... ganhei?...
– Sim, ganhou a minha admiração
completa, ganhou a confirmação do que a minha intuição me disse, quando me fez
aceitar o convite que estava naquele bilhete. E eu chorei muito, muito, porque,
pela primeira vez na minha vida, um homem estava enfim me vendo POR DENTRO, me
vendo como eu sou, independente desta carcaça bonita que dá, acredite, mais
problemas do que vantagens. Foi quando você falou que a mulher era mais
importante que a musa e que o ser humano era mais importante do que ambas, que
você me comoveu. E aí eu tive certeza que podia, que devia, aceitar o seu amor.
– Você aceita, então que eu a ame? Não
se incomoda com isso? Posso ver você com mais freqüência, posso ser seu amigo,
ao menos?
– NÂO! Eu não quero ser sua amiga!
– Mas por quê?! Você acaba de falar que
aceita o meu amor e...
Seus lábios foram calados pela quarta
vez. Mas agora, para seu total espanto e felicidade, pelos lábios de Cecília.
Que logo os afastou para poder falar:
– Porque eu quero ser o seu AMOR. A sua
namorada. A sua esposa, entendeu?
– Minha... minha esposa?! Mas justo
eu... Você tem certeza?
– Tenho, seu banana! E tem mais: neste
momento eu peço a sua mão em casamento.
Adalberto quase caiu do banco, tão
forte foi a vertigem que sentiu. Cecília amparou-o rapidamente e foi a primeira
vez que seus braços o envolveram e a segunda que o protegeram.
– Emocionado, meu bananinha querido?
Adalberto recuperou um pouco do fôlego,
mas não conseguia ainda acreditar que aquilo estava acontecendo de verdade:
– Muito, demais. Parece um sonho...
– Eu também estou, meu poeta e cantador.
Muito emocionada. Até porque é a primeira vez que peço um homem em casamento.
E os olhos verdes tinham de novo
lágrimas teimosas a banhá-los.
– Você quer casar comigo mesmo. No
duro?
– Ah, sim! E ainda bem que você falou
essa expressão. Sim: no duro. Isso quer
dizer que nós temos que ir para a cama logo, para ver se a gente se afina ali
também. Dando certo, pode deixar que eu mesma cuido dos documentos e dos
proclamas. Sabe como é, minha família é caretésima, só vai aceitar um homem na
minha vida se ele entrar pela porta do casamento. Opa, eu estou indo depressa
demais, como sempre: você ainda não respondeu se aceita ser meu marido.
– Puxa, Cecília, é claro que eu aceito!
Aceito, aceito comovido, agradecido, feliz como nunca na vida!
– Ufa, ainda bem. Bom então vamos
combinar o seguinte: a gente casa assim que os documentos e os proclamas
estiverem OK. Acho que leva algo entre um e dois meses. Enquanto isso a gente
vira namorados, pra todo mundo ver.
– Puxa, ninguém vai acreditar que a
princesa está namorando com o sapo e...
Quinto fechamento de lábios, desta vez
com um enorme beijo de tirar o fôlego e de incendiar o sangue. Cecília,
beijando-o na boca, o fez levantar, levantou-se do banco também e colou-se a
ele totalmente. Ao final, Cecília disse, rindo:
– Um gostei disso, o tal de no duro mostrou que está vivo. Bem, para
completar as decisões: o casamento lá pelo mês que vem e a lua-de-mel...
– A lua-de-mel no mesmo dia do
casamento, por favor!
– Não, seu banana! A lua-de-mel HOJE!
Hoje mesmo, à noite, no meu apartamento. Eu moro sozinha. Aliás, se você
quiser, pode trazer suas coisas e se mudar pra lá comigo. Assim a gente faz um
ensaio geral mais bem feito, monta um protótipo, como dizem os cientistas. Se não
der certo até o dia do casamento, a gente desiste e tenta ficar bons amigos.
Adalberto deixou-se desabar no banco,
incrédulo:
– Meu Deus. Cecília, como você é
corajosa! O que o pessoal não vai falar de você...
– Garanto que não vai ser pior do que
já falam todos os dias, meu amor.
–
Meu amor! Você me chamou de
meu amor! Que coisa maravilhosa...
– Ora, vá se acostumando. Sua Cecília é
muito louca e muito rápida. A propósito, levante desse banco imediatamente eu quero outro abraço em pé, bem apertado. Colado total, entendeu, Quero
sentir tudo, tudo no duro!
Os dois se abraçaram e trocaram um
longo beijo, depois mais outro e depois mais outro. Um fogo incontrolável os
envolveu e Cecília falou, arfante:
– Ai, amor, que delícia. Eu estou
morrendo de tesão, estou na maior secura há mais de oito meses. A minha família
careta pensa que eu sou virgem – e caiu numa gostosa gargalhada, enquanto se
apertava ainda mais contra ele, sentindo-o inteiro, quente, volumoso.
– Eu também, estou que não me aguento.
Mas é de felicidade, sabe. Poucas horas atrás eu estava tremendo ante minha
musa, certo que nem teria coragem de confessar o meu amor. E agora...
– Agora nós vamos partir para os
preparativos da nossa lua-de-mel. Banhos mil, depilação para mim, e outra cositas de mulher, sem muita frescura ou
maquiagem. Ah, sim meu vestido de noiva esta noite vai ser só lingerie.
– Ah, eu vou correr para casa, fazer
minha mala, levar umas três horas pra me acalmar e ter certeza que tudo isso
está acontecendo. Acho que vou pegar uma sauna, para relaxar. E preciso me
acostumar: de hoje em diante, vou ter uma mulher poderosa mandando em mim full time.
– Bobinho! Mas é melhor se acostumar,
sim. Você é meio banana mesmo.
– Hum, progredi, agora sou só meio
banana...
– Pois é, já está rebaixado, porque eu
acho que nós dois, juntos, vamos conseguir muita, muita coisa mesmo. A começar
pela sua carreira de escritor. Pode escrever e muito, que eu vou me encarregar
de colocar essa sua careira nos trilhos. Bom, e agora chega de conversa. Vamos
nos preparar que a noite logo, logo, está chegando e eu estou que não me aguento
também.
Despediram-se com mais um logo beijo e
mais labaredas subindo.
Uma fogosa noite de lua-de-mel e dois
dias de falta à faculdade depois, o casal embarcou, no sábado, num ônibus para
Camaquã, onde Cecília apresentou o noivo á família, comunicando que o casamento
seria no mês seguinte, em Porto Alegre mesmo. A família já estava ganhando a
concessão de um casamento formal. Era demais. Conheciam a filha e sobrinha muito
bem, para saberem que não tinham o mínimo direito de opinarem sobre a escolha
do noivo. Mas conseguiram, a caro custo, convencer a moça a trazer a cerimônia
de casamento para a cidade do interior, com a colaboração do padre, que
prometeu acelerar os procedimentos.
Dessa forma, em 28 de Abril, o
estudante de Letras, de 22 anos e a estudante de Educação Física, de 20,
casaram na igreja matriz de Camaquã. Voltaram na mesma noite para Porto alegre,
tinham provas na semana seguinte. E ansiavam voltar para o seu ninho de amor,
para o apartamento cujo aluguel agora rachavam, para continuarem sua lua-de-mel
que, afinal, só tinha 45 dias de existência. Precisavam aprender como fazê-la
eterna. FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário