segunda-feira, 31 de março de 2014

DRA. FUMIKO AGORA É LIVRO !  
MILTON MACIEL  

Vejam quem chegou, toda contente com sua encadernação em capa dura e sobrecapa lindíssima: Ela, sim, a nossa simpática japonesinha HELENA FUMIKO, que circulou pelas páginas deste blog em Janeiro. Pois agora ela virou LIVRO próprio, com 192 páginas. A novela foi revista,  ampliada, editorada e ganhou uma capa LUMINOSA!

E, ainda ganhou a companhia de dois contos: o inédito O BONDE e o OS DOIS GURIS, de ambientação na fronteira gaúcha, tchê. Fecha a edição o ensaio O MACHISMO OCULTO. Boa companhia para a nossa Doutora...

Lançamento Nacional dia 11/04 - Internet e Feira do Livro de Joinville - Dias 15/04 e 26/04, São Paulo - Dia 29/04, Curitiba.

Fazem-lhe companhia os outros lançamentos de Abril:  ALINE DE TROYES, OS REFLEXOS DO PEIXE BRILHANTE e COMO É CARO SER MULHER.



sábado, 29 de março de 2014

APARTAMENTO ERRADO 
MILTON  MACIEL
 
      Aquela profusão de cabelos rutilantes, que na luz escassa do amanhecer pareciam até ruivos... Ruivos?!!!

 Deu um salto na cama. Seus olhos estacaram ante dois olhos muito azuis, muito lindos, muito esbugalhados:

– Heitor!

– Alice!

– Deus do céu, o que você está fazendo aqui na minha cama?

– Como? O que VOCÊ está fazendo no meu quarto e... Ei, cadê a Helena?

– Ué, tá no apartamento de vocês, é claro...

– Quer dizer...

– Quer dizer que você entrou no meu apartamento, andar errado, seu cretino. Chegou de fogo, se enfiou na minha cama no escuro e, enfim... Céus! você... enfim...

– É. Mas que loucura...

– Safado! Me comeu na marra. Seu traidor!

– Você está louca? Você me agarrou, foi passando a mão, foi pegando... Eu só queria dormir, tava de porre, pô. Não tive culpa.

– Como não teve culpa, seu abusado? Eu pensei que era o Arizinho que tinha voltado antes da viagem. E agora, Meu Deus, o que é que eu faço? 

– Ué... não sei. Acho que o melhor é a gente ficar quieto. Ninguém tem que saber.

– Claro! Só faltava você contar pro prédio inteiro que me comeu. O Arizinho te mata. Ai, ele me mata também! Ai, meu Deus, não me abre essa boca, por caridade!

– Eu, abrir a boca? E a Helena? Ela acaba comigo, vai ser o maior inferno. Vê se não vai me dar uma de Madalena arrependida e acabar contando tudo pra ela mais tarde, numa crise de consciência.

– Ai, Heitor. Você acha que eu sou assim tão retardada?

– Não acho nada. Não sei. Mulher é esquisito. Mas pode ficar fria, que eu...  Pô,fria você?! Você é mulher mais quente que eu já...

– Olha o que você vai falar, seu tarado!

– Tarado, eu?!... Pô, Alice, já esqueceu tudo o que você fez esta noite, no escuro? Quem tava de porre era eu...

– Já falei que pensei que era o Arizinho. Bem, admito que eu estranhei muito. Pensei que tinha acontecido um milagre, o Arizinho tão forte, tão fogoso, sem arriar todo aquele tempo, gemendo e urrando, um espetáculo. Só podia ser por causa da bebida, pensei. O Arizinho nunca bebe. E ele nunca quis saber de fazer aquelas... Que que eu to falando, meu Deus?...

– Aquelas o que?

– Aquelas... Ah. Você sabe o que eu quero dizer!

– Ah, aquelas... É. Eu até estranhei a maneira que você urrava, parecia outra pessoa.

– Era outra pessoa, seu cretino! E eu urrava, é? Urrava?

 – É, eu acho que sim, pelo menos foi como eu ouvi ali de baixo.

– Pois ouviu errado, você estava de porre, seu bebum!

– Não urrou então?

– Não, que eu não sou bicho. Tá certo que me excedi nos gritos, não deu pra controlar, nunca antes alguém tinha feito assim tão bem feito comigo. Ai, ai, esquece, eu não disse isso.

– Disse sim, acaba de dizer. Gostou é?

– Não vou responder. Ei, não puxa o meu lençol!

– Pô, você é ruiva total, toda ruivinha, não é só no cabelo. Que lindinha!

– Pára, seu animal! Já disse que não foi por querer. Me dá esse lençol!

– Tá, toma. Mas que é lindinha demais, isso é.

– Lindinha?...

– Mimosa, delicada, ruivinha. Eu nunca tinha visto assim.

– Lindinha, é?...

– Muito!

– Você acha mesmo?

– Acho. A mais linda que eu já vi.

– Verdade? Jura?...

– Juro. Deixa eu ver de novo? Só um pouquinho. Linda demais...

– Só um pouquinho...  Anh...  e você faz aquilo de novo? Só um pouquinho...

CAI O PANO. FIM DO PRIMEIRO ATO, EM RESPEITO A LEITORES(AS) MORALISTAS, INCLUÍDOS AÍ OS FALSOS MORALISTAS, QUE SÃO SEMPRE A MAIORIA ABSOLUTA E NADA SILENCIOSA. (Tanto uns, quanto outros são, pelo geral, OS PIORES!)

sexta-feira, 28 de março de 2014

MAR DE SOLIDÃO  

MILTON  MACIEL

Nos ventos que correm por sobre as montanhas,
nas ondas que oscilam perenes no mar,
nos raios de luz que provêm das estrelas,
não vejo mais nada, senão teu olhar.

Se vivo, que importa, sem tua presença?
Se vejo, que adianta, sem ver teu olhar?
E agora que espero, em vão, tua lembrança,
não há nem  beleza, nem luz, neste mar.

Sozinho na praia, vagando na areia,
carrego um vazio que só faz aumentar.
Amargo me vejo, porque reconheço:
Perdi teu amor - eu não soube te amar!

Se agora me deixas e buscas tua vida,
que posso fazer, a não ser concordar?
Enquanto te tive fui fraco, insensível.
Agora tua ausência me faz delirar.

Enquanto caminho, sem rumo, na praia,
pergunto a mim mesmo onde posso chegar.
E as ondas respondem, incessantemente:
Não há porto algum onde logres parar.

E, triste, definho ainda mais cada dia.
Só vejo o vazio do meu próprio olhar.
Estou só, te perdi... e agora percebo:
Minha solidão... é maior que este mar.

quinta-feira, 27 de março de 2014

COMO É CARO SER MULHER !  
MILTON MACIEL
1 - A cruel obrigação de ser BELA

BELEZA É FÁCIL!

A BELEZA, sabemos, é FÁCIL: É só uma questão de hidratante, primer, corretivo, base, pó, curvex, rímel, delineador, lápis, blush, sombra, removedor, peeling, outro lápis, batom, brilho labial, chapinha, shampoo, condicionador, tintura, tonalizante, fixador, esmalte, brilho, depilador, lente de contato. Ufa, SIMPLES ASSIM! Está certo que é um pouco caro, é verdade. Está certo que acaba tomando um tempo desgraçado todos os dias, também é verdade. Mas, paciência, o que se há de fazer, é a regra do jogo. As desgraçadas das OUTRAS fazem isso, não fazem?!

Para o item esmalte, que é mais baratinho, você tem o disponível na sua bolsa. Para todos os outros, existe Juroscard. E, claro, aquela maldita fatura no fim do mês, com os juros de agiotagem mais escandalosos do planeta Terra, praticados pelos perigosíssimos  caras de colarinho branco dos bancos e companhias de cartão de crédito. E aí você acaba tendo que gemer ainda mais sob o peso da beleza. É a beleza a prazo, a beleza com juros!

Mas, se tudo acabasse por aí, até que você conseguiria aguentar. Afinal, é só uma questão de dinheiro e tempo, Mas é seu dinheiro e seu tempo, ninguém tem que dar palpite! Você dá um duro danado, merece ganhar esse seu suado dinheirinho e pode gastar do jeito que bem lhe aprouver. Se você vai consumir, durante a vida, o equivalente a um bom carro zero KM em cosméticos para pele, olhos, cabelos e unhas, ninguém tem nada com isso. E daí que você prefira se sentir linda, deslumbrante, dentro do ônibus ou dirigindo o seu “pois é”? Direito seu, não fique ninguém se metendo onde não é chamado.

E daí que você tenha que dormir uma hora menos por dia para poder pintar sobre a base do seu rosto aquela mulher linda que você sabe que pode criar, com tempo, esforço, engenho e arte? Ou, se tiver que usar muita base, esculpir, antes de pintar. Mais uns minutos para retocar durante o dia, mais um tempo à noite para remover, e é só. É seu tempo. Ninguém tem nada com isso.

Afinal, o que é uma mísera hora por dia, ora bolas? Só 365 horas por ano, apenas 18250 horas dos 15 aos 65 anos, o que dá só 760 dias ao todo, quer dizer só dois anos inteiros e mais um mês de vida cuidando da maquiagem. Acaso isso é muito tempo?

Pior o homem, que, no mesmo período de vida, fazendo a barba todos os dias em cinco minutos (só que boa parte dos malandros não faz barba todos os dias, sem falar nos que usam barba direto), vai consumir dois meses inteiros da sua vida só para tentar manter aquela cara de safado lisinha que nem bunda de neném e levar você no bico mais fácil.

AH, COMO É CRUEL A OBRIGAÇÃO DE SER BELA!


Que é ainda mais terrível quando você não nasceu para ser a Bela. Mas aí tem a indústria dos cosméticos, as lipos, as cirurgias. E vem a ditadura da moda: roupas que precisam sempre ser substituídas a cada estação do ano, calçados, bolsas, bijuterias, jóias, perfumes. E lá vai a mulher que trabalha entregar milhares de horas do seu suor sacrossanto, durante toda a sua vida, para a voraz Indústria da Beleza. Quanto do seu suado e difícil dinheiro foi e vai embora pelo ralo da indústria da ilusãoda beleza? Da beleza eterna, inclusive, quando os anos de viço natural da juventude começam a passar. E, em tempos mais atuais, a multibilionária Indústria do Emagrecimento vem tomar-lhe ainda mais dinheiro e tempo, monstro cruel nutrido pela alimentação suicida, desbalanceada e excessiva, que é imposta por sua parceira de negócios e irmã gêmea siamesa, a Indústria Alimentícia.

Muitos espertalhões apregoam e garantem, há séculos, desde antes de Cleópatra, que, mediante o uso continuado de seus mágicos produtos, virá o fim das rugas, da celulite, das varizes, das estrias, das marcas de expressão, das gorduras localizadas, dos cabelos brancos. E da FEIÚRA! E, com o advento da moderna Indústria de Mentir em Massa– via publicidade e marketing – passaram a ter uma aliada poderosa para suprir sua necessidade diária de iludir e enganar, prometendo beleza facilmente atingível e juventude eterna.

Doe-me ver que mesmo as mulheres mais inteligentes não podem escapar dessa engrenagem cruel e destruidora, que as tritura economicamente e as infelicita face aos pífios resultados conseguidos. Paga-se pela ilusão, ganha-se, como bônus, a desilusão! E, claro, um rombo garantido no orçamento mensal. Não podem escapar, porque as mulheres são trituradas diariamente pela COMPETIÇÃO com as outras mulheres, que há mais de 10 milênios torna a amizade, a confiança e a cooperação genuína entre mulheres muito mais difícil – o que é tudo conseqüência da cultura machista do neolítico. “As mulheres se vestem para as mulheres e se despem para os homens”, já se dizia na Grécia antiga.

E isso é tristemente verdadeiro. Afinal, o que significa ANDAR NA MODA? Significa ser OBRIGADA a aderir a um padrão momentâneo e ultra-rápido, imposto pela indústria através da publicidade e das mídias, o que a força a SEMPRE ter que COMPRAR NOVAS ROUPAS e mais ADEREÇOS “que combinem”. Por quê? Porque o diabo das OUTRAS já compraram! E ela, se não o fizer, ficará DEMODÉE! Ou seja, exposta à crítica e ao deboche das OUTRAS MULHERES. Para piorar, ela não pode REPETIR roupas, sapatos e bolsas! Isso é de uma covardia ultrajante!

Os homens não estão nem aí para a moda feminina, exceto quando lhes compete pagar por ela. Aí eles chiam e xingam. Caso contrário, ignoram solenemente as “tendências do outono 2014” e o que mais querem com as roupas das mulheres e poder arrancá-las na intimidade de um quarto. E, grosseiros, ainda são capazes de amarfanhar, jogar no chão e até rasgar, na sua sofreguidão, aquela saia Prada que custou um mês e meio de salário dela. Isso sem falar que o incauto destrói em um minuto todo aquele penteado caprichado, que custou horas e horas de salão e muita grana de cabeleireiro, gorjeta e estacionamento.

Nos Estados Unidos, a indústria de cosméticos como um todo faturou 170 bilhões de dólares em um ano, 2012. A dos salões de beleza, 86000 estabelecimentos por aqui, faturou 30 bilhões e espera chegar aos 50 bilhões em 2017. A do emagrecimento abocanhou 166 bilhões! Praticamente tudo dinheiro tomado DELAS!

Uma pesquisa inglesa que dá o que pensar

Na Inglaterra, uma pesquisa publicada no Daily Mail, feita pela Superdrug, para lançar sua Academia da Maquiagem, revela dados estarrecedores, aplicados às mulheres inglesas, dos 16 aos 65 anos de idade, faixa etária em que elas consomem cosméticos mais ativamente. A pesquisa envolve apenas produtos para a pele, os olhos e os lábios. Nada para os cabelos e para o resto do corpo, como gorduras, rugas e estrias. E muito menos perfumes e sabonetes especiais.

A conclusão da pesquisa é que uma inglesa gastará em média, dos 16 aos 65 anos de idade, 9000 LIBRAS apenas com cosméticos! Ou seja 27 mil reais em 49 anos, 550 reais por ano e 45 reais por mês, arredondando os números. Essa média inglesa é compatível com a sua despesa pessoal com cosméticos aqui no Brasil, amiga leitora brasileira?

Vamos avançar pelos meandros desta pesquisa, feita com 3000 mulheres de todas as faixas sociais, pois ela revela muita coisa importante, no que ela chama de

OS NÚMEROS DA VAIDADE:

70% das mulheres declararam que NUNCA saem de casa sem algum tipo de maquiagem.
69% afirmaram que ficam MUITO  mais bonitas quando usam maquiagem.
68% delas disseram que SE SENTEM MAIS CONFIANTES quando estão com uma maquiagem completa e que raramente permitem que as pessoas as vejam sem ela.
50% disseram que usam maquiagem o TEMPO TODO, só a removendo na hora de dormir.
41% disseram que ficariam muito chateadas se AS COLEGAS as vissem sem maquiagem. AS colegAs!
33% disseram que jamais saem de casa sem levar seu KIT DE MAQUIAGEM, para fazer os retoques e mudanças que acharem convenientes.
25% disseram que, se pudessem ver como elas são FEIAS SEM MAQUIAGEM, as outras pessoas que as olham ficariam horrorizadas.
21% disseram que seus NAMORADOS jamais as viram sem maquiagem, nem mesmo na cama.
16% disseram que não encaram nem mesmo SEUS PAIS sem maquiagem.

A diretora da pesquisa, Sarah Wolverson, disse: “Nossas clientes usam maquiagem como uma forma de adquirirem AUTO-CONFIANÇA, de se acreditarem NA MODA e de se sentirem MAIS JOVENS.”

Uma das mulheres pesquisadas declarou:

“Tenho 47 anos e uso maquiagem todos os dias desde que tinha 14. Uso mesmo que não vá sair. Não me sinto bem sem ela, é como se eu estivesse nua.”

No outro extremo, uma mulher de 31 anos afirmou:

Eu que não uso essas coisas químicas na minha pele! Por isso ela é ótima até hoje. Mas o que eu não posso aceitar é que exista gente tão paranóica que fica “morrendo de vergonha” se UMA colega a vê sem maquiagem.”

(Extraído do livro 'COMO É CARO SER MULHER" - Milton Maciel, IDEL, 2013)

quarta-feira, 26 de março de 2014

O BONDE - (conclusão) 
MILTON MACIEL  
Fim da 2a. parte:
No fim o delegado relaxou a prisão do Alemão. Que, no dia seguinte, com um braço na tipóia e a cara toda cheia de curativos, uma bandagem de gaze na cabeça, foi visto na estação rodoviária pegando um ônibus para o interior. Era humilhação demais para um macho gaúcho! Largou Porto Alegre, largou a faculdade e levou mais de um ano até voltar. O castigo foi de fato arrasador!

3a. parte: E o Adalberto, como fica?
Quando saíram da delegacia, já passava de meio-dia. Havia uma praça em frente e um providencial carrinho de cachorro quente, com um vendedor simpático e prestativo. O homem carregou nos acessórios, colocou duas salsichas e serviu um autêntico banquete para dois estudantes famintos. Adalberto apressou-se a pagar a conta, no que foi imediatamente impedido por Cecília, que estendia também uma nota ao vendedor:

– Você nunca mais ouse querer pagar uma conta minha. Nunca mais, entendeu. Cada um paga a sua parte.

O tom de voz da moça foi tão imperativo, que o vendedor apressou-se a fazer o troco dela primeiro. Adalberto esperou sua vez, com um sorriso amarelo de um moleque que acaba de levar uma descompostura da mãe.


Cecília, o macho-alfa inconteste do bando, encaminhou-se para um banco disponível e fez sinal para Adalberto sentar. Só então sentou-se também e falou:

– E agora vamos comer em silêncio, que eu estou morta de fome, o exercício com o seu amigo me abriu demais o apetite. Depois de comer a gente conversa.

Adalberto fez que sim com a cabeça e começou a comer. O cachorro quente tinha mostarda, ketchup, maionese, queijo ralado e batata-palha, que sobressaiam ao pão francês como se fossem um outro pão. Naturalmente desastrado, o rapaz deixou cair os molhos no roupa, lambuzou-se todo, cara e mãos, tendo que levantar e voltar ao carrinho para pedir mais guardanapos. Extremamente atencioso, o vendedor ofereceu-lhe um pano molhado, para que ele passasse em sua roupa e limpasse melhor as mãos. E disse:

– Olhe, é melhor a gente tirar isso tudo de cima do seu cachorro-quente ou você vai se lavar todo de molho outra vez – e já foi tirando os tais excedentes, enquanto comentava: Rapaz, que menina mais bonita essa sua amiga, eu acho que nunca vi uma coisa assim!

Adalberto agradeceu muito ao homem e voltou para Cecília mais tranquilo, embora, outra vez, morto de vergonha. Ele tinha se lambuzado que nem um porquinho, ao passo que ela, com toda a classe desse mundo, estava conseguindo comer aquele exagero de cachorro-quente sem nem ao menos lambuzar o rosto.  Como é que ela conseguia fazer isso? É, classe é classe, pensou, acho que a pessoa já nasce com isso. Já eu não passo de um cachorro guaipeca, devo parecer até sarnoso pra ela.

E comeu o resto do seu sanduíche em silêncio, tratando de imitar os movimentos da moça, dando mordidas muito menores e mais bem calculadas, como a via fazer, observando-a com o rabo do olho. E enquanto comia, uma bola desagradável começava a tomar conta do seu estômago: Meu Deus, assim que a gente acabar vem o pior. Ela vai me dizer, com todas as letras e bem na cara, como já vi que é o jeito dela, que não vai querer nada comigo. Ah, porque que eu tinha que me abrir daquele modo no bonde, confessar o meu amor? O que uma deusa como ela vai querer com um sapo como eu? Sim, porque eu sou só um sapo, vou ser sempre um sapo, a princesa que me beijar vai ter a maior decepção, só vai conseguir é gosto de batráquio na boca. E, coerente com seus pensamentos, Adalberto esticou tudo o que pôde daquele cachorro-quente. Que pena que não faziam cachorros-quentes infinitos...

Cecília, que já tinha terminado a seu há um bom tempo, observava-o com seu ar sereno e divertido. Viu quando Adalberto, olhos baixos, terminou de engolir a última das partículas em que havia desintegrado seu sanduíche nos últimos dois minutos. Era evidente que ele estava ganhando tempo, esticando o tempo. E ela, é claro, sabia muito bem por que. Finalmente, quando o rapaz não tinha mais escapatória, ela começou:

  Adalberto, agora agente precisa falar sério.

Ele teve um sobressalto e praticamente gritou:

  NÃO! –  e em seguida tentou corrigir o efeito do seu gesto:

– Quer dizer, antes eu preciso lhe agradecer muito pelo que você fez, ainda não tive oportunidade de lhe dizer. Você me salvou daquele brutamontes, ele ia quebrar o meu braço de verdade. É claro que eu não sou de briga, nunca fui. Na verdade, pode até parecer mentira, mas eu nunca briguei com ninguém na minha vida, nem quando moleque. O Alemão ia acabar comigo. E de repente você salta em cima dele e me salva. E aí eu fiquei embasbacado, paralisado, vendo ele atacar você e incapaz de me mover, de pular em sua defesa.  É claro que eu ia me meter, mas acontece que eu sou assim, é um grande defeito meu, eu demoro um tempo enorme a reagir a qualquer coisa. Então, antes que eu pudesse sequer entender o que se passava á minha frente, você já tinha colocado o cara fora de combate duas vezes.

Cecília nada falou, apenas riu seu riso cristalino de dentes perfeitos.

– Então o pessoal cercou o cara e veio com aquela ideia de linchar o homem. Quando o motorneiro foi buscar aquela enorme ferramenta, eu pensei: Pronto, vão matar o Alemão! Coitada da dona Ingeborg, que não tem culpa da boçalidade do filho. Mas aí você me desperta do meu transe e me chama no meio da roda. E me manda chamar a polícia e sai em defesa do cara. Cecília, você é a mulher mais maravilhosa que eu já conheci, porque esta manhã eu percebi, pela primeira vez, que você é o ser humano mais maravilhoso que eu já conheci, muito, muito acima da beleza que possa ter.

– Nossa, muito obrigada!

– Não, não agradeça, não. Sabe, até hoje eu amava você com a força de uma fantasia que eu construí, baseada apenas na sua beleza extrema. Ou seja, até hoje, você tinha a dimensão de uma musa na minha imaginação. Mas esta manhã, depois de conversar com você, depois de ver você lutando com um homem enorme pra me salvar e, por fim, depois de ver você salvando aquele mesmo homem da multidão enfurecida, eu acordei. Você deixou de ser uma musa irreal e inalcançável para mim. Você passou a ser uma mulher forte e admirável; e um ser humano integral, nobre, generoso, um exemplo para mim e para todos.

– Ora, você não está exagerando, não, nesse seu entusiasmo?

– Não Cecília, eu estou apenas acordando, caindo na real, vendo você como uma pessoa pela primeira vez. Como eu lhe disse, eu me apaixonei por uma visão, uma quimera, uma musa, a mulher de beleza ideal que só existe na imaginação dos poetas. Bem, você sabe, eu não me considero um poeta, mas me arrisco a escrever e publicar alguma coisa medíocre por aí. Pois agora eu compreendo que me apaixonei por você por causa do seu envoltório exterior, como qualquer outro homem pode se apaixonar por uma mulher excessivamente bonita. Ou seja, eu estava orbitando ao redor de um sonho.

– E agora?...

– E agora, quando eu vi suas coxas todas de fora, apertando o corpo daquele homem enorme, quando você montou nas costas dele, pela primeira vez eu não as admirei com o desejo lúbrico de sempre, mas as admirei pela força dos músculos que eu vi delineados nelas, algo que nunca aparece quando você apenas caminha. E eu me dei conta que você é uma pessoa forte em todos os sentidos, a começar pela força física. E, ao admirar a sua força física, os seus músculos, você passou de musa a mulher para mim. E mais, quando você atacou e depois defendeu aquele gigante, eu entendi a alma intimorata e generosa que você tem. Foi isso, Cecília, eu percebi seus músculos e, ao mesmo tempo, apreendi sua alma, sua essência. E foi então que eu acordei. Deixei de amar a musa e a quimera. E percebi que eu amaria você de qualquer jeito, que por ser essa criatura integral que você é, eu a amaria agora independente de qualquer beleza exterior. Porque, pela primeira vez, hoje, eu percebi que você é ainda mais bonita por dentro do que por fora. E entendi, numa fração de segundo, que eu seria capaz de amá-la daqui a cem anos, quando você fosse uma velha enrugada e trôpega, sem mais nada dessa sua beleza deslumbrante.

Cecília continuou sem falar, seu meio-sorriso desenhado nos lábios perfeitos. Apenas que, nos seus olhos verdes, pairavam agora duas lágrimas crescentes.

Adalberto percebeu que estava falando demais e achou que era hora de concluir:

– Puxa, desculpe, eu sou mesmo desajeitado. Comecei a falar sem parar, nem ouvi você mais. Mas então me deixe concluir esta xaropada: eu quero lhe dizer que, porque agora eu acordei, estou muito mais preparado para ouvir o seu não. Porque eu não vou sofrer mais à maneira do proverbial poeta tísico rejeitado. Agora que eu vi você como uma mulher e não como uma musa, como um ser humano admirável e não como uma imagem abstrata de perfeição, eu acho que me tornei um homem inteiro também. E vou poder aceitar sua rejeição com muito mais maturidade e compreensão, Cecília. Porque hoje eu aprendi a amar você muito, muito mais. Se eu tivesse tido a capacidade de perceber QUEM você é há mais tempo, eu a teria amado profundamente, ainda que você fosse a mulher mais feia da face da Terra.

Adalberto parou alarmado: Cecília tinha as duas mãos ocultando o rosto e chorava copiosamente, de seu corpo estremecer inteiro. Após alguns momentos, ela retirou as mãos dos olhos, mostrando uma face toda lavada em lágrimas e procurou algo dentro da bolsa de tecido que trazia presa ao corpo e que não caíra dele durante a briga. Dali retirou um caderno pequeno e, abrindo-o, falou com voz entrecortada:

– Autografa pra mim?...

Adalberto mal pôde acreditar no que seu olhos viram: folheando o caderno, encontrou ali, uma por uma e sem faltar nenhuma, coladas nas folhas com extremos capricho, todas as poesias e todas as crônicas e artigos que tinha publicado, desde as matérias mais despretensiosas no jornal do Centro Acadêmico, até as poesias e as duas crônicas que tinham sido aceitas para publicação no jornal Correio do Povo, o mais importante da cidade.

Adalberto terminou de folhear o caderno e olhou para Cecília atônito. Viu que ela o contemplava de um modo diferente, muito humano, muito morno, sem a indiferença de sempre, como se o estivesse vendo de verdade, pela primeira vez. Ela repetiu:

– Autografa pra mim? Cada uma delas, sem esquecer nenhuma, tá...

E ela agora lhe sorria, a face mimosa ainda lavada em lágrima, mas os olhos verdes dizendo alguma coisa que  fez o coração de Adalberto disparar e sua mente insegura dizer imediatamente que não. Só o que conseguiu foi perguntar, vacilante:

– E escrevo o que?...

– Escreva só: “Com amor, Adalberto”

Ele começou a autografar, meio mecanicamente, sentindo um aperto no peito. Será que podia ter alguma esperança? Não, ela só estava sendo gentil, dizendo que aceitava o seu amor. Mas não que corresponderia a ele. Ah, se ela pudesse imaginar que suas melhores poesias, justamente as que haviam sido aceitas pelo jornal, eram todas inspiradas por ela...

Quando terminou, ele estendeu o caderno para ela, que examinou cada uma das páginas e sorriu, satisfeita:

– Muito obrigada. Você escreve muito bem. Muito bem mesmo. E as suas poesias, essas do Correio do Povo, são uma verdadeira maravilha.

– Cecília, eu estou de queixo caído. Nunca imaginei que você pudesse ter encontrado essas coisas por aí.

– Adalberto, eu leio TUDO! Tudo mesmo que exista por aí. Encontrei sua primeira matéria no jornal da faculdade. Achei legal e me interessei muito pela segunda também. Aí resolvi clipar o que viesse de você, porque você era um colega de universidade e escrevia tão bem, E então você publicou a primeira poesia no jornal. E a minha intuição me disse que EU estava ali. Recortei e continuei esperando por outras. E, à medida que elas apareceram, mais eu me convenci que aquela era eu. Estou errada?

– Certíssima – foi tudo o que ele conseguiu responder, emocionadíssimo.

– Pois é, a partir daí fui montando este caderninho e esperando o dia em que eu ia poder conversar com você e pedir o seu autógrafo. Você diz que é meu fã há mais de seis meses, por causa da minha beleza. Pois deixe que eu lhe diga: Eu sou sua fã há mais de seis meses, por causa da sua inteligência, da sua sensibilidade, por ser o escritor e o poeta que você é.

– Mas Cecília, eu não sou escritor e nem poeta, só escrevo essas coisas aí...

Foi obrigado a calar-se, porque a moça cobriu-lhe a boca com a mão. Era uma mão macia, delicada, cálida...

– Nunca mais diga isso na minha frente, entendeu? Nunca mais! Você é escritor e é poeta e vai ser muito importante e famoso nesse país.

– Cecília! Agora é você que está exagerando.

– Não, não estou não, você é que é um exagero, um campeão mundial de insegurança. Pois se o jornal mais importante do Estado vem publicando você regularmente, o que você acha?

– Bem, acho que eles são camaradas, que gostam de dar chance para novatos, que...

De novo a mão delicada fechou-lhe os lábios:

– Pare de dizer bobagens. Eles publicam você porque você é MUITO bom. Só por isso.

– Você acha mesmo, é?

– Claro, eu tenho certeza. Você é que precisa acreditar mais em você mesmo. É inseguro demais. Você não achou estranho que eu aceitasse de cara o seu convite para discutir literatura, feito naquele bilhete que a Sarita me trouxe?

– Na hora, para ser sincero, eu nem acreditei que você tivesse aceitado. Se bem que eu caprichei, disse que achava o texto que você publicou no jornal da faculdade muito bom e que queria lhe dar algumas sugestões. E achei que você tinha mordido a isca. Além do que, como eu já lhe confessei, eu cheguei a rezar ajoelhado para você não perceber minhas reais intenções.

– Que eu percebi na mesma hora, é claro.
– Mas, se foi assim, porque você aceitou então?

– Porque era o mesmo que todos os outros homens querem, só que isso vinha de um cara que eu admirava pela inteligência e pelo talento. Então eu achei que podia ser bom conhecer você e trocar ideias sobre literatura, como você sugeriu. E porque, no final, depois de ver se valia a pena conhecer você, de ver se você não era um babaca como os outros, eu queria lhe pedir esses autógrafos.

– Quer dizer que você não me achou um babaca, portanto?

– Não achei, não. No nosso encontro no bonde você me pareceu atrapalhado, confuso e inseguro. Se eu não soubesse quem você era, se já não tivesse este meu caderninho comigo, isso teria sido suficiente para descartar você até como amigo. E depois, quando teve a briga lá fora, na plataforma...

– Aí o que eu pareci para você?

– Um banana! Um completo banana. E foi aí que eu comecei a ficar mais interessada em você ainda.

– O que?! Mas como?

– Não se ofenda, mas de homem metido a machão, como aquele idiota do Alemão, eu estou farta até a raiz dos cabelos. Por causa de homens assim foi que minha tia me obrigou, felizmente, a fazer um fantástico curso de autodefesa feminina. Que você viu em funcionamento hoje.

– Sim, admirável sob todos os pontos de vista. Você teve toda a razão quando disse para o delegado que toda menina devia fazer um. Mas, quer dizer que você não gosta de homem machão, mas gosta de homem banana, é?

– Não de qualquer homem banana. Apenas de um em particular, meu banana favorito, meu banana escritor e poeta.

– Ai, Cecília, não brinque comigo, não me faça ter esperanças que não podem se concretizar, que...

Lá veio a mãozinha delicada sobre seus lábios de novo, ele já estava adorando isso, devia falar mais um monte de besteiras só para receber aquele toque dela em seu corpo. Cecília olhou-o profundamente dentro dos olhos e disse:

– Não estou brincando, Adalberto. Você me viu chorar muito, ainda há pouco.

– Sim. E não tive coragem de lhe perguntar o porquê.

– Pois eu lhe digo. Eu estava muito feliz de ser a sua musa, feliz e orgulhosa até. Nunca homem algum tinha me colocado em tal pedestal, ao menos por escrito. Mas quando você disse que o que eu fiz hoje na plataforma fez você despertar e que você deixou de ver em mim uma musa apenas, para ver a mulher que eu sou. E quando você falou com tanta clareza – e com tanto estilo literário, acrescente-se – que me amaria se eu fosse a mulher mais feia do mundo, que você amava a minha alma, QUEM eu sou, você disse, nessa hora você me ganhou.

– Eu... ganhei?...

– Sim, ganhou a minha admiração completa, ganhou a confirmação do que a minha intuição me disse, quando me fez aceitar o convite que estava naquele bilhete. E eu chorei muito, muito, porque, pela primeira vez na minha vida, um homem estava enfim me vendo POR DENTRO, me vendo como eu sou, independente desta carcaça bonita que dá, acredite, mais problemas do que vantagens. Foi quando você falou que a mulher era mais importante que a musa e que o ser humano era mais importante do que ambas, que você me comoveu. E aí eu tive certeza que podia, que devia, aceitar o seu amor.

– Você aceita, então que eu a ame? Não se incomoda com isso? Posso ver você com mais freqüência, posso ser seu amigo, ao menos?

– NÂO! Eu não quero ser sua amiga!

– Mas por quê?! Você acaba de falar que aceita o meu amor e...

Seus lábios foram calados pela quarta vez. Mas agora, para seu total espanto e felicidade, pelos lábios de Cecília. Que logo os afastou para poder falar:

– Porque eu quero ser o seu AMOR. A sua namorada. A sua esposa, entendeu?

– Minha... minha esposa?! Mas justo eu... Você tem certeza?

– Tenho, seu banana! E tem mais: neste momento eu peço a sua mão em casamento.

Adalberto quase caiu do banco, tão forte foi a vertigem que sentiu. Cecília amparou-o rapidamente e foi a primeira vez que seus braços o envolveram e a segunda que o protegeram.

– Emocionado, meu bananinha querido?

Adalberto recuperou um pouco do fôlego, mas não conseguia ainda acreditar que aquilo estava acontecendo de verdade:

– Muito, demais. Parece um sonho...

– Eu também estou, meu poeta e cantador. Muito emocionada. Até porque é a primeira vez que peço um homem em casamento.

E os olhos verdes tinham de novo lágrimas teimosas a banhá-los.

– Você quer casar comigo mesmo. No duro?

– Ah, sim! E ainda bem que você falou essa expressão. Sim: no duro. Isso quer dizer que nós temos que ir para a cama logo, para ver se a gente se afina ali também. Dando certo, pode deixar que eu mesma cuido dos documentos e dos proclamas. Sabe como é, minha família é caretésima, só vai aceitar um homem na minha vida se ele entrar pela porta do casamento. Opa, eu estou indo depressa demais, como sempre: você ainda não respondeu se aceita ser meu marido.

– Puxa, Cecília, é claro que eu aceito! Aceito, aceito comovido, agradecido, feliz como nunca na vida!

– Ufa, ainda bem. Bom então vamos combinar o seguinte: a gente casa assim que os documentos e os proclamas estiverem OK. Acho que leva algo entre um e dois meses. Enquanto isso a gente vira namorados, pra todo mundo ver.

– Puxa, ninguém vai acreditar que a princesa está namorando com o sapo e...

Quinto fechamento de lábios, desta vez com um enorme beijo de tirar o fôlego e de incendiar o sangue. Cecília, beijando-o na boca, o fez levantar, levantou-se do banco também e colou-se a ele totalmente. Ao final, Cecília disse, rindo:

– Um gostei disso, o tal de no duro mostrou que está vivo. Bem, para completar as decisões: o casamento lá pelo mês que vem e a lua-de-mel...

– A lua-de-mel no mesmo dia do casamento, por favor!

– Não, seu banana! A lua-de-mel HOJE! Hoje mesmo, à noite, no meu apartamento. Eu moro sozinha. Aliás, se você quiser, pode trazer suas coisas e se mudar pra lá comigo. Assim a gente faz um ensaio geral mais bem feito, monta um protótipo, como dizem os cientistas. Se não der certo até o dia do casamento, a gente desiste e tenta ficar bons amigos.

Adalberto deixou-se desabar no banco, incrédulo:

– Meu Deus. Cecília, como você é corajosa! O que o pessoal não vai falar de você...

– Garanto que não vai ser pior do que já falam todos os dias, meu amor.

  Meu amor! Você me chamou de meu amor! Que coisa maravilhosa...

– Ora, vá se acostumando. Sua Cecília é muito louca e muito rápida. A propósito, levante desse banco imediatamente eu quero outro abraço em pé, bem apertado. Colado total, entendeu, Quero sentir tudo, tudo no duro!

Os dois se abraçaram e trocaram um longo beijo, depois mais outro e depois mais outro. Um fogo incontrolável os envolveu e Cecília falou, arfante:

– Ai, amor, que delícia. Eu estou morrendo de tesão, estou na maior secura há mais de oito meses. A minha família careta pensa que eu sou virgem – e caiu numa gostosa gargalhada, enquanto se apertava ainda mais contra ele, sentindo-o inteiro, quente, volumoso.

– Eu também, estou que não me aguento. Mas é de felicidade, sabe. Poucas horas atrás eu estava tremendo ante minha musa, certo que nem teria coragem de confessar o meu amor. E agora...

– Agora nós vamos partir para os preparativos da nossa lua-de-mel. Banhos mil, depilação para mim, e outra cositas de mulher, sem muita frescura ou maquiagem. Ah, sim meu vestido de noiva esta noite vai ser só lingerie.

– Ah, eu vou correr para casa, fazer minha mala, levar umas três horas pra me acalmar e ter certeza que tudo isso está acontecendo. Acho que vou pegar uma sauna, para relaxar. E preciso me acostumar: de hoje em diante, vou ter uma mulher poderosa mandando em mim full time.

– Bobinho! Mas é melhor se acostumar, sim. Você é meio banana mesmo.

– Hum, progredi, agora sou só meio banana...

– Pois é, já está rebaixado, porque eu acho que nós dois, juntos, vamos conseguir muita, muita coisa mesmo. A começar pela sua carreira de escritor. Pode escrever e muito, que eu vou me encarregar de colocar essa sua careira nos trilhos. Bom, e agora chega de conversa. Vamos nos preparar que a noite logo, logo, está chegando e eu estou que não me aguento também.

Despediram-se com mais um logo beijo e mais labaredas subindo.

Uma fogosa noite de lua-de-mel e dois dias de falta à faculdade depois, o casal embarcou, no sábado, num ônibus para Camaquã, onde Cecília apresentou o noivo á família, comunicando que o casamento seria no mês seguinte, em Porto Alegre mesmo. A família já estava ganhando a concessão de um casamento formal. Era demais. Conheciam a filha e sobrinha muito bem, para saberem que não tinham o mínimo direito de opinarem sobre a escolha do noivo. Mas conseguiram, a caro custo, convencer a moça a trazer a cerimônia de casamento para a cidade do interior, com a colaboração do padre, que prometeu acelerar os procedimentos.

Dessa forma, em 28 de Abril, o estudante de Letras, de 22 anos e a estudante de Educação Física, de 20, casaram na igreja matriz de Camaquã. Voltaram na mesma noite para Porto alegre, tinham provas na semana seguinte. E ansiavam voltar para o seu ninho de amor, para o apartamento cujo aluguel agora rachavam, para continuarem sua lua-de-mel que, afinal, só tinha 45 dias de existência. Precisavam aprender como fazê-la eterna.           FIM