quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O Lenhador Sensível

O  LENHADOR SENSÍVEL  
MILTON  MACIEL   

– Ola, Pitot, que cara estranha é essa?

 – É meu irmão Charles, sabe? Acabo de vir do burgo dele, ele está muito mal.

– Verdade, Pitot? Pois eu o vi ainda esta semana aqui na vila e ele me parecia tão normal. Está doente, é?

– Doente da alma, Jean-Marie! Da alma. É tristeza, uma tristeza sem fim, pobre Charles.

– Mas o que aconteceu com ele?

– Bem deixe eu lhe contar tudo direitinho. Sabe, o Charles sempre foi um menino muito sensível. Era diferente de nós, que sempre fomos uns brutos, só queríamos saber de brincar de guerra, vivíamos às turras com outros garotos, a aprontar coisas horríveis no burgo. Mas Charles era um menino diferente, preferia brincar com os animaizinhos, colher flores no campo, e, depois que lhe ensinaram a ler, era só o que ele fazia, sempre que lhe sobrava um tempo das atividades da família. Pois ele era o único que ajudava o pai na tarefa de lenhador.

– E isso é o que ele faz hoje, não é? É como lenhador que ele sustenta a família, que eu saiba.

– Sim, e isso não é lá muito adequado para ele, pois é uma criatura delicada demais, sensível demais para executar tarefas tão brutas.

– E isso é o que o deixa assim infeliz, então?

– Pois aí é que está, Jean-Marie. Não é por isso, não. É uma coisa que tem a ver com os serviços extras, para o quais ele é convocado de vez em quando. Foi por causa de sua habilidade como o machado que o Duque de Montpellier o designou para a função. O que, aliás, passou a lhe dar uma excelente renda extra, você precisa ver como está bem maior a casa dele agora.

– Bom, mas então o que é que o deixa tão descontente, se ganha mais dinheiro e é distinguido pelo Duque em pessoa.

– Pois ele me confidenciou ontem, bêbado que nem nosso abade, quando eu estive em visita a seu burgo. Como sofre o pobre Charles! Disse que é por causa da incompreensão das pessoas. Charles é um homem bom, uma alma de Deus, delicado e gentil ao extremo, como só ele pode ser. Aí me falou que o que mais o infelicita é o comportamento das crianças. Agora elas se escondem dele, como se lhe tivessem medo. Ele me sussurou, lágrimas nos olhos, que não pode entender por que razão isso acontece. Você sabe, Charles sempre adorou bichos e crianças. Dava gosto ver como ele, ao chegar do trabalho, depois de dar atenção a seu instrumento, seu grande machado, limpá-lo e afiá-lo todo dia, ia brincar com as crianças do burgo, como se fosse um menino grande. No fundo é isso que Charles é, uma criança com barbas, só um menino de alma pura e terna.

– Bem, Pitot, então que diabos é isso que ele faz, trabalhando com seu machado, como um bom e honesto lenhador que ele é? Afinal como é que ele serve ao Duque, então?

– Como carrasco, Jean-Marie! Ele é o verdugo local. Corta pescoços fazendo cumprir a justiça do Duque e do Arcebispo. E é perfeito no serviço: jamais perdeu um golpe. Ele é mesmo exímio com um machado.

– Grand Dieu!

E Jean-Marie deixou cair da mão seu copo de vinho, que espatifou-se no chão, deixando Pitot sem entender nada.

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