quinta-feira, 29 de agosto de 2013

FÁBULAS  DE  SEVERINO  
(Uma publicação semanal da Gazeta do Nordesteste)  
MILTON MACIEL – Diretor-presidente, repórter, redator, ilustrador, auxiliar de serviços gerais e manobrista

O mundo tem entoado loas a fabulosos fabulistas, como Esopo e La Fontaine. Contudo, ninguém reclama da grossa injustiça que é praticada com nosso mais importante fabulista vivo, o nordestino Severino Ribamar, nascido em Conceição das Almas Desenganadas, subdistrito do município de Olho D’água do Casado, em Alagoas.

Todos falam dos estrangeiros e, o que é pior, nossas crianças são obrigadas a decorar fábulas deles na escola. Porém ninguém se lembra de prestigiar a prata da casa. Pois, a partir de hoje, nestas páginas da nossa Gazeta do Nordesteste (é que a gente está aqui no nordeste do Nordeste, no rabinho do elefante que é o Rio Grande do Norte), nós vamos passar a fazê-lo. Os fabulistas europeus, antigos e atuais, inventaram de tudo, raposa com uvas, corvo com queijo, mas nosso grande autor nordestino foi muito mais criativo. Nossos leitores vão me dar razão, à medida que nós publicarmos a série de Fabulas de Severino. Hoje vamos começar com uma das mais simples;

O JEGUE E O JERIMUM – Fábula de Severino Ribamar

Vinha o jegue andando muito na sua, quando um jerimum dos bem pequenos lhe falou:
– Alto lá! – Ao que o jegue retrucou, levando um susto:
– Arre égua! E jerimum fala, é?
– Claro que não fala, seu asno!
– Fala não?
– Não fala! Mas isso, jerimum comum. Mas eu sou um jerimum especial.
– Se assunte, cabra. Ocê é só uma abróbra. E desde quando que abróbra fala?
– Eu sou uma abóbora especial, já lhe disse. Um jerimum de fábula. E jerimum de fábula fala, sim senhor. Você não está ouvindo, com esse enorme orelhão de burro? Pois então!
– Vixe, Nossa Sinhora! Pois num é qui jerimum de fábula fala mesmo, sô!
– Lógico. É como burro de fábula. Burro de fábula também fala, por isso você é um jegue falante. Aliás qualquer bicho, ou qualquer coisa de fábula fala. Cada linguarudo!...
– I por causa di que qui nóis fala, na tal de fábula?
– Ora, seu asno, por causa da moral da história, é claro!
– I o que é isso?
– Moral da história? Ah, é a lição que o fabulista quer dar.
– I o que é fabulista, jerimum?
– É o autor da história, jegue falante, o cara que inventa e escreve a fábula. Ele quer dar uma lição através da fabula.
– Ah, então o tal fabulista é professô di iscola qui passa lição, é?
– Não, asno, ele não precisa ser, até pode ser, mas não precisa. Ele só tem que escrever as fábulas, só isso.
– I ele veve disso, é? É qui nem iscritor di cordel?
– Não, burro, não é! Cordel é cordel e fábula é fábula.
– Ora, i goiabada é goiabada. Num ixpricô nada.

– Tá bom. Então eu explico: no cordel os personagens são humanos. Nas fábulas, sempre tem bicho que fala, os personagens principais normalmente são animais. Que pensam e falam. Entendeu a diferença?
– Sim, fábula é um cordel di animal qui veve jogando cunversê fora.
– Tá bom. Tá bom, fica sendo isso aí mesmo, então.
– Mai jerimum não é animal i ocê tá falando nesta fábula. I pode?
– Pode, jegue, pode. Nesta fábula já tem um animal que fala, então eu também posso  falar.
­ – I é? I tem animal qui fala, é? I quem é ele?
– É VOCÊ, seu animal! Você é o animal que fala nesta fábula! Tenha a santa paciência!
– Ai é? Sô eu, é? Mai eu não tenho muito essa tal de passensa não.
– Tá bom, jegue. Não dá mesmo! Você encheu a minha! Vamos logo acabar com esta fábula. Vamos mostrar a moral de história.
– I qual é a tal da moral?
– Bem, vamos colocar assim, só pra eu me livrar - e você, por favor, se mandar daqui no trote, que isto está cada vez mais difícil:

“Se seu interlocutor é burro, não perca tempo falando abobrinhas”

Então o asno foi embora, muito na sua, sem ter entendido nada daquela coisa mais sem graça de fábula. Ora, onde já se viu bicho que fala que nem homem? E jerimum, então? Cada louco!

(O ilustrador da figura acima encheu a cara pouco antes de fazer o desenho para a fábula. Entreguista confesso, não desenhou nem o jegue, nem o jerimum, Preferiu usar a raposa e as uvas de Esopo. E nem se tocou que uvas não dão em árvores. Um abestado! Se não fosse também o diretor-presidente, deveria ser despedido sumariamente!)



Um comentário:

  1. Só o título já me fez rir. Muito bom! Na proxima semana venho buscar mais. :-)

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