MILTON MACIEL
Um burro vinha andando calmamente pelo
caminho quando viu uma serpente enrolada ao sol, no maior conversê com um
passarinho. O burro deteve-se a cerca de 10 metros daquela cena bizarra e
filosofou:
–
Tecnicamente isso não pode estar acontecendo. Isso porque, em princípio,
cobra e passarinho não falam. Ainda mais assim, em idioma português um tanto
clássico. Além do que, burros não podem entender o que uma cobra e um
passarinho dizem, ainda mais se falam em português assim um tanto clássico. Ora
bolas, burros não falam! E, se falassem, por que haveriam de falar logo em
português, com tanto idioma melhor disponível no mundo dos humanos?
Por
que não o tailandês? – continuou a filosofar o burro.
Sim o tailandês seria muito mais
conveniente. A capital do país dos tailandeses é por eles chamada de "Krung
thep mahanakhon amorn ratanakosin mahintharayutthaya mahadilok popnoparat
ratchathani burirom udomratchanivetmahasathan amornpiman avatarnsathit
sakkathattiyavisnukarmprasit". Que quer dizer Bangkok, em português.
Por aí o burro via que o português é muito
menos interessante, corta o barato, diz tudo aquilo com uma palavrinha só, sem
graça, chocha.
Então o burro decidiu interpelar aqueles
dois caipirões num idioma elitizado, que eles não poderiam jamais alcançar. E
lhes disse na lata, no mais puro tailandês moderno:
– Mahanakhon
buriron amornpiman!
E ficou esperando a cara de imbecis que os
dois fariam.
Mas o passarinho respondeu na mesma hora,
em tom igualmente altivo:
– Avatarnsathit ratchathani sakkathattiyavisnukarmprasi!
Ao que a
serpente aduziu, em tom sibilante e não menos orgulhoso:
– Udomratchanivetmahasathan popnoparat!!!
O burro
ficou passado ao ver que aqueles caipiras não só falavam tailandês, como
estavam tirando uma onda com a cara dele. Não se deu por achado e perguntou
capciosamente, para humilhar mesmo:
– Krung thep ratanakosin?
Mas o
passarinho deu uma volta no burro, pois respondeu simplesmente, com a maior
desfaçatez e ares de pouco caso:
– Amorn!
A
serpente caiu na gargalhada, apontando com o rabo para a cara de furioso do burro. E
completou, debochando acintosamente dele:
– Udomratchanivetmahasathan!
Humilhado,
o burro fez meia volta e retornou pelo caminho por onde viera, ponderando ensimesmado:
Ora,
aquilo tudo não fazia o menor sentido! Serpentes e passarinhos não falam
português. Que dirá um idioma muito mais elitizado, como o tailandês. E saiu
num trote lento, um tanto amargurado com a incoerência de toda daquela
situação. Embora fosse um monogástrico, o burro ruminou palavras, inconformado:
Udomratchanivetmahasathan! Udomratchanivetmahasathan! Como é que aquela serpente morfética tivera o
desplante de dizer aquilo para ele?! Falta de respeito!
E,
irritadíssimo, o burro tomou o caminho que levava ao chalé do escritor. O jeito
era interpelar aquela cavalgadura. Na certa o imbecil tinha de novo tomado
todas, enchido a cara de absinto antes de escrever este texto. Ou tinha
cheirado uma carreira enorme e depois começado a escrever esta história
absurda, sem pé nem cabeça, onde um passarinho e uma serpente sabem falar, além
do óbvio português, o precioso tailandês. E o vexame ficava para ele, o burro. Francamente! Ah, mas aquele escritor
duma figa ia ouvir poucas e boas! E em português, que a besta não sabia nem falar,
que dirá escrever em outro idioma – Que dirá em TAILANDÊS! Maldito escritor!
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