sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Nasce o Egito

NASCE O EGITO
MILTON MACIEL
(Baixo Nilo, 12 000 A.C.)

Altzcotl olhou desanimado para os egípcios que trabalhavam naquela lavoura absurdamente rudimentar de grãos. Falou para seu colega:

– Como vamos conseguir que essas cavalgaduras aprendam um mínimo de agricultura? Se foi para criar uma nova civilização com essas toupeiras que nós viemos para cá, acho que perdemos nosso tempo, Lerbetz. Creio que teria sido melhor que ficássemos com aqueles energúmenos trogloditas dos Pirineus mesmo. Ao menos não teríamos tido que vencer toda esta distância absurda, para chegarmos a este deserto estéril, onde só se pode contar com as benesses temporárias das cheias deste grande rio.

– Mas você sabe, Altzcotl, que todos os cálculos astrológicos de Zemphor apontaram foi para esta região e, não, para os Pirineus.

– Sei, sei! E isso é que me deixa maluco, por que sei que Zemphor está sempre certo. Ele poderia ter tido ao menos a decência de não morrer e nos deixar órfãos da sua ciência. Ao menos ele não precisava de mais do que suas tabelas e seus sextantes. Eu, em compensação, que posso fazer sem um laboratório? Sem energia? Sem metais?

– É verdade, comandante. Nossa situação fica pior a cada mês que passa. Nossos escassos materiais se extinguem, nossas fontes de energia há muito que acabaram e passamos a depender somente da natureza, como esses bárbaros primitivos. Se ao menos ainda nos sobrasse alguma bateria ativa...

– Esqueça. Lerbetz. Hoje estamos reduzidos à mesma barbárie desses egípcios. Mas, pelo menos, ainda somos sobreviventes.

– E será que isso é bom, comandante? Eu, muitas vezes, me pergunto se não teria sido melhor que tivéssemos afundado no oceano atlântico, junto com nossa pátria e toda nossa gente. Será que vale alguma coisa ser sobrevivente de Atlântida? Vale retroagir à barbárie total, completamente destituídos de qualquer ciência e indústria, por mais rudimentar que esta seja?

– Também me perguntei isso demais. Mas ainda sou do tipo prático que prefere ser um primitivo de novo a ser uma lembrança afundada a mais de três mil metros de profundidade no fundo de um oceano. Nossa ilha de Possêidia e todo o seu esplendor e poder estão aniquilados para sempre, Lerbetz. Eu já passei da fase em que queria me matar, quando estava no meio daqueles estúpidos dos Pirineus. Acho que nem que passem outros dez mil anos, aquela raça nunca vai passar daquilo, são estúpidos demais.

– E esses seus egípcios, em que são diferentes? Além da cor de cobre, é claro.

– Ora, Lerbetz, estes são seres da mesma estupidez que aqueles brancos da Europa. Mas estes são mais dóceis, aos menos. E, além disso, não estão encarapitados no topo de montanhas geladas, estes daqui vivem nesta parte baixa do grande rio, onde temos planícies e um clima muito mais ameno. E, ainda por cima, poderemos ensinar esses imbecis a construírem barcos com velas. Hoje nem mesmo canoas com remos decentes eles sabem fazer. E isso também me deixa possesso, porque nosso idioma é totalmente incompreensível para eles, nunca o aprenderão. E eles, com um vocabulário rudimentar de menos de mil palavras, estão nos obrigando a aprender essa linguagem quase animalesca. Isso é extremamente irritante e desgastante. Ah, estou cansado, meu amigo...

– E pretende desistir, então?

– Ora, claro que não, homem! Eu disse que estou irritado, cansado, desanimado. E isso por causa desses... esses... “coisas” daqui, que me parecem menos inteligentes que um bovino deles. Mas isso não quer dizer que eu vá desistir. Até porque não há futuro para nós dois sozinhos, precisamos dessa gente. Serão gente mesmo?

– Você tem razão, comandante. Sozinhos em mais alguns anos teremos perecido e conosco, morrerá a história gloriosa de Atlântida.  Temos que continuar. Temos que procriar, em resumo.

– Sim, e isso quer dizer nos deitarmos com aquelas... aquelas... Ah, Lerbetz, isso é simplesmente aterrorizador. Como pensar em algo assim, quando ainda estou totalmente impregnado das doces lembranças de minha Ismal. Que pereceu também...

– Sim, mas é isso ou o fim para nós dois. Precisamos gerar mestiços que nós possamos ensinar, que não sejam  tão atrasados mentalmente como suas mães. Que outra coisa podemos nós esperar?...

– Há o caucasiano branco, Lerbetz, o homem alto que encontramos uma vez na região da foz do grande rio, no delta. Ele é um homem de inteligência elevada, tem muitos conhecimentos, embora me pareça um louco, com sua mania de religião. Mas ele prova que existem outras regiões que podemos explorar no futuro, onde encontraremos mais civilização.

– E qual é sua proposta, então?

– Vamos continuar aqui e ensinar agricultura e uso de instrumentos para estas alimárias egípcias. O homem do Cáucaso, o tal sacerdote, prometeu que nos visitaria aqui, dentro de alguns meses. E, enquanto isso, vamos mesmo ter que nos multiplicar com as nativas. Elas até que não são feias, algumas são mesmo muito atraentes. Além disso são praticamente de nossa mesma cor, nosso acobreado é somente um pouco mais avermelhado que o deles. Os caucasianos e os pirenaicos, todos de pele branca desbotada, são muito mais feios, para mim.
 CONTINUA


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