NASCE
O EGITO
(Baixo Nilo, 12 000 A.C.)
Altzcotl olhou desanimado para os egípcios
que trabalhavam naquela lavoura absurdamente rudimentar de grãos. Falou para
seu colega:
– Como vamos conseguir que essas
cavalgaduras aprendam um mínimo de agricultura? Se foi para criar uma nova civilização
com essas toupeiras que nós viemos para cá, acho que perdemos nosso tempo, Lerbetz.
Creio que teria sido melhor que ficássemos com aqueles energúmenos trogloditas
dos Pirineus mesmo. Ao menos não teríamos tido que vencer toda esta distância
absurda, para chegarmos a este deserto estéril, onde só se pode contar com as
benesses temporárias das cheias deste grande rio.
– Mas você sabe, Altzcotl, que todos os
cálculos astrológicos de Zemphor apontaram foi para esta região e, não, para os
Pirineus.
– Sei, sei! E isso é que me deixa maluco,
por que sei que Zemphor está sempre certo. Ele poderia ter tido ao menos a
decência de não morrer e nos deixar órfãos da sua ciência. Ao menos ele não
precisava de mais do que suas tabelas e seus sextantes. Eu, em compensação, que
posso fazer sem um laboratório? Sem energia? Sem metais?
– É verdade, comandante. Nossa situação
fica pior a cada mês que passa. Nossos escassos materiais se extinguem, nossas
fontes de energia há muito que acabaram e passamos a depender somente da
natureza, como esses bárbaros primitivos. Se ao menos ainda nos sobrasse alguma
bateria ativa...
– Esqueça. Lerbetz. Hoje estamos reduzidos
à mesma barbárie desses egípcios. Mas, pelo menos, ainda somos sobreviventes.
– E será que isso é bom, comandante? Eu,
muitas vezes, me pergunto se não teria sido melhor que tivéssemos afundado no oceano
atlântico, junto com nossa pátria e toda nossa gente. Será que vale alguma
coisa ser sobrevivente de Atlântida? Vale retroagir à barbárie total,
completamente destituídos de qualquer ciência e indústria, por mais rudimentar
que esta seja?
– Também me perguntei isso demais. Mas
ainda sou do tipo prático que prefere ser um primitivo de novo a ser uma
lembrança afundada a mais de três mil metros de profundidade no fundo de um
oceano. Nossa ilha de Possêidia e todo o seu esplendor e poder estão
aniquilados para sempre, Lerbetz. Eu já passei da fase em que queria me matar,
quando estava no meio daqueles estúpidos dos Pirineus. Acho que nem que passem
outros dez mil anos, aquela raça nunca vai passar daquilo, são estúpidos
demais.
– E esses seus egípcios, em que são
diferentes? Além da cor de cobre, é claro.
– Ora, Lerbetz, estes são seres da mesma
estupidez que aqueles brancos da Europa. Mas estes são mais dóceis, aos menos.
E, além disso, não estão encarapitados no topo de montanhas geladas, estes
daqui vivem nesta parte baixa do grande rio, onde temos planícies e um clima
muito mais ameno. E, ainda por cima, poderemos ensinar esses imbecis a construírem
barcos com velas. Hoje nem mesmo canoas com remos decentes eles sabem fazer. E
isso também me deixa possesso, porque nosso idioma é totalmente incompreensível
para eles, nunca o aprenderão. E eles, com um vocabulário rudimentar de menos
de mil palavras, estão nos obrigando a aprender essa linguagem quase
animalesca. Isso é extremamente irritante e desgastante. Ah, estou cansado, meu
amigo...
– E pretende desistir, então?
– Ora, claro que não, homem! Eu disse que
estou irritado, cansado, desanimado. E isso por causa desses... esses...
“coisas” daqui, que me parecem menos inteligentes que um bovino deles. Mas isso
não quer dizer que eu vá desistir. Até porque não há futuro para nós dois
sozinhos, precisamos dessa gente. Serão gente mesmo?
– Você tem razão, comandante. Sozinhos em
mais alguns anos teremos perecido e conosco, morrerá a história gloriosa de
Atlântida. Temos que continuar. Temos
que procriar, em resumo.
– Sim, e isso quer dizer nos deitarmos com
aquelas... aquelas... Ah, Lerbetz, isso é simplesmente aterrorizador. Como
pensar em algo assim, quando ainda estou totalmente impregnado das doces
lembranças de minha Ismal. Que pereceu também...
– Sim, mas é isso ou o fim para nós dois.
Precisamos gerar mestiços que nós possamos ensinar, que não sejam tão atrasados mentalmente como suas mães. Que outra coisa podemos nós esperar?...
– Há o caucasiano branco, Lerbetz, o homem
alto que encontramos uma vez na região da foz do grande rio, no delta. Ele é um
homem de inteligência elevada, tem muitos conhecimentos, embora me pareça um
louco, com sua mania de religião. Mas ele prova que existem outras regiões que
podemos explorar no futuro, onde encontraremos mais civilização.
– E qual é sua proposta, então?
– Vamos continuar aqui e ensinar
agricultura e uso de instrumentos para estas alimárias egípcias. O homem do
Cáucaso, o tal sacerdote, prometeu que nos visitaria aqui, dentro de alguns
meses. E, enquanto isso, vamos mesmo ter que nos multiplicar com as nativas.
Elas até que não são feias, algumas são mesmo muito atraentes. Além disso são
praticamente de nossa mesma cor, nosso acobreado é somente um pouco mais
avermelhado que o deles. Os caucasianos e os pirenaicos, todos de pele branca
desbotada, são muito mais feios, para mim.
CONTINUA
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