(Fábulas de Severino Ribamar – No. 2)
MILTON MACIEL
Cego Benevides é um cantador de cordel
arretado. Com ele não tem meia volta ou tis’conjuro. Escreveu, não leu (o cego
não consegue ler, mesmo), o pau comeu. Por exemplo, quando um pastor abestado
quis promover a cura gay, cego
Severino caiu matando, ponteando na viola: (e você, ouvinte, imagine a
musiquinha de violeiro do cego, acompanhando os versos)
Pois
diz que na tal Brasília
tá
assim de home safado...
(Iham,
Inham, Inham, Inham...)
Tão
salafra que eles é,
que é
quase tudo Deputado,
se é
um país que tem Justiça
tava
tudo condenado!
(Inham,
Inham, Inham, Inham...)
Tem
um tal de Feliciano
que enganou
o eleitorado.
(Inham,
inham, inham, Inham...)
Ele
fala pros fulano
que
ele qué curá os viado,
mas
pra mim não tem engano
o que
ele qué é sê curado.
(Inham,
Inham, Inham, Inham...)
Quando um monte de deputados safados não
compareceu à votação para cassar o mandato do colega deles (o Donadon, colega de
safadeza), o cego Benevides ficou possesso. No mesmo dia, quando o pessoal
começou a sair da missa especial das seis da tarde, em Jacaré dos Homens,
Alagoas, o cego lascou:
O que mais tem em Brasília
é deputado bandido...
(Inham, Inham, Inham, Inham...)
Um deles até foi preso,
mas seu cargo foi mantido.
Que os colega do safado
Votaro tudo iscondido!
(Inham, Inham, Inham, Inham...)
Por aí você já pode ver como o cego
Benevides é tinhoso. Por isso, quando o macaco Tião apareceu na praça e
resolveu perturbar a paz do cego, armou-se a confusão. Naquela hora de mormaço,
duas da tarde de um dia de Dezembro, cego Benevides tinha conseguido subir num
galho bem baixo de uma árvore, para se refrescar na sombra. Mas acontece que o
macaco Tião já estava encarapitado em um galho mais alto e recebeu Benevides
com um grunhido ameaçador:
– Esta árvore tem dono!
O cego respondeu
– Ora, não se arrelie, macaco! Aqui tem
lugar pra nóis tudo.
– Mais aí você atrapalha minha visão, cego.
Vai pra outro galho, então.
– Oxe, sujeito! E tu qué visão mais atrapaiada
do que a minha, qué? I eu não mi queixo. E o que é que tu qué tanto vê?
– A Formosa, a cabra de Siá Jussara.
– Ué, i que que tu qué com uma cabra, seu
cabra?
– Bem, você sabe como é, neste lugar não
tem nenhuma macaca e eu ando na maior secura faz um tempão. Aí ouvi dizer que
essa cabra foi viciada por uns meninos lá do engenho do Benedito Leproso. Diz
que ela atende eles direitinho e até gosta. Então...
– E essa tal Siá Jussara como é? Que eu
nunca vi, mas já escutei falá qui é uma formosura.
– É bem fornida de carnes, cego.
Principalmente no quarto traseiro. Quando ela passa todos os homens se viram
para olhar o rabo dela.
– E tu não olha também, macaco Tião?
– Eu? Ora, rabo de mulher não me interessa.
Já as perninhas da Formosa... Ah!
– Pois tu tem é sorte, macaco. E eu que sô
cego, dava um braço pra vê esse rabo lindo de Siá Jussara. Ah, nessa hora,
como eu queria vê! Eu queria vê, macaco!
MORAL DA HISTÓRIA – é tripla:
Cada macaco no seu galho.
Macaco não olha o rabo, mesmo!
Benevides não é o pior cego, o pior cego é
aquele que não quer ver.
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