sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O CEGO BENEVIDES E O MACACO TIÃO
(Fábulas de Severino Ribamar – No. 2)
MILTON MACIEL

Cego Benevides é um cantador de cordel arretado. Com ele não tem meia volta ou tis’conjuro. Escreveu, não leu (o cego não consegue ler, mesmo), o pau comeu. Por exemplo, quando um pastor abestado quis promover a cura gay, cego Severino caiu matando, ponteando na viola: (e você, ouvinte, imagine a musiquinha de violeiro do cego, acompanhando os versos)

Pois diz que na tal Brasília
tá assim de home safado...
(Iham, Inham, Inham, Inham...)
Tão salafra que eles é,
que é quase tudo Deputado,
se é um país que tem Justiça
tava tudo condenado!
(Inham, Inham, Inham, Inham...)

Tem um tal de Feliciano
que enganou o eleitorado.
(Inham, inham, inham, Inham...)
Ele fala pros fulano
que ele qué curá os viado,
mas pra mim não tem engano
o que ele qué é sê curado.
(Inham, Inham, Inham, Inham...)

Quando um monte de deputados safados não compareceu à votação para cassar o mandato do colega deles (o Donadon, colega de safadeza), o cego Benevides ficou possesso. No mesmo dia, quando o pessoal começou a sair da missa especial das seis da tarde, em Jacaré dos Homens, Alagoas, o cego lascou:

O que mais tem em Brasília
é deputado bandido...
(Inham, Inham, Inham, Inham...)
Um deles até foi preso,
mas seu cargo foi mantido.
Que os colega do safado
Votaro tudo iscondido!
(Inham, Inham, Inham, Inham...)

Por aí você já pode ver como o cego Benevides é tinhoso. Por isso, quando o macaco Tião apareceu na praça e resolveu perturbar a paz do cego, armou-se a confusão. Naquela hora de mormaço, duas da tarde de um dia de Dezembro, cego Benevides tinha conseguido subir num galho bem baixo de uma árvore, para se refrescar na sombra. Mas acontece que o macaco Tião já estava encarapitado em um galho mais alto e recebeu Benevides com um grunhido ameaçador:
– Esta árvore tem dono!
O cego respondeu
– Ora, não se arrelie, macaco! Aqui tem lugar pra nóis tudo.
– Mais aí você atrapalha minha visão, cego. Vai pra outro galho, então.
– Oxe, sujeito! E tu qué visão mais atrapaiada do que a minha, qué? I eu não mi queixo. E o que é que tu qué tanto vê?
– A Formosa, a cabra de Siá Jussara.
– Ué, i que que tu qué com uma cabra, seu cabra?
– Bem, você sabe como é, neste lugar não tem nenhuma macaca e eu ando na maior secura faz um tempão. Aí ouvi dizer que essa cabra foi viciada por uns meninos lá do engenho do Benedito Leproso. Diz que ela atende eles direitinho e até gosta. Então...
– E essa tal Siá Jussara como é? Que eu nunca vi, mas já escutei falá qui é uma formosura.
– É bem fornida de carnes, cego. Principalmente no quarto traseiro. Quando ela passa todos os homens se viram para olhar o rabo dela.
– E tu não olha também, macaco Tião?
– Eu? Ora, rabo de mulher não me interessa. Já as perninhas da Formosa... Ah!
– Pois tu tem é sorte, macaco. E eu que sô cego, dava um braço pra vê esse rabo lindo de Siá Jussara. Ah, nessa hora, como eu queria vê! Eu queria vê, macaco!

MORAL DA HISTÓRIA –  é tripla:
Cada macaco no seu galho. 
Macaco não olha o rabo, mesmo!
Benevides não é o pior cego, o pior cego é aquele que não quer ver.

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