Fábulas de Severino – No. 3
MILTON MACIEL
Era uma tarde da gota serena em Caruaru,
Pernambuco. Gota de suor, bem entendido, que o calor tava de rachar cano de
manilha. Só não se incomodava Neco Padeiro, que já era acostumado com o dia a
dia do forno.
Uma lagartixa viu um taxi parado na sombra
e resolveu entrar, só para assuntar. Mas, tão logo ela começou a explorar o
encosto do banco do motorista, o calor excessivo fez a air bag do carro disparar. E o air bag imprensou feio a coitada da
lagartixa, que reclamou aos berros com o air bag:
– Pára, pára! Assim você me mata!
Mas o air
bag, nem tchum! Por ele, a lagartixa que se danasse. Quem mandou entrar no nosso
carro! Ele ali no bem bom, se refestelando todo livre e solto naquele
calorão, sem as agruras do aperto em que vivia metido, e aquela lagartixa besta
querendo que ele se retraísse para lhe dar um alívio. Era só o que faltava! Mas
a lagartixa continuava a reclamar:
– Nossa,
nossa! Assim você me mata!
E o air bag bem na sua, só esticando o
barrigão na sombra...
Então
a lagartixa compreendeu que dali não vinha refresco, o bandido barrigudo não
estava nem aí para o aperto dela. E a lagartixa começou a ficar muito furiosa!
Acontece que ela era uma Lagartixa de
Caruaru. E Lagartixa de Caruaru (LC) é diferente das outras, tem cada dentão!
Pudera, acostumada há gerações (de lagartixas) com uma Feira daquele tamanho,
onde aparecia gato, ratazana, mosquito da dengue, cangaceiro e até jaguatirica
para assuntar e ver se arranjava uma carninha pra morder, ou a lagartixa de
Caruaru desenvolvia o gene mutante do dentão ou pereceria. É a evolução das
espécies.
Aliás, foi baseado justamente neste
fenômeno da lagartixa de Caruaru que Carlinhos Darwin, que deixou o skate para
virar careca, desenvolveu sua Teoria da Evolução das Espécies, quando conheceu
um ancestral da LC em Galápagos e viu que ele começava a desenvolver um chifre
em cima do nariz, justamente por causa do hábito milenar, que seus ancestrais tinham,
de usar piercing na região nasal (Consta que na genital também, mas isso o
Carlinhos não pôde publicar, porque o pessoal da sua época era muito caretão).
No taxi, furiosa, a lagartixa continuava a mexer
a cabeça, tentando desesperadamente morder o air bag com seus dentões, para
furá-lo. Era muito difícil, mas ela não desistia e ameaçava aquele imbecil todo
cheio de si:
– Ai,
se eu te pego! – mas não pegava, estava por demais comprimida pelo saco de ar
contra o encosto do carro. E ela repetia,aflita:
– Nossa,
nossa, assim você me mata! – Mas o malvado do air bag não estava nem aí para a pobre da lagartixa. Não adiantavam
as ameaças dela:
– Ai,
se eu te pego. Seu eu te pego, eu te furo e aí... – E a lagartixa continuava
seus esforços sem parar. Quando estava já à beira da exaustão, num arremesso
desesperado de cabeça, conseguiu enfim enfiar o dentão de cima no air bag:
–
Pou!!!... – O dito cujo estourou e
começou a esvaziar rapidamente pelo buraco. Ai foi ele que reclamou:
–
Nossa, assim você me mata!... E esvaziou até o fim. Precisou ser trocado! A
lagartixa de Caruaru, aliviada, caiu sobre o assento do banco do motorista e
tratou de se mandar daquele carro maldito, onde, sem mais nem menos, um saco tipo
boneco assassino ataca as pobres criaturas desprevenidas.
MORAL
DA HISTÓRIA é que o motorista do taxi, que tinha estendido a rede ali debaixo
de uma árvore pra se aliviar da cachaçada do almoço, ouviu tudo o que se
passava e ficou com aquelas frases da lagartixa na cabeça. Dias depois, quando
encontrou Cego Benevides na Feira defendendo algum com as cantorias (à época Cego
Benevides ajudava o cunhado a comprar maconha no sertão de Pernambuco e vender
em Alagoas), o motorista do taxi, que era um gaúcho que tinha quebrado no
negócio de plantar soja no Nordeste e se chamava Miguelino Teló, encomendou a Cego
Benevides que compusesse uma embolada ou um xaxado, com as frases da lagartixa.
O cego
aceitou, mas fez foi um baião, dando-lhe o nome AI SE EU TE PEGO! Pois o baião
agradou e caiu nas graças de um grupo de forró pé-de-serra que também se apresentava
na Feira. Foi o maior sucesso. Vai daí que tinha uma moçada chegada ao rock,
que passava por ali para comprar erva da boa, do mesmo fornecedor do cunhado do
Cego.
E aí
danou-se! A moçada transformou o baião do cego numa coisa esquisita e o motorista
do taxi se juntou com eles e fizeram uma banda. Ninguém sabia tocar nada, mas
foram aprendendo no caminho para Sum Paulo. O resto todo mundo sabe. O Miguelino vendeu o taxi, mudou de nome e dizem que até ganhou algum com a cantoria do baião rockalizado
do cego:
Nossa,
nossa,
Assim
você me mata!
Ai,
seu eu te pego,
Ai,
Ai, se eu te pego!
Só a
coitada da lagartixa, a verdadeira autora da letra, não ganhou nada. Como é
cheio de injustiças esse mundo de Meu Deus!
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