domingo, 1 de setembro de 2013

A  LAGARTIXA E O AIR BAG  
Fábulas de Severino – No. 3
MILTON MACIEL

Era uma tarde da gota serena em Caruaru, Pernambuco. Gota de suor, bem entendido, que o calor tava de rachar cano de manilha. Só não se incomodava Neco Padeiro, que já era acostumado com o dia a dia do forno.

Uma lagartixa viu um taxi parado na sombra e resolveu entrar, só para assuntar. Mas, tão logo ela começou a explorar o encosto do banco do motorista, o calor excessivo fez a air bag do carro disparar. E o air bag imprensou feio a coitada da lagartixa, que reclamou aos berros com o air bag:

Pára, pára! Assim você me mata!

Mas o air bag, nem tchum! Por ele, a lagartixa que se danasse. Quem mandou entrar no nosso carro! Ele ali no bem bom, se refestelando todo livre e solto naquele calorão, sem as agruras do aperto em que vivia metido, e aquela lagartixa besta querendo que ele se retraísse para lhe dar um alívio. Era só o que faltava! Mas a lagartixa continuava a reclamar:

– Nossa, nossa! Assim você me mata!

E o air bag bem na sua, só esticando o barrigão na sombra...

Então a lagartixa compreendeu que dali não vinha refresco, o bandido barrigudo não estava nem aí para o aperto dela. E a lagartixa começou a ficar muito furiosa!

Acontece que ela era uma Lagartixa de Caruaru. E Lagartixa de Caruaru (LC) é diferente das outras, tem cada dentão! Pudera, acostumada há gerações (de lagartixas) com uma Feira daquele tamanho, onde aparecia gato, ratazana, mosquito da dengue, cangaceiro e até jaguatirica para assuntar e ver se arranjava uma carninha pra morder, ou a lagartixa de Caruaru desenvolvia o gene mutante do dentão ou pereceria. É a evolução das espécies.

Aliás, foi baseado justamente neste fenômeno da lagartixa de Caruaru que Carlinhos Darwin, que deixou o skate para virar careca, desenvolveu sua Teoria da Evolução das Espécies, quando conheceu um ancestral da LC em Galápagos e viu que ele começava a desenvolver um chifre em cima do nariz, justamente por causa do hábito milenar, que seus ancestrais tinham, de usar piercing na região nasal (Consta que na genital também, mas isso o Carlinhos não pôde publicar, porque o pessoal da sua época era muito caretão).

No taxi, furiosa, a lagartixa continuava a mexer a cabeça, tentando desesperadamente morder o air bag com seus dentões, para furá-lo. Era muito difícil, mas ela não desistia e ameaçava aquele imbecil todo cheio de si:

­– Ai, se eu te pego! – mas não pegava, estava por demais comprimida pelo saco de ar contra o encosto do carro. E ela repetia,aflita:

– Nossa, nossa, assim você me mata! – Mas o malvado do air bag não estava nem aí para a pobre da lagartixa. Não adiantavam as ameaças dela:

– Ai, se eu te pego. Seu eu te pego, eu te furo e aí... – E a lagartixa continuava seus esforços sem parar. Quando estava já à beira da exaustão, num arremesso desesperado de cabeça, conseguiu enfim enfiar o dentão de cima no air bag:

– Pou!!!...  – O dito cujo estourou e começou a esvaziar rapidamente pelo buraco. Ai foi ele que reclamou:

– Nossa, assim você me mata!... E esvaziou até o fim. Precisou ser trocado! A lagartixa de Caruaru, aliviada, caiu sobre o assento do banco do motorista e tratou de se mandar daquele carro maldito, onde, sem mais nem menos, um saco tipo boneco assassino ataca as pobres criaturas desprevenidas.

MORAL DA HISTÓRIA é que o motorista do taxi, que tinha estendido a rede ali debaixo de uma árvore pra se aliviar da cachaçada do almoço, ouviu tudo o que se passava e ficou com aquelas frases da lagartixa na cabeça. Dias depois, quando encontrou Cego Benevides na Feira defendendo algum com as cantorias (à época Cego Benevides ajudava o cunhado a comprar maconha no sertão de Pernambuco e vender em Alagoas), o motorista do taxi, que era um gaúcho que tinha quebrado no negócio de plantar soja no Nordeste e se chamava Miguelino Teló, encomendou a Cego Benevides que compusesse uma embolada ou um xaxado, com as frases da lagartixa.

O cego aceitou, mas fez foi um baião, dando-lhe o nome AI SE EU TE PEGO! Pois o baião agradou e caiu nas graças de um grupo de forró pé-de-serra que também se apresentava na Feira. Foi o maior sucesso. Vai daí que tinha uma moçada chegada ao rock, que passava por ali para comprar erva da boa, do mesmo fornecedor do cunhado do Cego.

E aí danou-se! A moçada transformou o baião do cego numa coisa esquisita e o motorista do taxi se juntou com eles e fizeram uma banda. Ninguém sabia tocar nada, mas foram aprendendo no caminho para Sum Paulo. O resto todo mundo sabe. O Miguelino vendeu o taxi, mudou de nome e dizem que até ganhou algum com a cantoria do baião rockalizado do cego:

Nossa, nossa,
Assim você me mata!
Ai, seu eu te pego,
Ai, Ai, se eu te pego!


Só a coitada da lagartixa, a verdadeira autora da letra, não ganhou nada. Como é cheio de injustiças esse mundo de Meu Deus!

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