O PÊNIS DO PTERODÁTILO
MILTON MACIEL
Murillo começou a suar frio. Céus, estava acontecendo
de novo... Justo agora! Já eram 2 da madrugada e o papel jazia intocado no
carro da máquina de escrever. Quer dizer, intocada estava aquela folha. As
anteriores dezenove estavam ali perto, no cesto de lixo, devidamente
amarrotadas. Que fazer? (Murillo Nóbrega é assim, um consumado conservador.
Apesar de ter só trinta anos, em pleno século XXI recusa-se a usar computador e
Internet).
Em cada uma das folhas no lixo, datilografado, havia um
título genial.
Mas aí batia o tal “bloqueio do escritor”. Ele
tentava iniciar o texto, concentrava-se no tema sugerido pelo título e então...
Então não acontecia nada. E isso desde 4 da tarde. Seu artigo, de pouco mais de
uma lauda, já estaria pronto há muito tempo, em condições normais. Mas agora
não saía nada, mas nada mesmo. Era angustiante, quando lembrava que o rapaz da
redação do jornal ia passar por ali às 7 da manhã, para levar o artigo de
Murillo. Na verdade, uma pequena crônica despretensiosa, seu único compromisso
era dar a todas as suas crônicas um certo toque
de humor, desde que fosse “sutil e de muito bom gosto”, como exigia o diretor de redação
– Julmar, o bom careca.
Sentou-se pela enésima vez à máquina. Desta vez tinha
que sair! O sono já o fazia cabecear a todo instante, estava acostumado a
dormir cedo, antes das onze da noite. Respirou fundo, fechou os olhos, puxou do
infinito a inspiração e lascou mais um título sensacional:
O Pênis do Pterodátilo
Parou por ali, o sono o venceu, a cabeça tombou sobre
o peito, nem sabia o que havia escrito no papel. Uns três minutos depois
acordou sobressaltado. Tinha sonhado e no sonho estava caindo da cadeira. O que
estava acontecendo de fato! Com um movimento rápido, contudo, conseguiu
endireitar o corpo a tempo e se reequilibrou.
Olhou para o papel, que, por sua lembrança, deveria
estar ainda em branco. Qual não foi sua surpresa ao ver aquelas palavras ali
escritas: O Pênis do Pterodátilo! Caramba, o que era aquilo? Será que ele, ele
mesmo, Murillo Nóbrega, havia escrito tal barbaridade? O Pênis do Pterodátilo!
Não lembrava de nada. Possivelmente o escrevera quando estava começando a
cochilar. Ora, ele não sabia nada, absolutamente nada sobre pterodátilos.
Quanto mais sobre seu pênis. Aliás, não sabia nem se os tais répteis voadores
da pré-história tinham pênis. De onde o maluco do seu inconsciente fora tirar
uma idéia tão estapafúrdia, tão sem pé nem cabeça. Bem, tão sem pé,
corrigiu-se. Cabeça até que era possível que o tal pênis tivesse.
E agora? O que é que ele ia fazer com aquele título
absurdo. Fez que não com a cabeça, a sua mesmo, chegou a levar a mão ao papel
para arrancá-lo fora da máquina. Mas parou: já tinha feito isso quase vinte
vezes antes. Agora tinha que continuar, ainda que fosse com aquela idéia
extravagante e sem pé. Maldito bloqueio!
Para piorar, lembrou do bom careca: “Sutil e de muito
bom-gosto”. Ai, ai, ai! Como é que um pênis de pterodátilo podia ser de muito
bom-gosto? E sutil?! Puxa, devia ser uma coisa enorme, capaz de pesar pra lá de
dez quilos, como deve pesar o de um elefante contemporâneo. Sutil?! Sutil como?
Vinha aquele bicho enorme voando, 10 metros de envergadura de asa de ponta a
ponta, para maior dos pecados com o tal do pênis pra fora, em riste, certamente
coisa pra mais de metro. Senhor, que tartaridade! E ele tinha que escrever
sobre aquilo. E com sutileza e bom gosto. Que fazer? Caramba, será que não
podia ter escrito alguma coisa menos embaraçosa, como o fígado do unicórnio, ou a
costela do brontossauro?
Não, não, é loucura! Vamos lá, arranca-se esse papel
do rolo também, paciência.
E então, inesperadamente, veio-lhe a inspiração:
súbita, instantânea, pronta!
Voltou os dedos à máquina e escreveu como um
possesso. Vinte minutos depois estava tudo pronto, correções com verniz branco
corretivo inclusive. Sorriu satisfeito. Colocou a folha no envelope, o envelope
embaixo do capacho do corredor, em frente à porta do apartamento, à disposição
do rapaz do jornal no início da manhã e pronto! Jogou-se de roupa e tudo na
cama e dormiu imediatamente o sono dos justos, o repouso do guerreiro.
No outro dia, no almoço, comentou com os amigos os
sucessos da noite e madrugada. Todos ficaram curiosíssimos para saber o que ele
tinha escrito. Mas ele resolveu valorizar e compartilhar seu sofrimento e
falou, peremptório:
– Ah, isso vocês vão ter que esperar. Vão ter que
olhar no jornal. Só amanhã! Não adianta insistir, porque eu não digo nada. Até
mais.
(Por essa
razão, caros leitores e leitoras, é que não podemos postar a crônica de Murillo
Nóbrega, O Pênis do Pterodátilo, neste dia. Também eu vou ter que esperar até
amanhã. Mas prometo: assim que tiver acesso ao texto, copio e posto tudo aqui
no blog. Pode procurar, eu garanto! Amanhã.)
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