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POETA E O GUASCA – 2
Agora canta o gaiteiro
E os versos que ele entona,
Ao som de sua cordeona,
São um poema verdadeiro.
E eis que Poeta se encanta
Com o que o gaúcho canta.
“Tirana do meu desejo,
Guria do meu encanto,
Ó deusa do meu espanto,
Quanto faz que não te vejo?!
Por falta de ti, guria,
Morro um pouco a cada dia”
“Lembra do dia da dança
Quando eu disse o meu amor?
Pois ali, sem tirar nem por,
Tu não me deste esperança!
Desde então, apaixonado,
Vivo triste, abichornado.”
“Foste embora pra cidade
Cuidar da tua carreira
Me deixaste, sorrateira.
Mas tenho dignidade:
Minha dor, desde o começo,
Só à sanfona confesso.”
O poeta ouvia, extasiado,
Aquela simplicidade!
Os seus versos de cidade
Eram um emaranhado
De construções tão complexas
Que eram soltas, desconexas.
De vanguarda, sua poesia,
Que tantos prêmios lhe dera
Parecia uma quimera
Ante aquela nostalgia.
No guasca o emocionava
A dor que comunicava.
Ansioso por conhecê-lo
Esperou que o som parasse,
Que a voz do guasca calasse
E que ele pudesse vê-lo.
Pediu que entrasse o gaúcho
No seu ambiente de luxo.
III
Rogou-lhe: “Traga a sanfona,
Entre que aqui está quentinho”.
O guasca entrou de mansinho,
Trazendo sua cordeona:
“Puxa, doutor da cidade,
Tá quente barbaridade!”
Tirou chapéu e casaco,
Sentindo a falta da brisa.
Quase que tira a camisa,
Já suando no sovaco.
Só não o fez por respeito,
Pra se comportar direito.
O outro, todo entrouxado,
Mostrava que frio sentia,
Mas cordialmente sorria
Pra seu novo convidado:
“Você é bom acordeonista
E canta como um artista.”
“Bondade sua, meu patrão!
Sou só um guasca da campanha
Que menos toca que arranha,
Lhe dando a falsa impressão.
E que cantar? Canto nada!
Voz de taquara rachada!”
“Não é verdade, por favor!
Você é um artista completo.
E esse seu falar direto
Me impressionou, sim senhor!
E os versos lindos, de trova,
De sua dor a maior prova,
Me deixaram extasiado
Por sua simplicidade.
Me tocaram de verdade.
São versos de apaixonado,
Uma beleza completa!
Por favor, quem é o poeta?”
“Bueno, poeta não tem não,
Que é verso de índio xucro.
Mas tô saindo no lucro
Se lhe agrada à compreensão,
Já que o autor desse embrulhado
É aqui este seu criado.”
CONTINUA
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