sábado, 3 de maio de 2014

O POETA E O GUASCA - 3
MILTON MACIEL

“Bueno, poeta não tem não,
Que é verso de índio xucro.
Mas tô saindo no lucro
Se lhe agrada à compreensão,
Já que o autor desse embrulhado
É aqui este seu criado.”

     IV

"Não seja modesto, amigo
Que eu conheço bem do assunto
E com você aqui junto
Fica mais sério o que digo.
Sou Álvaro Souza Dutra,
Doutor em Literatura."

O gaiteiro estende a mão
A do outro tomando inteira:
“Sou um guasca da fronteira
Pra lhe servir, meu patrão.
Um campeiro de boa paz,
Desta estância capataz.”

“Mas me diga, por favor,
O que é que você cantava
Enquanto sua dor tocava:
Eram seus males de amor?
Se achar que sou indiscreto,
Nada diga de concreto.”

Bueno, eu lhe peço perdão,
De normal sou reservado.
Eu sou um tipo calado,
Não mostro a minha emoção,
E quando eu cantei aquilo,
Pensei que estava solito.

Se sofro, eu sofro comigo,
A minha dor não divido.
Tento não soltar gemido
E isso eu sempre consigo.
Pode doer, que sigo em frente,
Calado, firme e silente.

E o sofrimento que trago
Não logra me derrubar
E tendo que continuar,
A própria dor eu esmago.
É assim, patrão, que eu acho
Que deve sofrer um macho.

“Meu caro amigo gaúcho
Eu estou impressionado.
Como um poeta apaixonado
Consegue se dar ao luxo:
Não expor seu sofrimento
No mais agudo lamento?

Não chorar, nem escondido,
E engolir toda sua mágoa;
Não ter olhos rasos d’água
Se o coração foi partido.
O que é que temos aqui?
Um Alfred de Vigny?”

Ué, meu patrão, quem é esse,
O tal de Alfredo Devinhí?
Que ele nunca veio aqui,
Não é alguém que eu conhecesse.
Pelo nome é estrangeiro,
Nem parece brasileiro.”

“E tem razão, meu amigo
É da França e um grande poeta.
Tenho sua obra completa
Que trago sempre comigo.
Veja só este livro aqui:
É de Alfred de Vigny.

Veja aqui estes dois versos:
Parece você quem os fez.
Primeiro eu leio em francês
Depois traduzo de vez :

Quand on voit ce qu'on fut sur terre et ce qu'on laisse,
Seul le silence est grand; tout le reste est faiblesse.

Quando vemos o que fomos na terra e o que se deixa,
Só o silêncio é grande; todo o resto é fraqueza.”

Cuepucha, patrão, que lindo!
Bonito barbaridade...
E o que ele diz é verdade.
Não se deve andar caindo
Pelos cantos, como um fraco,
Que é mais embaixo o buraco.

Pois é: ‘o silêncio é grande
E todo o resto é fraqueza!’
Pra mim isso é fortaleza
De um macho que se garante.
Esse tal francês De Vigny
Seria mui bem-vindo aqui.”

“Pena que o homem nasceu
Há mais de duzentos anos.
Viveu sérios desenganos,
De um brabo câncer morreu.
Porém nunca se queixou,
Tudo firme ele aguentou."

CONTINUA...

Nenhum comentário:

Postar um comentário