MILTON MACIEL
“Bueno,
poeta não tem não,
Que é verso
de índio xucro.
Mas tô
saindo no lucro
Se lhe
agrada à compreensão,
Já que o
autor desse embrulhado
É aqui este
seu criado.”
IV
"Não
seja modesto, amigo
Que eu
conheço bem do assunto
E com você
aqui junto
Fica mais
sério o que digo.
Sou Álvaro
Souza Dutra,
Doutor em
Literatura."
O gaiteiro
estende a mão
A do outro
tomando inteira:
“Sou um
guasca da fronteira
Pra lhe
servir, meu patrão.
Um campeiro
de boa paz,
Desta
estância capataz.”
“Mas me
diga, por favor,
O que é que
você cantava
Enquanto
sua dor tocava:
Eram seus
males de amor?
Se achar
que sou indiscreto,
Nada diga
de concreto.”
Bueno, eu
lhe peço perdão,
De normal
sou reservado.
Eu sou um
tipo calado,
Não mostro
a minha emoção,
E quando eu
cantei aquilo,
Pensei que
estava solito.
Se sofro,
eu sofro comigo,
A minha dor
não divido.
Tento não
soltar gemido
E isso eu
sempre consigo.
Pode doer,
que sigo em frente,
Calado,
firme e silente.
E o
sofrimento que trago
Não logra
me derrubar
E tendo que
continuar,
A própria
dor eu esmago.
É assim,
patrão, que eu acho
Que deve
sofrer um macho.
“Meu caro
amigo gaúcho
Eu estou
impressionado.
Como um
poeta apaixonado
Consegue se
dar ao luxo:
Não expor
seu sofrimento
No mais
agudo lamento?
Não chorar,
nem escondido,
E engolir
toda sua mágoa;
Não ter
olhos rasos d’água
Se o
coração foi partido.
O que é que
temos aqui?
Um Alfred
de Vigny?”
Ué, meu
patrão, quem é esse,
O tal de
Alfredo Devinhí?
Que ele
nunca veio aqui,
Não é
alguém que eu conhecesse.
Pelo nome é
estrangeiro,
Nem parece
brasileiro.”
“E tem
razão, meu amigo
É da França
e um grande poeta.
Tenho sua
obra completa
Que trago
sempre comigo.
Veja só
este livro aqui:
É de Alfred
de Vigny.
Veja aqui
estes dois versos:
Parece você
quem os fez.
Primeiro eu
leio em francês
Depois
traduzo de vez :
Quand on voit ce qu'on fut sur terre et ce qu'on laisse,
Seul le silence est grand; tout le reste est faiblesse.
Quando
vemos o que fomos na terra e o que se deixa,
Só o
silêncio é grande; todo o resto é fraqueza.”
Cuepucha,
patrão, que lindo!
Bonito
barbaridade...
E o que ele
diz é verdade.
Não se deve
andar caindo
Pelos
cantos, como um fraco,
Que é mais
embaixo o buraco.
Pois é: ‘o
silêncio é grande
E todo o
resto é fraqueza!’
Pra mim
isso é fortaleza
De um macho
que se garante.
Esse tal
francês De Vigny
Seria mui
bem-vindo aqui.”
“Pena que o
homem nasceu
Há mais de
duzentos anos.
Viveu
sérios desenganos,
De um brabo
câncer morreu.
Porém nunca
se queixou,
Tudo firme
ele aguentou."
CONTINUA...
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