MILTON MACIEL
O sacerdote abaixou o braço e os seis
auxiliares puxaram as cordas ao mesmo tempo. De sob os panos brancos que as
cobriam, surgiram duas verdadeiras obras-primas, as estátuas de Hydna e Scylias,
de Scione – os maiores nadadores e mergulhadores de toda a história grega. Era
o ano de 480 AC e eles estavam no grande templo de Apolo, em Delphos, para
receberem a mais do que merecida homenagem.
Orgulhoso, o pai passou o braço musculoso pela
cintura de sua bela e atlética filha de 18 anos e falou, sorridente:
– Um magnífico trabalho, sem dúvida, minha
filha. Mas não faz justiça à sua beleza. Você é dez vezes mais bonita do que
esse mármore formidável, digno de um Fídias. Acho que só ele teria sido capaz
de representar você em todo o seu esplendor.
– Ora, pai, que importância tem isso,
quando nosso feito recebe dos Anfictiões uma homenagem de tal envergadura? Por
mim, podia ser apenas uma coluna de pedra e eu já estaria mais do que feliz e
glorificada.
E, enquanto ali, em frente ao Górgias,
sacerdotes e sacerdotisas entoavam hinos e moviam-se ritualisticamente, fazendo
a consagração das grandes estátuas, Hydna voltou rapidamente ao passado
recente, àquele dia da tempestade destruidora, a bordo de um dos trirremes da
frota do rei persa Xerxes. Quando os ventos começaram a fustigar as embarcações
e todos os grandes barcos da frota foram rapidamente ancorados à costas do
Monte Pélion, Scylias comentou com a filha:
– Xerxes é um louco, mandando fazer esta
manobra para o sul, ao longo desta perigosa costa da Eubeia. Era mais do que
certo que nos defrontaríamos com alguma grande tempestade como esta que está
vindo aí.
– Muito grande, pai?
– Sim, minha filha, arrasadora.
– Então pode ser a nossa grande chance.
– Sim, podemos fugir aos nossos captores
durante a tempestade. Eles jamais pensariam que nós somos mais loucos que
Xerxes e que podemos pular num mar tão revolto como vai ficar este em mais
alguns minutos.
– Ah, mas nós somos, sim, pai. Nós podemos
enfrentar qualquer mar, o senhor me ensinou isso desde que eu era criancinha.
Não foi à toa que eu passei mais de dez anos de minha vida mergulhando em
grandes profundidades e nadando mais de 5 furlongs (12 quilômetros) por dia,
sempre em sua companhia.
– Minha menina, minha grande companheira,
você é o orgulho do seu pai, a maior nadadora e mergulhadora de toda a Hélade.
Agora mesmo, dias atrás, quando mergulhamos para recuperar o tesouro afundado
de Xerxes, você demonstrou uma perícia e uma coragem que deixou todos os persas
estupefatos.
– Nós DOIS fizemos um trabalho magnífico,
pai. E recebemos uma boa parte do ouro recuperado.
– Que não vai nos valer de nada, porque
agora somos prisioneiros neste navio. E permaneceremos nessa condição enquanto
esta guerra não terminar. E o pior é que tudo indica que vai terminar com
Xerxes esmagando toda a Hélade. Só nesta frota existem mais de 200 navios. Como
os gregos poderão resistir?
– E pior ainda é que eles já se preparam
para a grande invasão por terra, estão concentrados nas Termópilas, depois de
terem arrasado o pequeno exército grego que lhes opunha resistência ali e
matado o grande Leônidas de Esparta, com seus 300 heróicos espartanos.
– Eram mil e quatrocentos homens, filha, nunca
esqueça que também heróicos foram os téspios e os tebanos, que se ofereceram
para ficar com os de Esparta, sabendo que teriam morte certa, o preço que
pagariam por retardar o avanço dos cem mil persas de Xerxes.
–
Tem razão, pai. Espero que a História não os esqueça. Graças ao
sacrifício de todos eles, os gregos tiveram tempo de reunir seus exércitos e
preparar a resistência. Mas com a chegada desta frota colossal, como será
possível resistir aos persas, meu pai?
– Será totalmente impossível, Hydna. Temos
que rezar aos deuses para que esta tempestade provoque danos muito sérios
nestes navios deles. Veja, olhe só o tamanho das ondas que estão se
aproximando. O dia está virando noite. Ah, que pena que eles tiveram tempo de
ancorar solidamente seus trirremes antes da tempestade!
– Se
não estivessem ancorados...
– Ah, filha, se chocariam uns com os outros
às dezenas, afundariam em grande número. E os que sobrassem ficariam
danificados demais para combater. Ah, se os deuses nos ajudassem!
– Pai: e se nós ajudássemos os deuses?
– Como assim, minha filha?
– Bem. Nós já estamos decididos a pular no
mar daqui a um instante e nadar até Artemísia, uns 6 furlongs, mergulhando
primeiro, para ficarmos ocultos aos persas e nadando depois. Isso significa
deixar todo o nosso ouro aqui, o que não nos importa, não é?
– Certo que não, filha. Mais importante é a
liberdade. E a honra: somos gregos e, se logramos escapar, podemos revelar a
nossos generais todos os planos dos persas. Só não estou entendendo o que você
quer dizer com “ajudarmos os deuses”. Como isso seria possível, se nós é que
precisamos de ajuda deles.?
– Ora pai, já que vamos pular nesse mar de
agonia, não precisamos ter pressa dentro dele. Não vamos levar nenhum ouro
certamente. Mas podemos levar nossas grandes facas de mergulho.
– Por Posseidon, minha menina! Você é um
gênio! Sim, nós podemos mergulhar a cortar as cordas de amarra, de âncora, de
um grande número desses grandes barcos.
– Nem precisa ser de tantos, pai. Cada um
deles que ficar solto neste estreito vai parecer um touro furioso, batendo
impiedosamente em muitos outros navios ancorados. E os persas nada poderão
fazer. Veja, as primeiras ondas já estão começando a cobrir o convés. É hora de
saltar! Vamos pegar as facas longas.
E agora, contemplando sua própria estátua
em Delphos, a linda mergulhadora grega pegou carinhosamente a mão de seu pai e
mestre. Ante seus olhos semicerrados desfilaram os minutos aparentemente
infindáveis em que ela e Scylias mergulhavam e voltavam à tona para respirar,
em meio ao mais terrível mar que já haviam enfrentado na vida. E a cada novo
mergulho, em meio a uma escuridão quase total, no limite de suas capacidades
respiratórias privilegiadas, mais uma grossa corda era cortada por ambos em
conjunto.
Os persas, em pânico, não conseguiam
entender porque tantos trirremes se soltaram, mas mais de trinta desses enormes
barcos estavam agora à deriva, provocando violentos choques estrondosos,
esfacelando-se e esfacelando um grande número de outros barcos. Um deles quase
apanhou os mergulhadores, esmagando-os contra um barco ancorado. Não fosse a
grande experiência de Scylias e ele não teria conseguido avisar Hydna a tempo
de mergulharem os dois muito fundo, para escapar do choque iminente.
Mas escaparam. Não só escaparam das vistas
dos persas, percorrendo uma grande distância sempre mergulhando, como nadaram
na tempestade por mais cinco furlongs até chegarem a Artemísia. Ali a população
os recebeu como heróis. Os planos dos persas foram revelados, dando tempo aos
gregos de saberem que iam cair numa armadilha, pois outra frota persa avançava
do norte para o sul. E Xerxes contava com espremer os navios atenienses entre
suas duas frotas.
Mas frota do sul estava agora arrasada! Um
único homem e uma única mulher, uma menina de dezoito anos apenas, haviam dado
cabo de dezenas e dezenas de trirremes que foram a pique. E os que sobraram
flutuando estavam tão danificados que levariam meses para serem recuperados.
Foi somente graças a essa intervenção dessa
filha e desse pai heróicos, que a frota grega foi capaz, pouco tempo
depois, de derrotar a armada Norte de
Xerxes na grande batalha final de Salamina.
Scylias olhou com ternura para sua menina,
tão mais bonita que aquela estátua maravilhosa ali à frente deles, em Delphos.
Sim, ela tinha razão. Eles é que tinham ajudado os deuses a ajudarem a Hélade
inteira.
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