MILTON MACIEL
81 – MAS HÁ UM MISTÉRIO MAIOR
Fim do cap. 80: "Ah, Fofa, que bobinha! Nem se deu conta que o jefe a enrolou para poder seguir com o seu mistério. É, mas agora grandes mudanças vão acontecer. É melhor que a gente se prepare, os tempos vão ser outros para todos. A hora de Celso Teles chegou!
Enquanto, na Teles
Automóveis, os assuntos eram fazenda e espanhol misterioso, na delegacia de
polícia de Amarante o mistério continuava sendo ainda o mesmo – quem matou
Valdemar Silva? Só que agora ele estava ampliado para quem matou o guarda
Narciso?
Mas a amplificação era
ainda maior, porque agora os policiais tinham que se perguntar: Quem matou o
empresário Pimenta? E quem matou a bela Lurdinha?
De um caso inicialmente
simples, da aparente morte natural de Valdemar Silva na cela, a coisa toda
tinha evoluído para algo que mais podia parecer a ação predatória de um serial killer, isso em plena pacata e
pacífica Amarante. Ou, mais provavelmente, da ação somada de um consumado serial killer, o próprio Silva, com a de
um ou mais agentes criminosos, aos quais seriam creditadas as mortes do Pitoco
assassino e do guarda Narciso. Sendo que qualquer deles poderia ser, também, o
possível assassino da moça Lurdinha. Que inferno!
Na sala do delegado
Oliveira, estavam os três policiais mais importantes da cidade no momento: o
próprio delegado, o carcereiro Mota e o estagiário Eurico. Cada um deles tratou
de apresentar seu relatório pessoal da tarde anterior. Mota foi o primeiro a
falar:
– Pois, doutor, eu
espremi o Ramiro Toco o que deu. Apertei o bandido para saber do tal veneno que
o Valdemar Silva sabia usar. Ele não se fez de rogado, abriu o jogo e me disse
mais ou menos assim:
– Olhe, eu não vou
esconder mais nada. O velho tá morto e eu tô mais do que ferrado com tudo o que
vocês já levantaram contra mim. Confessar uma morte mais, uma morte menos, não
vai mudar minha situação. Pois eu lhe digo: É verdade! O velho tinha mesmo uma
arma secreta. Ele se gabou disso pra mim um monte de vezes.
– Aí eu perguntei o que
era e o Toco respondeu:
– Era um veneno. Ele
falou que era um veneno que provocava ataque do coração. Aí o sujeito
empacotava e nenhum médico sacava que o cara tinha sido assassinado.
– Claro que eu indaguei
se ele sabia qual era o veneno, mas ele foi taxativo:
– Olhe, sargento, isso
ele nunca me falou. Disse que não era coisa pro meu bico. Que quanto menos
gente soubesse o que era e como se usava, mais seguro pra ele. E aí ele me
garantiu que só ele sabia usar. Ninguém mais. Bem, eu duvidei que a coisa
pudesse ser tão fácil assim e ele me disse uma coisa, já faz quase um ano. Ele
só falou: “Pois você só espere pra ver o que vai acontecer com um cara que vem
aqui me vender a transportadora dele. Espere só". Bom, acho que foi menos de um
mês depois que veio aquele homem de Rio dos Cedros e morreu no mesmo dia, de
noite, na casa do velho. Bem como ele tinha dito, o doutor atestou que a morte
foi natural, do coração.
– Então eu perguntei se o
Silva tinha comentado algo com ele depois disso. E o Toco falou:
– Sim, no outro dia,
antes de ir a Rio dos Cedros, buscar a viúva e acertar na volta os detalhes
do sepultamento do homem aqui mesmo em Amarante, tudo pago por ele, o Velho me
chamou de lado e segredou: “Viu só? Vai
duvidar agora?” Bem, claro que eu não duvidei mais, me convenci que o chefe
tinha essa arma nova, essa coisa misteriosa funcionava mesmo. Fiquei feliz.
– Beleza, Mota! Essa
morte, ao menos, está elucidada e comprovada. Você se lembrou de colher o
depoimento por escrito?
– Claro, chefe! Escrevi
tudo na hora e fiz o bruto assinar. Está aqui mesmo, olhe só.
O delegado e o estagiário
leram o depoimento oficial de Ramiro Toco e se deram por satisfeitos. Pelo
menos uma parte do caminho estava andada. Eurico comentou:
–
Bem, grandes progressos. Vamos resumir:
1
– Valdemar Silva trouxe o veneno para Amarante
2
–Valdemar Silva era quem sabia usar a bagulhada. Ele, somente ele e ninguém
mais do que ele.
3
– Valdemar Silva matou o concorrente na casa dele, por ocasião de um jantar.
4
– Alguém mais ficou sabendo sobre o veneno e o modo de usar a traquitana toda.
5
– O veneno foi usado para matar Lurdinha.
6
– O veneno foi usado, no fim, para matar o próprio Silva.
7
– Quem matou o Silva subornou e matou o guarda Narciso, pra queimar o arquivo.
Bem, acho que isso é tudo o que temos por enquanto.
O
delegado concordou e disse:
–
O que nos deixa na seguinte posição: o mais importante de tudo é tentar
descobrir quem aprendeu o segredo do veneno. O Valdemar contou e ensinou?
Ou a pessoa viu o cara usando a coisa no Pimenta? Ou descobriu apenas o veneno
e andou investigando por conta própria o que era e para que servia? E como se
usava, é claro.
Mota
observou, coçando a cabeça:
–
É doutor, uma confusão dos diabos! Tanta possibilidade...
Ao
que Eurico, um consumado otimista, respondeu, com um sorriso de orelha a
orelha:
–
Ora, Mota, a gente está muito melhor agora do que antes. Veja bem o que já
progredimos depois que gente ouviu o Alcebíades, da funerária. E o que você
arrancou do Ramiro Toco. E tudo isso somente ontem. Maravilha!
–
Sim – concordou o delegado Oliveira, com um sorriso mais amarelo – Isso já é bem
melhor do que o nosso salto no escuro anterior. A gente não tem certeza de quem
matou o Silva, mas já tem certeza que o Silva matou o Pimenta. E que alguém
descobriu o segredo do veneno (ou o Silva revelou por vontade própria) e acabou
apagando o Pitoco com ele.
–
E, no meio do caminho – acrescentou Mota, irônico – alguém apagou a Lurdinha do
mesmo jeito.
Aí estagiário Eurico assumiu ares mais pensativos e soltou esta, para
contrariedade do delegado:
–
Pois, minha gente, acho que isso que nós já descobrimos torna cada vez menor a
chance de que um homem tenha sido o criminoso.
–
Quem? – indagou Mota, interessadíssimo.
–
Adolfo Schlikmann, evidentemente!
O
delegado respondeu, contrariado:
–
E quem pode dizer que não foi pro Schlikmann que Valdemar Silva ensinou como se
usava o veneno 1080? É impossível?
Se
havia uma coisa de que Norberto Oliveira não conseguia se livrar era a
necessidade compulsiva de ver o alemão como matador de Valdemar Silva!
Resistiria até o último fiapo de argumento.
O
estagiário admitiu:
–
Não, chefe, impossível não é. Mas, cá pra nós, é bem difícil. A gente sabe que
os dois estavam meio estremecidos nos últimos tempos, só se reaproximaram por
causa do plano de matar Celso Teles. E aí a coisa foi muito rápida. Contrataram
o Jardes na sexta e ele disparou os tiros de festim em Celso no domingo.
–
E a chegada do veneno a Amarante, pelo que me disse o Ramiro Toco, tem quase um ano, chefe.
Oliveira,
cerrou o cenho, fez um muxoxo de contrariedade e insistiu:
–
É, mas a mim isso não convence. O nazistão segue tão suspeito quanto qualquer
outro.
Eurico
e Mota se entreolharam com um sorriso meio camuflado e sacudiram as cabeças
levemente. Estava na cara que o chefe deles jamais retiraria Adolfo Schlikmann
da posição de suspeito número um – e único – da lista dos responsáveis pela
morte de Valdemar Silva. Por isso resolveram voltar ao ponto em que todos
estariam de acordo. Mota comentou:
–
Bom, o importante agora é tratar de saber quem descobriu o segredo do veneno,
que só o Valdemar sabia.
O
delegado animou-se:
–
Isso mesmo, Mota. É aí que nós temos que concentrar nossas mentes. O que vocês
acham que pode ser a linha de investigação. Quem vocês acham que pode ser mais
suspeito?
–
Claro que a segunda pergunta é mais fácil, delegado: voltamos à mulher do Silva e
ao tal gerente de toda confiança, não é mesmo?
Mota
respondeu:
–
Isso mesmo, Eurico. Diva Silva, a Madame Silvá. E o gerente Natanael Bergonzi.
–
Estamos bem arrumados, se foi um deles, pessoal – comentou o delegado – nenhum
desses dois desgraçados está mais em Amarante. O gerente, em Pernambuco. A
madame, em Paris. Bela investigação sobrou pra nós!
Mas Eurico,
o otimista, não se entregou:
–
Investigação difícil, mas não impossível. E eu sugiro um primeiro passo, mais fácil
e mais acessível para nós:
O
delegado espreguiçou-se na cadeira, já bem desanimado, mas mesmo assim chegou a
perguntar:
–
E qual esse seu primeiro passo, rapaz?
–
Ora, o óbvio: vamos cair na cola desse Natanael Bergonzi!
–
Você suspeita dele? – quis saber Mota.
–
Ora, suspeito ou não suspeito, dos chegados ao Silva e que, portanto, tinha
chances de ouvir ou descobrir o segredo, é o único que está no Brasil. Então a
gente começa por ele. É isso.
–
Humm! – O delegado fechou os olhos para raciocinar melhor. Sim, faz sentido.
Até porque não temos mais nada para pegar no caso. As nossas entrevistas com
os médicos, ontem, foram frustrantes, não foram?
–
Sim, delegado. O seu sogro confirmou, olhando as fotos, que se recordava da cor
amarelada da Lurdinha, que, de fato, lembrava a do Silva, meses depois.
–
E você, entrevistando aquela toupeira do Doutor Bernardo, ficou sabendo que ele
não tinha notado nada de especial no “amarelo” que lhe cabia, o coitado do Pimenta.
Eurico
observou, um tanto sarcástico:
–
Pode ser que o cara seja meio tapado mesmo, doutor. Mas eu saí pensando que o
Silva pode ter pago por essa cegueira do médico. Pois a gente não ficou sabendo
que ele pagou pro cara mentir que mulher dele tinha caído da escada, quando ela
ficou toda estropiada do murro que levou daquele filho da puta? O Toco nos
contou essa história morrendo de rir, depois que teve certeza que o patrão dele
nunca mais ia incomodar ninguém.
O
delegado olhou para o teto pensativo:
–
Será? Pois olhe, eu não me admiraria, não. Só que, nesse caso, o médico se
tornaria cúmplice de um assassinato. E isso é gravíssimo. Deixa estar, vou
perguntar o que o meu sogro acha disso. Conforme for, a gente bota o cara na
fogueira também. E queima o rabo dele. Vamos esperar um pouco.
–
Bem, bem, vamos sair a campo, gente. Vamos começar logo a investigar esse gerente.
Ex-gerente, quer dizer. Posso dar a partida, chefe?
–
Claro, Eurico. Por onde você pretende começar?
CONTINUA
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