MILTON MACIEL
73 – MEGANEGÓCIOS-2
Fim do cap. 72: "Leon aprendera a lição bem aprendida. Para quem anda a pé, qualquer carrinho velho é uma Ferrari. Um Porsche, como ele tivera, parecia-lhe agora a coisa mais sem propósito deste mundo.
Nem bem
uma semana havia passado, quando Celso amanheceu todo esfuziante. Acordou
Larissa, que dormia a seu lado na grande cama de casal da casa dele e falou:
– Meu
amor, vou sair para a minha corrida. Vou e volto num pé só. Volto pro banho
aqui em casa. Você já sabe quanto tempo eu levo.
Larissa
se espreguiçou e gemeu como uma gata, fixando nele aqueles dois milagres de cor
impossível. E, ao modo de uma gata, ronronou:
– Só que
hoje não vai ser no chuveiro. Hoje o seu banho é na banheira. E eu vou estar
esperando dentro dela. Não gaste toda a energia na corrida, você já sabe o que
lhe espera.
A
excitação ao ouvir aquelas palavras sussurradas quase não deixou Celso sair.
Mas ele fez um esforço sobre-humano e se desprendeu daquele enlace apertado,
que não era de braços, mas de olhos. Atirou um beijo e saiu correndo desde o
quarto.
Hoje a
corrida valia prêmio! E o prêmio seria na grande banheira de hidromassagem.
Razão mais do que suficiente para que Celso Teles batesse seu próprio recorde
dos 12 km. Na verdade iria batê-lo certamente, mas ao chegar ali pela marca dos
5 quilômetros de distância de sua casa, o ponto de ônibus em frente à farmácia,
resolveu que ia apelar: fez meia volta e apertou o ritmo ao máximo, para chegar
logo e mergulhar nos braços de sua anjinha loira, que estaria aguardando esparramada
dentro da água morna e perfumada, à espera do amor.
Chegou,
assim, antes do prevista e Larissa o recebeu com palmas e gritinhos,
espadanando água da banheira. Celso passou por segundos na ducha, o suficiente
para livrar-se do suor e jogou-se por inteiro na banheira. Era a enésima vez
que faziam amor ali dentro, e era cada vez melhor. Celso acreditava que a
causa, para ele, havia sido aquele banho solitário que Larissa havia tomado
ali, meses atrás, enquanto "Dona Guiomar" cuidava de suas roupas embarradas.
Tanto
havia ele sonhado e fantasiado de estar com ela naquele banho memorável, que
depois, cada vez que isso acontecia de fato, era como a realização de um sonho,
algo que transcendia em muito o mero prazer. A fada inatingível daquela tarde
estava ali entre seus braços, delirando de amor. Bom demais pra ser verdade. E
o mais inacreditável... é que era!
Amaram-se
com a suavidade e a delicadeza que Larissa impunha naturalmente. Ela era como uma
estátua de uma deusa, tudo nela era não apenas belo demais, mas era delicado
demais. Amavam-se ao jeito dela, ao ritmo dela, usando todos os pontos de
entrada do corpo dela com igual deleite e calma. Até nisso Larissa era
diferente de todas as outras mulheres que Celso havia conhecido. Ela era
completamente natural, não tinha qualquer inibição ou receio, mas, ao mesmo
tempo, o sexo com ela tinha um ritual de leveza que ele nunca tinha vivido com
ninguém.
Nas suas
mãos de amante, as mulheres tinham assumido plenamente sua sexualidade e sua
liberdade, usufruindo prazeres e orgasmos intensos. Mas Larissa ia muito além
disso. Amava com o corpo, mas amava também com a alma. Com aquela alma superior
e tranquila que só ela possuía. E amava com os olhos, também!
E,
caramba, qual mulher, neste mundo inteiro de Deus, poderia dizer o que diziam
aqueles olhos impossíveis de existir, mas que existiam. Quantas vezes, em
plenos movimentos do amor, Celso não se desconcentrou do ritual físico porque
se sentia afundar no abismo daqueles olhos. E, pelos olhos de azul
água-marinha, fluía a o anjo. E Celso Teles sentia-se o maior privilegiado da
Terra, porque fazia amor com uma mulher que amava desesperadamente e era, em
troca, amado por um anjo de incomparável estatura.
Quando
enfim encerraram os ritos de amor e de banho e começaram a se vestir, Celso deu
a notícia a sua amada:
– Meu
amor, você lembra quem estava aqui em casa como hóspede, naquela tarde do seu
primeiro banho nesta banheira?
– Claro,
aquele japonesinho maravilhoso, seu Hiro. Aí, amor, como eu gostei dele!
– Pois
então hoje você vai ficar muito, muito contente. Por que Hiro Ito está chegando
esta manhã em Amarante.
– Seu
Hiro? Ooooba!!! E ele vem de carreta? Ai, diz que sim amor, diz que sim! Aí eu
alugo o coitadinho e vou passear de carreta de novo. Um tempão. Será que não é
abuso?
– Ah,
minha Fofa, desta vez ele veio de avião, veio para outros negócios. Nós vamos
tomar café com o japa, porque ele já deve estar chegando por aqui. O seu
padrinho se ofereceu para madrugar e pegar o homem lá no aeroporto de
Navegantes às seis e meia da manhã. Vamos nos aprontar, que o hoje o café é de gala, lá
na Teles Automóveis mesmo. A esta altura Carmen, com aquela eficiência absurda de
sempre, já deve estar com tudo mais do que pronto.
Chegaram
à empresa às sete e meia e Rondelli chegou com Hiro Ito às oito e quinze. Todo
o fã-clube de Hiro explodiu em abraços e sorrisos. Uma simpatia absoluta, com sua figurinha rotunda de peso pesado com pouco mais que um metro e meio, o
japonesinho tinha encantado todo mundo quando de sua primeira estada em
Amarante. A corte inteira estava presente, exceto Leon, que nessa manhã não
tinha aula com Lucas e estudava em casa.
O lauto
café da manhã foi servido bem à maneira alemã e italiana típica de Amarante.
Cucas sensacionais, da Confeitaria Schramm, só faltaram arrancar lágrimas dos
olhinhos puxados:
– Meu
Deus, é de comer de olhos fechados, é de comer ajoelhado, é de comer rezando!
Ai, ai, ai, vou levar mais cinco quilos daqui, como da outra vez.
– Coma,
japinha. Isso você não tem lá em Indaiatuba. E agora olhe só o que a Mariinha
está trazendo ali, quentinho, recém preparado:
–
Bolinho de ovo! Ah, Celso, você pensa em tudo, rapaz. Obrigado, obrigado. Não
repara turma, agora eu vou cair matando em cima dessa maravilha.
E, nos
minutos seguintes, Hiro san dividiu sua atenção gulosa entre os bolinhos de ovo
e as fatias de cuca. Até estar absolutamente sem espaço nem para um suspiro.
– Cara,
eu não tenho jeito mesmo, acho que vou passar mal esta manhã. Parece que eu
comi um boi com chifre e tudo.
– Ah,
Seu Hiro, não vai acontecer nada, essa sua barriguinha aí deve ter lugar para
uma boiada e meia – gozou a irreverente Paula, fazendo todos rirem, inclusive
Hiro, que quase sufocou.
Para
confirmar a teoria de Paula, depois disso tudo, ele ainda tomou duas xícaras de
café com leite e comeu um bolinho de saideira.
Paula
não perdoou:
– Viu
só! E a turma ainda está toda folgada aí dentro, seu Hiro.
Carmen
não resistiu:
– Ah,
menina, ainda estou pra ver alguém que me faça rir tanto quanto você, minha
palhacinha.
Findo o
café, conforme antes estabelecido, o pessoal se retirou para o trabalho,
ficando somente o japonês, Celso e Lucas. Quando Larissa quis levantar para ir
para o seu posto no salão, Celso não deixou, pegando-a pela mão:
– Não,
você fica, meu amor. Hoje nós temos novidades para você?
– Pra
mim?
– É, foi
por causa dos seus negócios que meu grande amigo Hiro Ito se abalou de
Indaiatuba para cá.
– Por
causa dos meus negócios? Que negócios?
– Sua
transportadora, Larissa – explicou Lucas. Esse é o seu grande
negócio nesta cidade.
– Ah, a
transportadora. Mas eu não tenho nada com aquele elefante, vocês e o Natanael
tomam conta de tudo.
– Sim,
meu amor, nós tomamos conta de tudo, mas isso não muda o fato que a empresa
pertence legalmente a você e sua mãe. A transportadora está bem, segue operando
normalmente, mas nem você, nem Dona Diva, nem eu mesmo temos interesse em
continuar com ela, não é verdade?
– Ah,
sim, sim, eu já tinha até esquecido disso. Claro, nós duas queremos vender a
empresa. O assunto do Seu Hiro é esse, por acaso?
– É esse
e não é por acaso, jovem Larissa – declarou Hiro san, todo sorridente – Não,
não é por acaso, é por sonho. Um grande sonho. E, também, por causa de uma
grande despedida.
–
Explique, tudo, japinha. Sem pressa.
– Bom, o
Celso está por dentro de tudo. Faz vários dias que a gente vem conversando por
telefone. Inclusive ele tem falado com meu pai diversas vezes. Acontece que o
velho Hanashiro Ito está cansado de produzir e vender grama para o Brasil todo.
Ele faz isso há mais de 50 anos. E agora ele resolveu que vai parar. E que vai
voltar para o Japão, para passar os resto dos anos que lhe restam em sua
pequena vila rural natal. Ele vem preparando isso faz tempo.
– Quanto
tempo, japinha?
Hiro revirou
os olhinhos, pensou bastante antes de responder:
– Olhe,
acho que pra lá de quatro anos. Já faz dois que ele foi ao Japão e conseguiu
comprar a propriedade onde nasceu. Ele ainda tem muitos parentes por lá. Então
agora ele já vendeu o seu negócio em Indaiatuba, por uma verdadeira fortuna,
para uns caras lá de Minas Gerais. Eles vão tocar o negócio. Vendeu porque eu
não quis ficar no ramo. Tenho trabalhado com meu pai desde garotinho, mas não é
esse o meu grande sonho de vida. Celso sabe, eu sempre quis ser caminhoneiro.
– É
verdade, desde que a gente era adolescente lá em Indaiatuba.
– Pois
então, como a gente tem muitas propriedades em Indaiatuba e Campinas e como a
venda do negócio deu uma baba de dinheiro, meu pai colocou tudo na minha mão
agora. Ele vai para o Japão, não precisa de muito, não vai ter mais negócio
algum, só quer paz e moleza para curtir a velhice.
– Claro,
Seu Hanashiro merece essa mais do que justa aposentadoria.
– Bem,
aí minha irmã e o cunhado ficaram com a fazenda de Campinas e as casas. E eu
fiquei com a grana toda da venda do negócio, do qual eu tinha uma parte, é
claro. E foi justo aí, nessa hora, que o Celso me pediu para ver se eu conhecia
alguém ali na região que se interessasse pela transportadora da Larissa. Pô, eu
delirei na hora, eu conhecia um cara: Eu! Já pensou Hiro Ito dono de uma
transportadora, não só de uma carreta? – a gente tem doze delas, que eu deixei
fora do negócio, assim que o Celso me falou do assunto. Vendemos tudo e eu
fiquei com grana para tentar comprar esta transportadora da família da Larissa.
– Mas faltou capital, é claro – observou Lucas.
– Sim,
faltou capital, mas aí o Celso me arranjou o que faltava.
– Você
fez isso, amor? Que lindo!
– Ué,
amigo é pra essas coisas. Assim eu conseguia atrair para cá o maior comedor de
bolinho de ovo do planeta. Só isso já vale a pena. Com esse título, quando o
japa morrer – de tanto comer, é claro – a gente manda empalhar e bota no museu
de Amarante. Vai encher de turista como nunca.
– Seu
engraçadinho! Mas é verdade, o Celso me arranjou o que faltava. A avaliação do
Lucas e do Natanael Bergonzi estava perfeita, a transportadora de fato vale
muito. Larissa e a mãe dela vão ter que suar muito para conseguir gastar toda
essa grana.
– O meu
pai dizia que nós duas íamos precisar três gerações pra gastar todo do dinheiro dele. Que até hoje eu nem sei quanto
era.
– Pois
vamos ver agora mesmo, meu anjo. Comece, Lucas, por favor.
E,
durante mais de uma hora, Lucas apresentou um por um todos os bens que já
tinham sido partilhados e os que ainda estavam em comum com a mãe. Larissa
levava surpresa após surpresa. A primeira relação que lhe fora apresentada,
logo após a morte de Valdemar Silva, era muito menor e incompleta, abarcara
praticamente só os bens que puderam ser partilhados de imediato com a mãe,
escapando do inventário. Agora a relação era completa e incluía alguns valores
que o pai conseguira manter escamoteados de diversas maneiras. Inalcançáveis só
o que estava em contas no exterior. Isso podia se considerar perdido, o segredo
morrera com o titular das contas.
A grande
transportadora era o maior de todos os bens, arrolada no inventário, mas com
uma autorização especial do Juiz Trindade para que pudesse ser negociada. Bem,
era exatamente isso o que estava para acontecer naquela manhã. Hiro Ito estava
ali para se tornar o novo dono da Real Grandeza. Se Larissa e Natanael
Bergonzi, como procurador de Diva Silva, concordassem e assinassem os
documentos, o japinha mudaria de mala e cuia para Amarante. Ele mesmo comentou
isso:
– Gente,
a coisa não é só trocar a grama pelo caminhão. É trocar a violência da região
de Campinas pela paz e a segurança desta cidade de vocês. Olhem vou dizer mais,
ficar perto deste carinha aqui, depois de perder contato com ele por tantos
anos, já vale a mudança para Amarante. Como eu estou montado na grana, mesmo
que a gente não feche negócio, eu vou mudar pra cá do mesmo jeito. Só pra
atazanar a vida do Celso Teles. Vocês vão ter que me engolir, como dizia o
velho Zagallo.
–
Japinha, meu velho, você é mais do que bem-vindo, cara. Juntos nós vamos engolir
é todos os ovos de Amarante, haja bolinho!
E,
sentados com estavam, os dois amigos trocaram um longo abraço. Larissa, é
óbvio, sentiu-se comover. Mais uma pessoa que se mostrava atraída por seu
maravilhoso chefinho, seu adorado amante. Ela continuava a alardear, toda feliz, com sua condição de amante do chefe.
O fato é
que a tarde daquele dia assistiu ao ato solene de assinatura do contrato de
venda da Transportadora Real Grandeza. Hiro, Celso, Lucas e Larissa passaram a
tarde na transportadora, vistoriando tudo e tendo uma longa conversação com
Natanael Bergonzi. Este, por diversas vezes, ligou para Diva Silva em Paris,
informando-a e consultando-a, até que ela se deu por satisfeita e autorizou a
assinatura de seu representante legal.
Embora
soubesse que a filha estava ali ao lado de Bergonzi e embora ouvisse Larissa a
conversa dele com sua mãe, nenhuma das duas manifestou qualquer interesse em
conversar com a outra. O que era passado, passado estava.
Ficou
acertado que Hiro voltaria na manhã seguinte e começaria a tomar contato com as
rotinas e com o pessoal da empresa. Natanael Bergonzi, convidado a continuar
como gerente da empresa, cargo que exercia há mais de 10 anos, foi bastante
claro:
– Peço
que os senhores me compreendam e desculpem. Mas vou aproveitar a oportunidade
para parar um pouco e voltar para a minha terra. Apesar desse sobrenome
italiano, eu não sou de Amarante e nem mesmo aqui do sul. Sou pernambucano de
Caruaru e é para lá que eu quero voltar agora. Tive a prudência de me manter
solteiro até hoje, por isso tenho boas reservas. Posso parar por um bom tempo e
me manter com meus investimentos. Fico mais um mês, fazemos minha rescisão e eu
vou embora no dia seguinte, podem ter certeza. Enquanto isso, é claro, o Seu
Hiro coloca gente comigo e eu treino e passo tudo para eles, com toda a boa
vontade.
Como
Celso e Lucas garantiram que dariam toda a retaguarda administrativa que Hiro
precisasse, até estar bem estruturado com sua própria equipe, o japonês ficou
tranquilo e aceitou os argumentos de Natanael Bergonzi. Apenas achou que aquele
era um homem moço demais para pensar em parar. Perguntou sua idade:
–
Quarenta e dois anos, seu Hiro. Bem vividos. Sou gerente aqui desde os meus
trinta e dois, sempre fui homem de total confiança do falecido patrão, que Deus
o tenha. Ele gostava muito de mim. E eu dele, é claro. Num certo sentido, Dona
Larissa, acho que fui a única pessoa em que seu pai confiou de verdade na vida.
Pelo menos ele me disse isso diversas vezes.
– De
fato, Natanael – respondeu ela – é uma pena que você não continue mais na empresa. Mas, é
claro, a gente compreende seus motivos, são muito justos.
–
Obrigado. A senhora é muito compreensiva.
No dia
seguinte, a grande bomba explodiu em Amarante
O jornal
local estampou a manchete sensacional: “Real
Grandeza vendida para grupo japonês!” E noticiava: “A maior empresa de
transportes da cidade, terceira do Estado, acaba de ser vendida para um
poderosíssimo grupo japonês. Até um executivo graduado do conglomerado
empresarial está na cidade, vindo direto do Japão, tendo sido visto em
companhia do empresário paulista Celso Teles. Comenta-se que possivelmente o
paulista saiba falar japonês, já que ele viveu alguns anos fora do Brasil.”
Lendo o
jornal, Celso e o japinha, riram de doer a barriga.
– Sim,
senhor, eu tive a honra de hospedar na minha humilde casa um grande empresário
japonês, vindo direto de Japão.
– E eu
tenho a honra de conversar em japonês com o grande paulista. Ha, ha, ha! Se
eles soubessem que nem eu falo japonês.
– E que
você é do Japão de Indaiatuba!
Celso, então, pediu licença ao amigo para se afastar, precisava ter uma reunião rápida com Rondelli, na oficina.
Pouco depois, Hiro
partiu para a transportadora já a bordo de um Toyota Camry zero quilômetro,
que comprou de Paula naquela mesma manhã, em menos de quinze minutos.
–
Afinal, disse ele, não fica bem um executivo vindo do Japão circular com carro
alemão ou brasileiro. Tenho que andar de carro japonês. E esse é o único
importado japonês que vocês têm. E vamos fechar logo esse negócio antes que o
Celso apareça e invente de me dar um preço especial lá pra baixo. Quero pagar o
que todo mundo paga. E pagar agora mesmo, à vista.
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