sexta-feira, 4 de março de 2016

LUA  OCULTA – 73   
MILTON MACIEL 

73 – MEGANEGÓCIOS-2 
Fim do cap. 72:  "Leon aprendera a lição bem aprendida. Para quem anda a pé, qualquer carrinho velho é uma Ferrari. Um Porsche, como ele tivera, parecia-lhe agora a coisa mais sem propósito deste mundo.

Nem bem uma semana havia passado, quando Celso amanheceu todo esfuziante. Acordou Larissa, que dormia a seu lado na grande cama de casal da casa dele e falou:

– Meu amor, vou sair para a minha corrida. Vou e volto num pé só. Volto pro banho aqui em casa. Você já sabe quanto tempo eu levo.

Larissa se espreguiçou e gemeu como uma gata, fixando nele aqueles dois milagres de cor impossível. E, ao modo de uma gata, ronronou:

– Só que hoje não vai ser no chuveiro. Hoje o seu banho é na banheira. E eu vou estar esperando dentro dela. Não gaste toda a energia na corrida, você já sabe o que lhe espera.

A excitação ao ouvir aquelas palavras sussurradas quase não deixou Celso sair. Mas ele fez um esforço sobre-humano e se desprendeu daquele enlace apertado, que não era de braços, mas de olhos. Atirou um beijo e saiu correndo desde o quarto.

Hoje a corrida valia prêmio! E o prêmio seria na grande banheira de hidromassagem. Razão mais do que suficiente para que Celso Teles batesse seu próprio recorde dos 12 km. Na verdade iria batê-lo certamente, mas ao chegar ali pela marca dos 5 quilômetros de distância de sua casa, o ponto de ônibus em frente à farmácia, resolveu que ia apelar: fez meia volta e apertou o ritmo ao máximo, para chegar logo e mergulhar nos braços de sua anjinha loira, que estaria aguardando esparramada dentro da água morna e perfumada, à espera do amor.

Chegou, assim, antes do prevista e Larissa o recebeu com palmas e gritinhos, espadanando água da banheira. Celso passou por segundos na ducha, o suficiente para livrar-se do suor e jogou-se por inteiro na banheira. Era a enésima vez que faziam amor ali dentro, e era cada vez melhor. Celso acreditava que a causa, para ele, havia sido aquele banho solitário que Larissa havia tomado ali, meses atrás, enquanto "Dona Guiomar" cuidava de suas roupas embarradas.

Tanto havia ele sonhado e fantasiado de estar com ela naquele banho memorável, que depois, cada vez que isso acontecia de fato, era como a realização de um sonho, algo que transcendia em muito o mero prazer. A fada inatingível daquela tarde estava ali entre seus braços, delirando de amor. Bom demais pra ser verdade. E o mais inacreditável... é que era!

Amaram-se com a suavidade e a delicadeza que Larissa impunha naturalmente. Ela era como uma estátua de uma deusa, tudo nela era não apenas belo demais, mas era delicado demais. Amavam-se ao jeito dela, ao ritmo dela, usando todos os pontos de entrada do corpo dela com igual deleite e calma. Até nisso Larissa era diferente de todas as outras mulheres que Celso havia conhecido. Ela era completamente natural, não tinha qualquer inibição ou receio, mas, ao mesmo tempo, o sexo com ela tinha um ritual de leveza que ele nunca tinha vivido com ninguém.

Nas suas mãos de amante, as mulheres tinham assumido plenamente sua sexualidade e sua liberdade, usufruindo prazeres e orgasmos intensos. Mas Larissa ia muito além disso. Amava com o corpo, mas amava também com a alma. Com aquela alma superior e tranquila que só ela possuía. E amava com os olhos, também!

E, caramba, qual mulher, neste mundo inteiro de Deus, poderia dizer o que diziam aqueles olhos impossíveis de existir, mas que existiam. Quantas vezes, em plenos movimentos do amor, Celso não se desconcentrou do ritual físico porque se sentia afundar no abismo daqueles olhos. E, pelos olhos de azul água-marinha, fluía a o anjo. E Celso Teles sentia-se o maior privilegiado da Terra, porque fazia amor com uma mulher que amava desesperadamente e era, em troca, amado por um anjo de incomparável estatura.

Quando enfim encerraram os ritos de amor e de banho e começaram a se vestir, Celso deu a notícia a sua amada:

– Meu amor, você lembra quem estava aqui em casa como hóspede, naquela tarde do seu primeiro banho nesta banheira?

– Claro, aquele japonesinho maravilhoso, seu Hiro. Aí, amor, como eu gostei dele!

– Pois então hoje você vai ficar muito, muito contente. Por que Hiro Ito está chegando esta manhã em Amarante.

– Seu Hiro? Ooooba!!! E ele vem de carreta? Ai, diz que sim amor, diz que sim! Aí eu alugo o coitadinho e vou passear de carreta de novo. Um tempão. Será que não é abuso?

– Ah, minha Fofa, desta vez ele veio de avião, veio para outros negócios. Nós vamos tomar café com o japa, porque ele já deve estar chegando por aqui. O seu padrinho se ofereceu para madrugar e pegar o homem lá no aeroporto de Navegantes às seis e meia da manhã. Vamos nos aprontar, que o hoje o café é de gala, lá na Teles Automóveis mesmo. A esta altura Carmen, com aquela eficiência absurda de sempre, já deve estar com tudo mais do que pronto.

Chegaram à empresa às sete e meia e Rondelli chegou com Hiro Ito às oito e quinze. Todo o fã-clube de Hiro explodiu em abraços e sorrisos. Uma simpatia absoluta, com sua figurinha rotunda de peso pesado com pouco mais que um metro e meio, o japonesinho tinha encantado todo mundo quando de sua primeira estada em Amarante. A corte inteira estava presente, exceto Leon, que nessa manhã não tinha aula com Lucas e estudava em casa.

O lauto café da manhã foi servido bem à maneira alemã e italiana típica de Amarante. Cucas sensacionais, da Confeitaria Schramm, só faltaram arrancar lágrimas dos olhinhos puxados:

– Meu Deus, é de comer de olhos fechados, é de comer ajoelhado, é de comer rezando! Ai, ai, ai, vou levar mais cinco quilos daqui, como da outra vez.

– Coma, japinha. Isso você não tem lá em Indaiatuba. E agora olhe só o que a Mariinha está trazendo ali, quentinho, recém preparado:

– Bolinho de ovo! Ah, Celso, você pensa em tudo, rapaz. Obrigado, obrigado. Não repara turma, agora eu vou cair matando em cima dessa maravilha.

E, nos minutos seguintes, Hiro san dividiu sua atenção gulosa entre os bolinhos de ovo e as fatias de cuca. Até estar absolutamente sem espaço nem para um suspiro.

– Cara, eu não tenho jeito mesmo, acho que vou passar mal esta manhã. Parece que eu comi um boi com chifre e tudo.

– Ah, Seu Hiro, não vai acontecer nada, essa sua barriguinha aí deve ter lugar para uma boiada e meia – gozou a irreverente Paula, fazendo todos rirem, inclusive Hiro, que quase sufocou.

Para confirmar a teoria de Paula, depois disso tudo, ele ainda tomou duas xícaras de café com leite e comeu um bolinho de saideira.

Paula não perdoou:

– Viu só! E a turma ainda está toda folgada aí dentro, seu Hiro.

Carmen não resistiu:

– Ah, menina, ainda estou pra ver alguém que me faça rir tanto quanto você, minha palhacinha.

Findo o café, conforme antes estabelecido, o pessoal se retirou para o trabalho, ficando somente o japonês, Celso e Lucas. Quando Larissa quis levantar para ir para o seu posto no salão, Celso não deixou, pegando-a pela mão:

– Não, você fica, meu amor. Hoje nós temos novidades para você?

– Pra mim?

– É, foi por causa dos seus negócios que meu grande amigo Hiro Ito se abalou de Indaiatuba para cá.
– Por causa dos meus negócios? Que negócios?

– Sua transportadora, Larissa – explicou Lucas. Esse é o seu grande negócio nesta cidade.

– Ah, a transportadora. Mas eu não tenho nada com aquele elefante, vocês e o Natanael tomam conta de tudo.

– Sim, meu amor, nós tomamos conta de tudo, mas isso não muda o fato que a empresa pertence legalmente a você e sua mãe. A transportadora está bem, segue operando normalmente, mas nem você, nem Dona Diva, nem eu mesmo temos interesse em continuar com ela, não é verdade?

– Ah, sim, sim, eu já tinha até esquecido disso. Claro, nós duas queremos vender a empresa. O assunto do Seu Hiro é esse, por acaso?

– É esse e não é por acaso, jovem Larissa – declarou Hiro san, todo sorridente – Não, não é por acaso, é por sonho. Um grande sonho. E, também, por causa de uma grande despedida.

– Explique, tudo, japinha. Sem pressa.

– Bom, o Celso está por dentro de tudo. Faz vários dias que a gente vem conversando por telefone. Inclusive ele tem falado com meu pai diversas vezes. Acontece que o velho Hanashiro Ito está cansado de produzir e vender grama para o Brasil todo. Ele faz isso há mais de 50 anos. E agora ele resolveu que vai parar. E que vai voltar para o Japão, para passar os resto dos anos que lhe restam em sua pequena vila rural natal. Ele vem preparando isso faz tempo.

– Quanto tempo, japinha?

Hiro revirou os olhinhos, pensou bastante antes de responder:

– Olhe, acho que pra lá de quatro anos. Já faz dois que ele foi ao Japão e conseguiu comprar a propriedade onde nasceu. Ele ainda tem muitos parentes por lá. Então agora ele já vendeu o seu negócio em Indaiatuba, por uma verdadeira fortuna, para uns caras lá de Minas Gerais. Eles vão tocar o negócio. Vendeu porque eu não quis ficar no ramo. Tenho trabalhado com meu pai desde garotinho, mas não é esse o meu grande sonho de vida. Celso sabe, eu sempre quis ser caminhoneiro.

– É verdade, desde que a gente era adolescente lá em Indaiatuba.

– Pois então, como a gente tem muitas propriedades em Indaiatuba e Campinas e como a venda do negócio deu uma baba de dinheiro, meu pai colocou tudo na minha mão agora. Ele vai para o Japão, não precisa de muito, não vai ter mais negócio algum, só quer paz e moleza para curtir a velhice.

– Claro, Seu Hanashiro merece essa mais do que justa aposentadoria.

– Bem, aí minha irmã e o cunhado ficaram com a fazenda de Campinas e as casas. E eu fiquei com a grana toda da venda do negócio, do qual eu tinha uma parte, é claro. E foi justo aí, nessa hora, que o Celso me pediu para ver se eu conhecia alguém ali na região que se interessasse pela transportadora da Larissa. Pô, eu delirei na hora, eu conhecia um cara: Eu! Já pensou Hiro Ito dono de uma transportadora, não só de uma carreta? – a gente tem doze delas, que eu deixei fora do negócio, assim que o Celso me falou do assunto. Vendemos tudo e eu fiquei com grana para tentar comprar esta transportadora da família da Larissa.

– Mas faltou capital, é claro – observou Lucas.

– Sim, faltou capital, mas aí o Celso me arranjou o que faltava.

– Você fez isso, amor? Que lindo!

– Ué, amigo é pra essas coisas. Assim eu conseguia atrair para cá o maior comedor de bolinho de ovo do planeta. Só isso já vale a pena. Com esse título, quando o japa morrer – de tanto comer, é claro – a gente manda empalhar e bota no museu de Amarante. Vai encher de turista como nunca.

– Seu engraçadinho! Mas é verdade, o Celso me arranjou o que faltava. A avaliação do Lucas e do Natanael Bergonzi estava perfeita, a transportadora de fato vale muito. Larissa e a mãe dela vão ter que suar muito para conseguir gastar toda essa grana.

– O meu pai dizia que nós duas íamos precisar três gerações pra gastar todo do dinheiro dele. Que até hoje eu nem sei quanto era.

– Pois vamos ver agora mesmo, meu anjo. Comece, Lucas, por favor.

E, durante mais de uma hora, Lucas apresentou um por um todos os bens que já tinham sido partilhados e os que ainda estavam em comum com a mãe. Larissa levava surpresa após surpresa. A primeira relação que lhe fora apresentada, logo após a morte de Valdemar Silva, era muito menor e incompleta, abarcara praticamente só os bens que puderam ser partilhados de imediato com a mãe, escapando do inventário. Agora a relação era completa e incluía alguns valores que o pai conseguira manter escamoteados de diversas maneiras. Inalcançáveis só o que estava em contas no exterior. Isso podia se considerar perdido, o segredo morrera com o titular das contas.

A grande transportadora era o maior de todos os bens, arrolada no inventário, mas com uma autorização especial do Juiz Trindade para que pudesse ser negociada. Bem, era exatamente isso o que estava para acontecer naquela manhã. Hiro Ito estava ali para se tornar o novo dono da Real Grandeza. Se Larissa e Natanael Bergonzi, como procurador de Diva Silva, concordassem e assinassem os documentos, o japinha mudaria de mala e cuia para Amarante. Ele mesmo comentou isso:

Gente, a coisa não é só trocar a grama pelo caminhão. É trocar a violência da região de Campinas pela paz e a segurança desta cidade de vocês. Olhem vou dizer mais, ficar perto deste carinha aqui, depois de perder contato com ele por tantos anos, já vale a mudança para Amarante. Como eu estou montado na grana, mesmo que a gente não feche negócio, eu vou mudar pra cá do mesmo jeito. Só pra atazanar a vida do Celso Teles. Vocês vão ter que me engolir, como dizia o velho Zagallo.

– Japinha, meu velho, você é mais do que bem-vindo, cara. Juntos nós vamos engolir é todos os ovos de Amarante, haja bolinho!

E, sentados com estavam, os dois amigos trocaram um longo abraço. Larissa, é óbvio, sentiu-se comover. Mais uma pessoa que se mostrava atraída por seu maravilhoso chefinho, seu adorado amante. Ela continuava a alardear, toda feliz, com sua condição de amante do chefe.

O fato é que a tarde daquele dia assistiu ao ato solene de assinatura do contrato de venda da Transportadora Real Grandeza. Hiro, Celso, Lucas e Larissa passaram a tarde na transportadora, vistoriando tudo e tendo uma longa conversação com Natanael Bergonzi. Este, por diversas vezes, ligou para Diva Silva em Paris, informando-a e consultando-a, até que ela se deu por satisfeita e autorizou a assinatura de seu representante legal.

Embora soubesse que a filha estava ali ao lado de Bergonzi e embora ouvisse Larissa a conversa dele com sua mãe, nenhuma das duas manifestou qualquer interesse em conversar com a outra. O que era passado, passado estava.

Ficou acertado que Hiro voltaria na manhã seguinte e começaria a tomar contato com as rotinas e com o pessoal da empresa. Natanael Bergonzi, convidado a continuar como gerente da empresa, cargo que exercia há mais de 10 anos, foi bastante claro:

– Peço que os senhores me compreendam e desculpem. Mas vou aproveitar a oportunidade para parar um pouco e voltar para a minha terra. Apesar desse sobrenome italiano, eu não sou de Amarante e nem mesmo aqui do sul. Sou pernambucano de Caruaru e é para lá que eu quero voltar agora. Tive a prudência de me manter solteiro até hoje, por isso tenho boas reservas. Posso parar por um bom tempo e me manter com meus investimentos. Fico mais um mês, fazemos minha rescisão e eu vou embora no dia seguinte, podem ter certeza. Enquanto isso, é claro, o Seu Hiro coloca gente comigo e eu treino e passo tudo para eles, com toda a boa vontade.

Como Celso e Lucas garantiram que dariam toda a retaguarda administrativa que Hiro precisasse, até estar bem estruturado com sua própria equipe, o japonês ficou tranquilo e aceitou os argumentos de Natanael Bergonzi. Apenas achou que aquele era um homem moço demais para pensar em parar. Perguntou sua idade:

– Quarenta e dois anos, seu Hiro. Bem vividos. Sou gerente aqui desde os meus trinta e dois, sempre fui homem de total confiança do falecido patrão, que Deus o tenha. Ele gostava muito de mim. E eu dele, é claro. Num certo sentido, Dona Larissa, acho que fui a única pessoa em que seu pai confiou de verdade na vida. Pelo menos ele me disse isso diversas vezes.

– De fato, Natanael – respondeu ela – é uma pena que você não continue mais na empresa. Mas, é claro, a gente compreende seus motivos, são muito justos.

– Obrigado. A senhora é muito compreensiva.

No dia seguinte, a grande bomba explodiu em Amarante

O jornal local estampou a manchete sensacional: “Real Grandeza vendida para grupo japonês!” E noticiava: “A maior empresa de transportes da cidade, terceira do Estado, acaba de ser vendida para um poderosíssimo grupo japonês. Até um executivo graduado do conglomerado empresarial está na cidade, vindo direto do Japão, tendo sido visto em companhia do empresário paulista Celso Teles. Comenta-se que possivelmente o paulista saiba falar japonês, já que ele viveu alguns anos fora do Brasil.”

Lendo o jornal, Celso e o japinha, riram de doer a barriga.

– Sim, senhor, eu tive a honra de hospedar na minha humilde casa um grande empresário japonês, vindo direto de Japão.

– E eu tenho a honra de conversar em japonês com o grande paulista. Ha, ha, ha! Se eles soubessem que nem eu falo japonês.

– E que você é do Japão de Indaiatuba!

Celso, então, pediu licença ao amigo para se afastar, precisava ter uma reunião rápida com Rondelli, na oficina.

Pouco depois, Hiro partiu para a transportadora já a bordo de um Toyota Camry zero quilômetro, que comprou de Paula naquela mesma manhã, em menos de quinze minutos.

– Afinal, disse ele, não fica bem um executivo vindo do Japão circular com carro alemão ou brasileiro. Tenho que andar de carro japonês. E esse é o único importado japonês que vocês têm. E vamos fechar logo esse negócio antes que o Celso apareça e invente de me dar um preço especial lá pra baixo. Quero pagar o que todo mundo paga. E pagar agora mesmo, à vista.

Paula explicou para Carmen, que deu o desconto regulamentar de 10% para clientes especiais. Quando Celso voltou da oficina, o japinha já tinha ido embora para sua nova empresa. E de Camry novo, ficou sabendo. Esse japinha! Sempre amigo, sempre ético. Não desmerecia o pai a quem tinha saído em tudo. Menos no apetite. Hanashiro Ito fora sempre frugal e magrinho a vida inteira. E continuava sendo, na borda dos 90 anos.




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