terça-feira, 15 de março de 2016

LUA  OCULTA – 78  
MILTON MACIEL 

78 – A MODELO NUA E SUAS REVELAÇÕES
Fim do cap. 77:  " Top secret, Seu Alcebíades. Sigilo absoluto.
– Claro, claro, contem comigo. Agora preciso ir pro escritório, com licença.

Os dois policiais ficaram na viatura, absolutamente eufóricos:

– Puta que pariu, rapaz, esse Mota é do cacete! Que sacada dele pensar logo no Trancoso! Olhe só o que este cara está nos poupando de tempo de investigação.

– E praticamente nos dando a solução do mistério, delegado: a coisa toda passa pelo Silva, eu tenho certeza.

– Pelo Silva ou por alguém da transportadora dele, não esqueça.

– Sim o senhor tem razão, estou me precipitando. Afinal o veneno foi usado no próprio Silva...

O delegado fez um sinal para o estagiário esperar e ficou pensando. Segundos depois falou:

– O primeiro amarelo era concorrente do Silva. Aí o cara vai lá e compra a transportadora da viúva por uma bagatela. Logo o suspeito é...

– Valdemar Silva na cabeça, chefe!

– É isso. Aí temos a moça grávida, que os mexericos disseram que andou com alguém da transportadora: o Silva mesmo ou o Bergonzi. O que pensar?

– Bem, chefe, a gravidez da moça só foi descoberta com a autópsia, era segredo. Por que? O Silva era casado e o Bergonzi era solteiro. Se de fato o pai era o Silva, ele tinha mais razões para eliminar a moça.

– Aliás, isso nos faz concluir, Eurico, que a Lurdinha não aceitou abortar, o que teria sido a solução mais simples do problema para o homem.

– Sim. E se ela não quis abortar, pode ter se tornado uma ameaça para o casamento do Silva. E aí ele...

– Mas tem uma coisa aí que não bate, Eurico. A gente ficou sabendo que o Silva enfiava os chifres naquela mulher dele na maior, sem se importar com ela, montões de vezes. Ela fazia que não dava bola, afinal ela é que não ia largar aquela grana toda por causa de ciúmes. E, de mais a mais, ter ciúme de um macaco feioso como aquele... tá na cara que ela casou com ele por causa da grana, é lógico.

– Pois é, fica meio fraca a hipótese de eliminar a amante grávida pra defender o casamento dele. Não era coisa do Silva.

– O que nos joga na hipótese Bergonzi, rapaz. Mas aqui a possibilidade é ainda mais fraca. O cara era solteiro. A mulher maior de idade. Solteira também. Nem tinha esposa, nem era obrigado a casar e reconhecer filho. Por que matar a amante, então?

– Que tal esta, delegado: Uma outra mulher elimina a moça grávida do seu homem: ou o Silva ou o Bergonzi.

– E aí vamos para a mulher do Silva, a tal Diva, que se mandou para Paris com aquela grana toda. Meio difícil, não é? Para ela era muito melhor matar logo o Silva diretamente e ficar com o dinheiro. Por que ia matar a amante do macaco?

– É verdade chefe. Aí sobra uma eventual amante do Bergonzi, com raiva da rival grávida.

– Pois é, Eurico. E aí ficamos nós às voltas com as fofocas todas de Amarante. "Quem come quem, eis a questão". Confesso que estou começando a detestar esta coisa de comadres... Ah, olhe, ali vem o Trancoso de volta. E vem com uma cara muito feliz. Oba, aprece que ele achou mais coisa! Tomara...

O denodado papa-defuntos, profissional emérito, trazia duas grandes pastas de documentos com ele. Entrou no banco de trás da viatura e esparramou-as no assento. Os policiais, que estavam no banco da frente, voltaram-se mais uma vez para trás, mortos de curiosidade.

– Meus amigos, aqui estão as pastas de cada um dos três amarelos. Dois deles passaram pelo Hospital Nossa Senhora da Conceição, vejam bem: O Silva e a Lurdinha.

– Oba, o do meu sogro! – festejou o delegado. E o outro, o tal concorrente do Silva? 

– Esse teve o atestado de óbito assinado pelo doutor Bernardo, dono do outro hospital, que era o médico do Silva.

– Mas esse homem, o tal Pimenta, não tinha a transportadora dele em Rio dos Cedros? Como é que foi morrer aqui em Amarante?

– Eu tenho a resposta bem aqui. Recortei e colei do jornal local, como sempre faço, saiu no dia seguinte à morte do homem. Deem uma boa olhada.

– Cacete, Eurico! Olha só, rapaz: Aqui está dizendo que o cara veio a Amarante a convite do Silva, para discutirem a venda da transportadora de Rio dos Cedros. Almoçaram juntos na churrascaria e, de noite, o homem foi jantar na casa do Silva. E foi ali que ele teve o infarto fulminante.

– Bingo! – exclamou o estagiário – Melhor pra nós, impossível, chefe.

– Sim, sim, foi o que eu pensei quando reli esta nota há pouco, lá dentro – falou Trancoso – Seria a oportunidade ideal para o Silva despachar o homem.

– Sim, como um concorrente teimoso, que não quisesse vender o negócio – observou Eurico.

O delegado contrapôs:

– Ou que quisesse vender pelo preço justo. E o Silva, muito ordinário, pode ter visto ali a chance de vir a negociar com uma viúva desesperada, sem noção de negócios para continuar e sem noção de valores, para pedir o preço certo.

Alcebíades Trancoso concordou:

– Olhem, conhecendo o Valdemar Silva como conheci durante décadas, sabendo o grande safado que ele era, estou mais com a ideia do delegado aqui. Ele era bem capaz de fazer isso mesmo.

– Bem, bem – continuou o estagiário – isso nos deixa cada vez mais perto de acreditar que quem trouxe o tal veneno para Amarante foi mesmo o Valdemar Silva. E, tudo indica, para apagar o concorrente Pimenta.

– Pimenta no rabo dos outros! – comentou rindo o delegado – Mas parece que estava ardendo era no do Silva.

– E ardeu mesmo no dele, chefe, porque no fim o feitiço virou contra o feiticeiro. Apagaram o Silva com o mesmo veneno.

– E a conclusão, rapaz, é que alguém ali mesmo, na casa ou na firma do Silva, ficou sabendo de tudo. Mas tudo mesmo: não só da existência, mas também de como se usa o tal raticida 1080.

Alcebíades Trancoso comentou:

– Alguém que viu o Valdemar Silva envenenar o concorrente.

Mas o estagiário foi além:

– Ou alguém que ajudou o Silva a matar o cara.

O delgado veio com outra possibilidade:

– Ou alguém que pode não ter ajudado nem visto, mas para quem o Silva confidenciou o que ia fazer o o que fez. E como se faz.
O estagiário aceitou a hipótese:

– E, nesse caso, parece que só há duas pessoas em quem o Silva confiaria um segredo desse porte: o mulher dele e o tal homem de máxima confiança.

– De novo o tal gerente, o Bergonzi! – observou Trancoso.

– Não, não, me desculpem! Se a gente pensar em cúmplice ou confidente para ações criminosas, o sujeito certo seria o Ramiro Toco, que a gente tem engaiolado lá na delegacia agora, depois que ele saiu do hospital do meu sogro.

– É, faz sentido, delegado. Que tal a gente dar uma ligada pro Mota e contar pra ele as novidades daqui? E pedir para ele dar um aperto no Toco. Aquele lá está tão fudido que qualquer colaboração que puder prestar para a gente pode ser um alívio de pena para ele.

O delegado aprovou:

– Valeu, boa ideia, Eurico. Espera aí, que eu já ligo pra ele. O coitado deve estar se roendo de curiosidade agora.

Então usou o celular e fez um rápido resumo da situação para o carcereiro. Pediu que ele interrogasse o assecla principal de Valdemar Silva e ligasse de volta assim que tivesse um resultado, positivo ou negativo.

E voltaram todos para o exame dos prontuários impecáveis da Funerária Paz do Meu Amor. Foi quando o igualmente impecável Alcebíades acabou confessando um pecado:

– Olhem, o que eu vou mostrar agora tem que ficar só entre nós. Eu, digamos, abusei um pouquinho. Mas juro que foi só uma coisa de senso estético, de veia artística. Não foi por malícia, não. Mas era um quadro tão bonito, que eu não pude deixar de imortalizar numa série grande de fotografias. Não é só o caixão, que ficou um luxo, realmente. Mas é que o manequim, quer dizer, a modelo... Bem, vejam por si mesmos:

E o papa-defuntos foi jogando sobre o assento do bando de trás da viatura uma sequência de fotos impressionantes. Ali via-se, sob os mais diversos ângulos e enfoques, um corpo de mulher jovem, escultural e completamente nu. De frente, de lado e de costas. E em close no rosto de boneca, em close nos seios e auréolas, em close nas nádegas e no delicado Delta de Vênus, de pelos castanhos muito claros.

– Pois é, me perdoem, mas eu não podia deixar escapar a oportunidade. Essa foi, em quase trinta anos de profissão, a mulher mais bonita que eu já tive em minhas mãos para o meu ofício fúnebre. Mas, falando em mãos, podem ter certeza, eu juro, estas mãos jamais desrespeitaram ou profanaram aquele monumento de corpo de mulher. Foram só os meus olhos, que ficaram deslumbrados. Extasiados, eu diria, até. Por isso eu quis gravar o que eu via para o resto da minha vida. Mas agora eu me entrego nas mãos de vocês. Acho que é meu dever mostrar estas fotos. E peço que vocês me compreendam e guardem este meu segredo, um dos raríssimos que eu tenho na vida.

O delegado tratou logo de tranquilizar o homem:

– Ora, Seu Alcebíades, é claro que a gente compreende. Afinal, somos homens também. E a moça, de fato, era uma pintura. Como é que um filho da puta tem a coragem de destruir uma obra-prima dessas? Além do que, se esse é o seu segredo, segredos muito maiores e mais graves o senhor teve e tem nas suas mãos agora e na farsa da morte do Celso. Segredos da polícia de Amarante. Ainda que a gente não lhe compreendesse, o senhor tem um crédito danado com a gente.

– Ah, o senhor me deixa aliviado, delegado. É verdade. Ficamos na base da troca, segredo por segredo e eu...

Nesse exato momento o delgado deu um grito:

– Ei! Esperem! Olhem só! Olhem só o que esta foto aqui, do busto da moça, está mostrando. E esta do rosto. Cacete! Olhem bem embaixo do narizinho lindo dela!

– Pô, é mesmo, delegado, as mesmas manchas vermelhas das fotos do corpo do Valdemar Silva! Quem aplicou o veneno em pó no Valdemar, já tinha feito ou viu fazer a coisa na garota!

– É isso, rapaz! Seu Alcebíades, o senhor caiu do céu pra gente. Bendita hora em que o senhor bateu estas fotos todas da menina. Agora não resta nenhuma dúvida, foi fluoracetato de sódio mesmo!

– Esse é o nome do veneno, doutor?

– Esse mesmo, seu Alcebíades. Fluoracetato de sódio, o raticida 1080 dos Estados Unidos, que hoje só é fabricado na China.

O auxiliar do delgado comentou:

– E que, ao que tudo indica, foi conseguido ou trazido pessoalmente por Valdemar Silva, para matar seu concorrente, o Pimenta, de Rio dos Cedros. E, pouco depois, voltou a ser usado para eliminar essa mulher maravilhosa, que estava grávida, dá pra ver bem a barriguinha dela.

– Mas veneno que acabou – acrescentou Trancoso – logo depois, tirando a vida do próprio Valdemar.

– E agora, delegado?

– Agora, meu caro Eurico, vamos levar a coisa com método. Vamos aos médicos! o Doutor Luzardo, meu sogro, desse eu me encarrego. Ainda mais que ele está a par de tudo que aconteceu com o Silva e acompanhou a autópsia feita pelo Dr. Krause. E você fica com o Doutor Bernardo, o médico do Silva, que atendeu o coitado do Pimenta na noite daquele fatídico jantar.


Então os dois policiais desdobraram-se em mesuras e agradecimentos ao incrível profissional Alcebíades Trancoso, o papa dos papa-defuntos catarinenses, quiçá de todo o Brasil. Despediram-se dele e foi cada um no encalço de um dos outros dois médicos emissores dos atestados de óbito dos “amarelos” restantes.

CONTINUA   

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