quinta-feira, 24 de março de 2016

LUA  OCULTA – 81  
MILTON MACIEL 

81 – MAS HÁ UM MISTÉRIO MAIOR
Fim do cap. 80:  "Ah, Fofa, que bobinha! Nem se deu conta que o jefe a enrolou para poder seguir com o seu mistério. É, mas agora grandes mudanças vão acontecer. É melhor que a gente se prepare, os tempos vão ser outros para todos. A hora de Celso Teles chegou! 

Enquanto, na Teles Automóveis, os assuntos eram fazenda e espanhol misterioso, na delegacia de polícia de Amarante o mistério continuava sendo ainda o mesmo – quem matou Valdemar Silva? Só que agora ele estava ampliado para quem matou o guarda Narciso?

Mas a amplificação era ainda maior, porque agora os policiais tinham que se perguntar: Quem matou o empresário Pimenta? E quem matou a bela Lurdinha?

De um caso inicialmente simples, da aparente morte natural de Valdemar Silva na cela, a coisa toda tinha evoluído para algo que mais podia parecer a ação predatória de um serial killer, isso em plena pacata e pacífica Amarante. Ou, mais provavelmente, da ação somada de um consumado serial killer, o próprio Silva, com a de um ou mais agentes criminosos, aos quais seriam creditadas as mortes do Pitoco assassino e do guarda Narciso. Sendo que qualquer deles poderia ser, também, o possível assassino da moça Lurdinha. Que inferno!

Na sala do delegado Oliveira, estavam os três policiais mais importantes da cidade no momento: o próprio delegado, o carcereiro Mota e o estagiário Eurico. Cada um deles tratou de apresentar seu relatório pessoal da tarde anterior. Mota foi o primeiro a falar:

– Pois, doutor, eu espremi o Ramiro Toco o que deu. Apertei o bandido para saber do tal veneno que o Valdemar Silva sabia usar. Ele não se fez de rogado, abriu o jogo e me disse mais ou menos assim:

– Olhe, eu não vou esconder mais nada. O velho tá morto e eu tô mais do que ferrado com tudo o que vocês já levantaram contra mim. Confessar uma morte mais, uma morte menos, não vai mudar minha situação. Pois eu lhe digo: É verdade! O velho tinha mesmo uma arma secreta. Ele se gabou disso pra mim um monte de vezes.

– Aí eu perguntei o que era e o Toco respondeu:

– Era um veneno. Ele falou que era um veneno que provocava ataque do coração. Aí o sujeito empacotava e nenhum médico sacava que o cara tinha sido assassinado.

– Claro que eu indaguei se ele sabia qual era o veneno, mas ele foi taxativo:

– Olhe, sargento, isso ele nunca me falou. Disse que não era coisa pro meu bico. Que quanto menos gente soubesse o que era e como se usava, mais seguro pra ele. E aí ele me garantiu que só ele sabia usar. Ninguém mais. Bem, eu duvidei que a coisa pudesse ser tão fácil assim e ele me disse uma coisa, já faz quase um ano. Ele só falou: “Pois você só espere pra ver o que vai acontecer com um cara que vem aqui me vender a transportadora dele. Espere só". Bom, acho que foi menos de um mês depois que veio aquele homem de Rio dos Cedros e morreu no mesmo dia, de noite, na casa do velho. Bem como ele tinha dito, o doutor atestou que a morte foi natural, do coração.

– Então eu perguntei se o Silva tinha comentado algo com ele depois disso. E o Toco falou:

– Sim, no outro dia, antes de ir a Rio dos Cedros, buscar a viúva e acertar na volta os detalhes do sepultamento do homem aqui mesmo em Amarante, tudo pago por ele, o Velho me chamou de lado e segredou: “Viu só? Vai duvidar agora?” Bem, claro que eu não duvidei mais, me convenci que o chefe tinha essa arma nova, essa coisa misteriosa funcionava mesmo. Fiquei feliz.

– Beleza, Mota! Essa morte, ao menos, está elucidada e comprovada. Você se lembrou de colher o depoimento por escrito?

– Claro, chefe! Escrevi tudo na hora e fiz o bruto assinar. Está aqui mesmo, olhe só.

O delegado e o estagiário leram o depoimento oficial de Ramiro Toco e se deram por satisfeitos. Pelo menos uma parte do caminho estava andada. Eurico comentou:

– Bem, grandes progressos. Vamos resumir:
1 – Valdemar Silva trouxe o veneno para Amarante
2 –Valdemar Silva era quem sabia usar a bagulhada. Ele, somente ele e ninguém mais do que ele.
3 – Valdemar Silva matou o concorrente na casa dele, por ocasião de um jantar.
4 – Alguém mais ficou sabendo sobre o veneno e o modo de usar a traquitana toda.
5 – O veneno foi usado para matar Lurdinha.
6 – O veneno foi usado, no fim, para matar o próprio Silva.
7 – Quem matou o Silva subornou e matou o guarda Narciso, pra queimar o arquivo. Bem, acho que isso é tudo o que temos por enquanto.

O delegado concordou e disse:

– O que nos deixa na seguinte posição: o mais importante de tudo é tentar descobrir quem aprendeu o segredo do veneno. O Valdemar contou e ensinou? Ou a pessoa viu o cara usando a coisa no Pimenta? Ou descobriu apenas o veneno e andou investigando por conta própria o que era e para que servia? E como se usava, é claro.

Mota observou, coçando a cabeça:

– É doutor, uma confusão dos diabos! Tanta possibilidade...

Ao que Eurico, um consumado otimista, respondeu, com um sorriso de orelha a orelha:

– Ora, Mota, a gente está muito melhor agora do que antes. Veja bem o que já progredimos depois que gente ouviu o Alcebíades, da funerária. E o que você arrancou do Ramiro Toco. E tudo isso somente ontem. Maravilha!

– Sim – concordou o delegado Oliveira, com um sorriso mais amarelo – Isso já é bem melhor do que o nosso salto no escuro anterior. A gente não tem certeza de quem matou o Silva, mas já tem certeza que o Silva matou o Pimenta. E que alguém descobriu o segredo do veneno (ou o Silva revelou por vontade própria) e acabou apagando o Pitoco com ele.

– E, no meio do caminho – acrescentou Mota, irônico – alguém apagou a Lurdinha do mesmo jeito.

Aí estagiário Eurico assumiu ares mais pensativos e soltou esta, para contrariedade do delegado:

– Pois, minha gente, acho que isso que nós já descobrimos torna cada vez menor a chance de que um homem tenha sido o criminoso.

– Quem? – indagou Mota, interessadíssimo.

– Adolfo Schlikmann, evidentemente!

O delegado respondeu, contrariado:

– E quem pode dizer que não foi pro Schlikmann que Valdemar Silva ensinou como se usava o veneno 1080? É impossível?

Se havia uma coisa de que Norberto Oliveira não conseguia se livrar era a necessidade compulsiva de ver o alemão como matador de Valdemar Silva! Resistiria até o último fiapo de argumento.

O estagiário admitiu:

– Não, chefe, impossível não é. Mas, cá pra nós, é bem difícil. A gente sabe que os dois estavam meio estremecidos nos últimos tempos, só se reaproximaram por causa do plano de matar Celso Teles. E aí a coisa foi muito rápida. Contrataram o Jardes na sexta e ele disparou os tiros de festim em Celso no domingo.

– E a chegada do veneno a Amarante, pelo que me disse o Ramiro Toco, tem quase um ano, chefe.

Oliveira, cerrou o cenho, fez um muxoxo de contrariedade e insistiu:

– É, mas a mim isso não convence. O nazistão segue tão suspeito quanto qualquer outro.

Eurico e Mota se entreolharam com um sorriso meio camuflado e sacudiram as cabeças levemente. Estava na cara que o chefe deles jamais retiraria Adolfo Schlikmann da posição de suspeito número um – e único – da lista dos responsáveis pela morte de Valdemar Silva. Por isso resolveram voltar ao ponto em que todos estariam de acordo. Mota comentou:

– Bom, o importante agora é tratar de saber quem descobriu o segredo do veneno, que só o Valdemar sabia.

O delegado animou-se:

– Isso mesmo, Mota. É aí que nós temos que concentrar nossas mentes. O que vocês acham que pode ser a linha de investigação. Quem vocês acham que pode ser mais suspeito?

– Claro que a segunda pergunta é mais fácil, delegado: voltamos à mulher do Silva e ao tal gerente de toda confiança, não é mesmo?

Mota respondeu:

– Isso mesmo, Eurico. Diva Silva, a Madame Silvá. E o gerente Natanael Bergonzi.

– Estamos bem arrumados, se foi um deles, pessoal – comentou o delegado – nenhum desses dois desgraçados está mais em Amarante. O gerente, em Pernambuco. A madame, em Paris. Bela investigação sobrou pra nós!

Mas Eurico, o otimista, não se entregou:

– Investigação difícil, mas não impossível. E eu sugiro um primeiro passo, mais fácil e mais acessível para nós:

O delegado espreguiçou-se na cadeira, já bem desanimado, mas mesmo assim chegou a perguntar:

– E qual esse seu primeiro passo, rapaz?

– Ora, o óbvio: vamos cair na cola desse Natanael Bergonzi!

– Você suspeita dele? – quis saber Mota.

– Ora, suspeito ou não suspeito, dos chegados ao Silva e que, portanto, tinha chances de ouvir ou descobrir o segredo, é o único que está no Brasil. Então a gente começa por ele. É isso.

– Humm! – O delegado fechou os olhos para raciocinar melhor. Sim, faz sentido. Até porque não temos mais nada para pegar no caso. As nossas entrevistas com os médicos, ontem, foram frustrantes, não foram?

– Sim, delegado. O seu sogro confirmou, olhando as fotos, que se recordava da cor amarelada da Lurdinha, que, de fato, lembrava a do Silva, meses depois.

– E você, entrevistando aquela toupeira do Doutor Bernardo, ficou sabendo que ele não tinha notado nada de especial no “amarelo” que lhe cabia, o coitado do Pimenta.

Eurico observou, um tanto sarcástico:

– Pode ser que o cara seja meio tapado mesmo, doutor. Mas eu saí pensando que o Silva pode ter pago por essa cegueira do médico. Pois a gente não ficou sabendo que ele pagou pro cara mentir que mulher dele tinha caído da escada, quando ela ficou toda estropiada do murro que levou daquele filho da puta? O Toco nos contou essa história morrendo de rir, depois que teve certeza que o patrão dele nunca mais ia incomodar ninguém.

O delegado olhou para o teto pensativo:

– Será? Pois olhe, eu não me admiraria, não. Só que, nesse caso, o médico se tornaria cúmplice de um assassinato. E isso é gravíssimo. Deixa estar, vou perguntar o que o meu sogro acha disso. Conforme for, a gente bota o cara na fogueira também. E queima o rabo dele. Vamos esperar um pouco.

– Bem, bem, vamos sair a campo, gente. Vamos começar logo a investigar esse gerente. Ex-gerente, quer dizer. Posso dar a partida, chefe?

– Claro, Eurico. Por onde você pretende começar?

– Vou agora mesmo pra firma que era do Silva. Conversar com todo mundo lá. Alguma coisa a gente sempre consegue arrancar. E, de qualquer forma, é melhor do que a gente ficar aqui filosofando com a bunda na cadeira. Fui!

CONTINUA

terça-feira, 22 de março de 2016

QUE POETAS EXISTAM, É PRECISO
MILTON MACIEL  (CELEBRANDO O DIA MUNDIAL DA POESIA - 21 DE MARÇO)

É preciso que os poetas falem roucos,
Livre, soltos, desmiolados, doidos, loucos;
Libertários,
Libertinos,
Temerários,
Pequeninos.
Gigantescos
Pelas rimas.
Arabescos
Suas sinas.

É preciso que os poetas cantem soltos,
Os seus ais de mares mansos ou revoltos.
Censurados,
Desamantes,
Desvairados,
Delirantes.
Desvalidos,
Estressados,
Esquecidos,
Mal-amados.

É preciso que os poetas digam tudo,
Almas tristes, desvalidas, estro mudo.
Sobranceiros,
Agourentos,
Traiçoeiros,
Peçonhentos.
Desdenhados,
Reprimidos,
Rejeitados
E esquecidos.

É preciso que os poetas gritem alto,
Por amarem, peito em lava ou frio basalto.
Sofrimento,
Esperança.
Sentimento,
Semelhança.
Diferença,
Concordância,
Desavença
Ou consonância.

Mistér se faz que eles existam, simplesmente,
Para gritar, por nós, o que nos vai na mente.
Solucem eles, por nós, o nosso canto
De amor, de desamor, de desencanto.
E que traduzam, infelizes, descontentes,
O que se oculta em nossas almas decadentes.

domingo, 20 de março de 2016

LUA  OCULTA – 80  
MILTON MACIEL 

80 – UMA COMPRA COM CARÁTER
Fim do cap. 78:  "– Então agora você já está entendo por que eu trouxe você. Esta fazenda já está certificada, você ganha dois a quatro anos de tempo. Basta que você corra na frente e compre esta propriedade!" 

– Eu? Nossa, você tem razão amor. Eu posso agora. Eu estou tão acostumada a nunca ter dinheiro minha vida toda, que continuo pensando como uma semimendiga, como meu pai me obrigava a pensar. Mas é verdade, eu posso comprar isto aqui, esta maravilha, este autêntico tesouro que o meu amor achou pra mim. Com certeza, com toda essa fortuna que vem para o meu nome, eu posso comprar isto aqui, por mais caro que seja.

– Não é caro, amor. O coitado do homem precisa vender logo, está praticamente torrando tudo. É um preço injusto e logo, logo, assim que a notícia correr, vem um desses fazendeiros grandes e compra isto aqui de olhos fechados. E depois, é claro, detona tudo. Não há nenhum produtor orgânico de porte em Amarante.

– Nossa, amor, quer dizer que, se eu comprar, eu protejo a área de algum possível predador, é isso?

– Pois é isso mesmo, minha adorada agrônoma.

– Sim, sim, querido. Independente do que eu vier a fazer aqui, eu salvo a certificação. E ganho essa tremenda vantagem, como prêmio.

– Isso mesmo, amor. Foi por isso que eu, além de trazer você aqui, já fiz uma reserva, assinei uma opção de compra com o corretor, que é o Paulo César, que você conhece. Quer dizer, se você quiser, a fazenda é sua, meu anjo!

– Ai, amor, amor! É claro que eu quero, eu quero sim! Ai, como você me entende, como você me ajuda, como você é o melhor homem do mundo, meu Celsinho adorado!

E, como fazia tantas vezes, Larissa literalmente saltou sobre Celso, montou nele com as duas pernas apertadas quase na cintura dele e o cobriu de beijos. O que fez sua temperatura subir de imediato.

Então Larissa, com a sua espontaneidade incontrolável, desceu de Celso, tomou sua mão e arrastou-o para o carro, já arrancando as roupas de ambos. Jogou-o com força no banco de trás do Corolla, empurrando-o pelo peito, e montou já quase nua sobre ele. Desta vez fizeram amor sem a marca registrada de Larissa, a delicadeza. Agora ela fervia de amor e de entusiasmo, de excitação e de gratidão. Ela tomou as iniciativas e cavalgou-o fogosamente, como uma amazona à sua montaria.
Quando estavam no segundo round, Celso falou, timidamente:

– Cuidado, amor, é melhor a gente não abusar. Tem o capataz por aqui, ele pode aparecer a qualquer momento. E aí, como é que fica?

Larissa, sem perder um segundo de atenção no que estava fazendo, falou com a maior naturalidade:

– Ora, se ele chegar, ele espera. A gente faz que não viu o homem e termina direitinho tudo o que tem que fazer ainda. Agora não dá pra parar, ele que tenha paciência. Ai... Amor... Ai...

O capataz não apareceu. Ufa, melhor assim, pensou Celso. Sua menina era espontânea demais, criança demais provavelmente, seria bem capaz de seguir fazendo amor na frente de um estranho, sem se importar, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.

Melhor mesmo que o homem não tivesse aparecido. Até porque ele sabia que Celso Teles era o comprador, que já era o novo dono.  Era melhor ir embora logo, combinar com o corretor Paulo Cesar para refazerem a transação já em nome de Larissa. E ele, Celso, pediria para Lucas liberar o valor suficiente de uma das contas de Larissa que eram administradas por ele e por Lucas.

Esse valor iria diretamente para a conta de Celso, que já havia pago à vista pela fazenda. E seu anjinho passaria a ser a dona da única fazenda de porte do município que tinha certificação orgânica. Ele ficou emocionado ao ver que Larissa estava fazendo a compra sem pensar em mais nada além de proteger a área e garantir que ela continuasse habilitada oficialmente para a produção orgânica. Que caráter, que princípios que tinha o seu anjo!

Mas, muito mais do que isso, ele já conseguia antever o que aquela fazenda de porte médio ia significar para o futuro de Larissa. E, segundo garantiam Maria Amália e Gládis De Rios, para o futuro de Amarante. Ali mesmo ia começar a carreira da futura Secretária de Agricultura e Abastecimento de Amarante. E de sua futura prefeita, em um tempo mais longínquo.

Voltaram para a Teles Automóveis, com Larissa comovidíssima agora, os olhos mais claros do que nunca, orvalhados de pequenas lágrimas de felicidade, brilhando como se tivessem luz azul própria. Uma luz daquele azul que não podia existir...

Ao chegarem, ela correu para suas amigas, para contar a grande novidade. Gládis se fez de surpresa, como de fato estavam todas as outras. Não disse uma só palavra para não furar, sem querer, a historinha que Celso Teles tivesse inventado. A Fofinha tinha que ser tratada de forma diferente, nem sempre a verdade podia ser-lhe apresentada de frente, nua e crua. Mesmo quando era uma verdade maravilhosa de se saber, como a daquele quase-presente de seu adorador.

Celso, por sua vez, correu para o telefone e, de sua sala, ligou para Paulo Cesar, para combinar a mudança dos documentos. Maravilha, tudo certo! No outro dia explicaria para sua anjinha porque havia mandado pagar um preço bem diferente daquele que o proprietário pedia. Ninguém como um anjo para entender isso. Ela estava animadíssima e tranquila quanto à compra, porque ele lhe dissera que havia assinado com o corretor uma opção de compra. Paulo Cesar confirmaria tudo amanhã.

Marcaram o encontro para duas da tarde, Celso fez questão de dizer que preferia passar, com Larissa, no escritório do corretor, ao invés de esperá-lo na Teles Automóveis. Como costumava explicar para seu pessoal, “Nós temos que prestigiar todo profissional, é uma questão de respeito. A gente não é melhor do que ninguém. ”

Esse era o milionário Celso Teles, a simplicidade em pessoa. E a honestidade e o caráter, também. Mais uma vez o comprovara horas atrás, ao fechar o negócio da compra da fazenda que seria, agora, repassada para Lissinha.

De fato, no dia seguinte, a caminho do escritório do corretor, Celso abriu o jogo com Larissa. Iam os dois muito contentes no impagável fusca laranja de Lissinha, por escolha de Celso, que, com isso, mostrava para sua anjinha o quanto gostava de tudo o que fosse dela. Muita gente na cidade estranhava ao ver aquela dupla de pessoas sabidamente muito ricas, andando num carrinho velho e chamativo. Ainda mais que tinham de acostumado a ver Larissa dirigindo impressionantes SUVs enormes. E que, mais incrível ainda, o homem era simplesmente o dono da maior revenda de automóveis da cidade, tinha um monte de carros de luxo importados a seu dispor, podia se exibir com qualquer Audi ou Mercedes que quisesse.

Ah, pensavam muitos, era de homens assim que Amarante precisava. Já pensou se esse cara vira nosso prefeito? É, sonhar não paga imposto...

No caminho, Celso explicou para Larissa:

– Meu anjo, a gente vai pagar um preço um pouco mais alto pela fazenda. Mais alto do que o dono está pedindo, compreende?

– Por que razão, meu querido?

– Porque a fazenda vale muito mais e o homem está torrando tudo porque precisa vender rápido. Eu não acho isso justo. Eu sou comerciante, ganho muito nas compras que faço, mas ganho por causa do volume das compras. Não porque eu me prevaleço da condição desesperada do vendedor. Nunca fiz isso na vida. E nunca vou fazer. Neste caso, o vendedor é o seu colega agrônomo e ele baixou o preço da fazenda em mais de 250 mil reais. Aí eu não aceitei o desconto, é claro.

– Meu amor, o que você disser para eu fazer, eu faço. Se você acha que deve ser assim, assim será. E, se eu estou entendendo direito, concordo totalmente cm você.

– Pois é, querida, a gente tem muito dinheiro. Precisa uma vida inteira para gastar tudo, se parar de trabalhar para ganhar mais. Então não é justo, não é ético, você se aproveitar e espremer uma criatura para ganhar mais um pouco numa transação. Veja, no caso desta fazenda, o coitado do seu colega não está conseguindo nem colocar o valor do enorme esforço que ele fez para conseguir a certificação orgânica. Está vendendo pelo preço da terra, mais as benfeitorias, menos o enorme desconto. Eu sou incapaz de me prevalecer dessa situação, minha moral não me permite que eu me aproveite assim em cima de um homem correto como esse, que investiu e valorizou tanto aquela propriedade. O que você me diz, amor? Fique à vontade, se você pensa diferente, a gente faz do jeito que você quiser.

– Larissa parou o caro de repente, enlaçou Celso entre seus braços, beijou-lhe os lábios com suavidade, E falou:

– Você é o homem mais correto deste mundo, meu amor. Há muito tempo eu já aprendi que, se a gente quer agir direito nesta vida, é só imitar o que você faz. É verdade, eu agora tenho uma quantidade enorme de bens, eu nem consigo imaginar direito o tamanho da coisa toda. E eu também não quero ser mesquinha. Se a fazenda vale o que você acha que vale, então é esse o preço que eu vou pagar. Nenhum centavo menos.

E voltou a tocar o carro em frente, até chegarem ao escritório do corretor Paulo Cesar. Ali as explicações e formalidades foram todas apresentadas e o contrato foi assinado, o corretor felicíssimo, não só com o fechamento do negócio, mas com o inesperado e inacreditável acréscimo de preço e comissão. Eram incríveis aqueles dois clientes riquíssimos! Jamais em sua vida ele havia visto algo assim: fazerem questão de pagar o preço justo, abrindo mão de 250 mil reais!

Imediatamente após, dirigiram-se todos no fusca para o tabelionato, onde a escritura foi lavrada no ato, gentileza da oficial Mara, em reconhecimento à importância da compradora e seu ‘noivo’; e em homenagem à inigualável e eterna Miss Amarante, agora a mais nova fazendeira do pedaço. Sim, lembrou-se ela, não era só capricho de riquinha: a moça era graduada em agronomia...

Quando voltaram para a empresa, enquanto Larissa ia, toda vibrante, mostrar a escritura para padrinho Rondelli e, depois, para Gládis e as outras moças, Celso atendeu uma ligação do exterior que o fez dar pulos de entusiasmo:

– Chefe?  – falou a eficientíssima telefonista Marisa Venturini, jovem amarantense de apenas 19 anos, que cursava contabilidade à noite – Ligação para o senhor. Chamada internacional. Don Diego Alarcon de Rivera, direto de Madri.

– Maravilha, Marisa. Passe logo. E avise todo mundo para me deixarem sossegado no escritório até eu parar de falar com esse camarada. Quando a ligação terminar, você avisa todo mundo que eu estou disponível de novo.

Na meia hora seguinte todo o estado-maior da Teles Automóveis, enquanto festejava a aquisição por sua Fofinha da única fazenda orgânica de Amarante, estava ligada na misteriosa ligação que corria a portas fechadas no escritório do chefe. Todo mundo ardendo de curiosidade, por causa da ordem que Celso havia dado à telefonista. Opa, alguma novidade muito importante estava no ar. O que seria?

Imediatamente todos, principalmente Larissa, começaram a bombardear Gládis De Rios com perguntas:

– Quem é esse espanhol, Gládis? Você sabe.

– Não sei nada, dona Fofinha. Nadinha mesmo.

Hijita, essa carinha e esse sorrisinho eu conheço, sua danada. Vamos, conte pra gente quem é o homem, o que está rolando lá no escritório do Celso?

– Ai, mamita! Se o Celso não falou nada para ninguém, é porque ele quer que a coisa fique assim, ele vai revelar quando achar conveniente. Lembram quantos anos ele levou para contar que era o Romano do Milan? Por favor, eu não tenho direito de fazer isso com meu jefito adorado. Perguntem para ele. Eu não sei nada e pronto.

Era evidente que a bruxinha do bem já sabia. Mas tiveram que se conformar, dali não sairia nenhuma informação. Larissa foi a primeira a reconhecer e valorizar a atitude de sua amiga e musa inspiradora:

– Muito bem, Gládis. Você tem razão. Lealdade é uma coisa tão nobre! Vindo de você, não se pode esperar outra coisa. Eu vou contar pro Celso a carga que a gente fez sobre você e como você resistiu ao nosso ataque cruel. Ele vai adorar.

Grácias, chiquita – respondeu Gládis, fazendo um afago no rostinho mimoso de sua protegida. Tenham paciência. E tenham modos, nada de ficar crivando o jefito de perguntas.

Celso apareceu minutos depois, sorridente e enigmático. Nada comentou. E, por causa das palavras de Gládis, ninguém – nem mesmo Larissa Silva – perguntou nada sobre o misterioso telefonema. Ele imediatamente entrou no assunto da fazenda da Fofinha e do que poderia ser feita ali, segundo as ideias da nova proprietária.

Lissinha levantou voo e passou a falar animadamente sobre suas primeiras concepções, que estavam ainda mais para sonhos do que para planos. Celso deu corda total a tudo isso e sugeriu que ela trocasse ideias com Lucas, cuja presença mandou solicitar na mesma hora, Então deixou Larissa entusiasmada a discutir possibilidades e ideias com o administrador e pediu licença para se retirar.

Saiu todo sorridente e caminhando como se andasse sobre nuvens. Gládis de Rios olhou para ele e depois desviou sua atenção para a eufórica Larissa. Ah, Fofa, que bobinha! Nem se deu conta que o jefe a enrolou para poder seguir com o seu mistério. É, mas agora grandes mudanças vão acontecer. É melhor que a gente se prepare, Os tempos vão ser outros para todos. A hora de Celso Teles chegou!

CONTINUA


sexta-feira, 18 de março de 2016

LUA  OCULTA – 79  
MILTON MACIEL 

79 – UMA ORGÂNICA SURPRESA!
Fim do cap. 78:  "Então os dois policiais desdobraram-se em mesuras e agradecimentos ao incrível profissional Alcebíades Trancoso, o papa dos papa-defuntos catarinenses, quiçá de todo o Brasil. Despediram-se dele e foi cada um no encalço de um dos dois médicos emissores dos atestados de óbito dos “amarelos” restantes." 

Naquela manhã, bem antes que o delegado e seu aprendiz de feiticeiro fossem ter com o respeitado papa-defuntos Alcebíades Trancoso, em sua Funerária Paz do Meu Amor, Celso Teles apareceu na empresa com mais uma de suas surpresas fulminantes. Eram onze da manhã quando ele falou para sua anjinha loira:

– Meu bem, você agora vai ter que sair comigo. Tenho uma surpresinha para você. Não é grande coisa, mas acho que você é até capaz de gostar. Vamos lá?

Larissa apanhou a pequena bolsa e correu para o estacionamento, muito à frente de Celso, mostrando a impetuosidade de uma criança que dispara na corrida para ganhar um brinquedo novo. Gládis, que a tudo assistia, falou para Celso:

– Ai, jefito, cuidado com ela, pra ela não cair. Ela vai desmaiar com certeza, é muita coisa pra ela aguentar, você sabe.

– E você já sabe o que é, sua feiticeira?

– Ora, é claro que sei, não é! Senti na hora que você ia abrir a boca, quando chegou. Mas vá devagar, não diga de repente, deixe ela se acostumar, gostar do lugar, ficar com vontade de ter uma coisa igual ou parecida, ter ela mesma a ideia de comprar algo assim. Sabe, com a Lissinha não é uma boa ideia dar surpresas do jeito que você adora. Não quando se trata de uma coisa tão grande e importante assim, que significa quase que a vida para ela.

– Puxa, espanholita, agora você me deixou meio em dúvida. O que eu faço, então?

– Agora vá em frente, chefe, não tem mais como voltar atrás. Mas faça como eu lhe disse, diga que é de um amigo ou cliente, que você quer que ela veja uma com bastante tempo para andar por tudo. No caminho, já lá dentro, diga que é para ver se ela gostaria de ter uma coisa assim. E deixe o resto vir naturalmente. Não fale de cara que você já comprou e quer dar de presente para ela. Está errado. Deixe que ela queira comprar. E que ela compre, com o dinheiro dela. Corrija o seu erro, erro de homem apaixonado, cego dos dois olhos e da cabeça.

Celso encostou na parede, meneou a cabeça e suspirou:

– Caramba, espanholita, o que ia ser de mim – e do meu amor – se não fosse você? Sua bruxinha, você tem toda a razão, toda razão deste mundo! Olhe só a barbeiragem que eu ia fazer! Que bola fora ia ser, se eu não desse a sorte de você estar aqui, justo agora, quando eu vim procurar Lissinha. Claro, ela é que tem que querer, querer a tal ponto que queira comprar. E com o dinheiro dela, que é até maior do que o meu.

– Isso, chefe, deixe que ela queira, decida, compre, pague. Se for um presente, nunca vai ter o mesmo valor. Neste caso, dê algo diferente, depois! Plantas, por exemplo.

Celso fez que sim com a cabeça, agradeceu mais uma vez e apressou-se a sair, pois Larissa já estava há um bom tempo esperando junto ao Corolla fechado.

Quando o carro começou a andar, Larissa, toda entusiasmada e impaciente começou o interrogatório:

– É de comer, amor?

Celso sacudiu a cabeça, rindo:

– Ah, mas não é mesmo; pelo menos, por enquanto, não recomendo...

– De vestir, então?

– Não, senhora.

– Livro! Adoro livros. É livro?

– Não é, mas você vai precisar de muitos livros por causa disso.

– Ai, amor, assim você me deixa perdida. E mais louca de curiosidade ainda.

Celso aproveitou pra começar a corrigir seu erro:

– Olhe, meu amor, não é bem um presente desse tipo. É só uma sugestão, uma coisa eu quero que você veja e conheça. O presente é só isso, é levar você num certo lugar. Um lugar que eu acho que você vai adorar. Esse é o presente. Então não precisa ficar se atormentando, tentando adivinhar. Não é uma coisa, é um lugar.

– Ah, então eu vou ficar bem quietinha e esperar. Até porque a gente está saindo da cidade, agora. É noutro município? Jaraguá?

– Minha anjinha, lá vem você com suas adivinhas de novo. Espere um pouco mais, a gente chega lá em menos de quinze minutos agora. Vá apreciando a passagem, aqui começa a zona rural. Veja só que beleza.

Larissa voltou-se para sua direita e imediatamente seu olhar se deixou espraiar por todo a belíssima paisagem de um campo de pastagem, entremeado por algumas árvores e um lago paradisíaco. Seus pensamentos começaram a voar e a agrônoma que existiu sempre dentro dela, desde garotinha, assumiu o controle. Encantada com a as coisas que ia vendo e anotando mentalmente, esqueceu completamente de voltar a importunar seu companheiro com mais perguntas. De vez em quando ela falava algo, às vezes mais para si mesma, outras para chamar a atenção de Celso para alguma coisa diferente ou bonita:

– Um monjolo! Um monjolo, amor! Há quantos anos que eu não via um! Que massa!

Ou, pouco depois:

– Olhe só, amor, que riachinho mais lindo! E a pontezinha, então! Parece de cartão postal. A gente pode parar aqui um pouquinho?

Paravam, desciam, Larissa se deliciava, molhava os pés, batia fotos com o celular. Depois seguiam em frente, ate que ela pedisse pra parar em algum outro ponto que a entusiasmasse. Como aconteceu, quando viu um pórtico imponente de entrada em uma propriedade, à beira do asfalto:

– Ai, amor, olha só que portão mais lindo, que pórtico! E a estradinha que leva para dentro, que máximo. Toda de arbustos, estes aqui se chamam sansão-do-campo, viram uma tremenda cerca viva. Que gente mais caprichosa, mais de bom gosto, que fez isto aqui. Parece que é de uma fazenda grande.

– É, sim, meu anjo. É de uma fazenda de um conhecido nosso. Pois é aqui o nosso destino hoje. A gente veio visitar esta propriedade. Eu tive a ideia de trazer você para ver uma fazenda que é um verdadeiro modelo para esta região. É de gado de leite. E tem árvores frutíferas também.

Larissa saltou no pescoço de Celso e cobriu seu rosto e lábios de beijos:

– Ai, amor, que presente mais lindo que você me deu! Eu vou adorar, vou adorar. Muito obrigada, querido.

E correu para destravar a porteira, para deixar o carro passar. E, para não perder a oportunidade de fazer sua molecagem, pulou sobre a porteira e deixou-se levar por ela, enquanto ela se abria a favor da gravidade.

– Ui, delícia! Eu adorava fazer isso quando era criança. Padrinho Fúlvio me levava escondida na chácara de um pessoal conhecido dele, só para eu poder brincar assim numa porteira que tinha lá. Minha mãe nunca que ia deixar, é claro. Posso fazer mais, amor? Será que não aparece pessoal da fazenda e acha ruim?

– Claro, Lisinha. Quantas vezes você quiser. Nós temos todo o tempo do mundo. E não vai aparecer ninguém, não. Fique à vontade.

E riu satisfeito. Ora, quem haveria de reclamar, se desde 40 horas atrás, o dono da fazenda era ele mesmo!

Larissa balançou-se na porteira pelo menos umas dez vezes, até achar que já estava abusando. Então pediu que Celso passasse com o carro, passou a pé, e trancou a porteira de novo.

De novo no carro, percorreram certa de 800 metros entre árvores e arbustos que margeavam a estradinha de entrada. De repente, esta fez uma curva suave e desembocou... numa visão de puro êxtase para Larissa!

Dali se descortinava todo um complexo montado para a produção de leite. Larissa reconheceu de imediato a construção sólida da sala de ordenha, com suas ordenhadeiras meticulosamente suspensas. Viu atrás a grande lagoa de decantação, usada para receber os resíduos da limpeza diária da sala, gerando material para fertirrigação. Ao lado desta viu os inconfundíveis piquetes de pastejo rotativo Voisin, matéria que a tinha tanto encantado no curso de agronomia.

Todos sabiam que Larissa Silva tinha feito e completado o curso, graduando-se engenheira agrônoma. O que ninguém comentava, no entanto, é que ela tinha sido sempre a melhor estudante do seu curso, fechando todos os anos com o primeiro lugar na turma. Pra ela, concretamente, nunca qualquer colega ou professor pôde aplicar a brincadeira maldosa da “loira burra”.

A própria Larissa eximia-se de comentar essa sua condição de super-estudante. Claramente porque não gostava de ser mostrar melhor que os outros em nada. Isso tinha a ver com a marca indelével que sua beleza extrema provocava, fazendo com que as pessoas só visem nela o seu aspecto exterior. Tal coisa a contrariava demais, porque lhe trazia de volta a a insuportável carga dos seus tempos de menina-beleza e de Miss Amarante.

Detestando ser tão bela, fechava-se em copas, porque sabia que os homens todos viriam se insinuando de todas as formas, das sutis e galantes até às mais grosseiras e as que assumiam a detestável forma de assédio. Por outro lado, ela sabia muito bem, desde menininha, que essa mesma embalagem exterior praticamente lhe cortava toda possibilidade de ter amigas sinceras. Para acrescentar mais peso à sua condição, ainda havia a de ser “a menina mais rica da cidade”, a que tinha o carro mais imponente, E, claro, a eterna Miss Amarante.

Ela cresceu, portanto, detestando ser considerada uma “exibida”, uma narcisista, como os outros pareciam considerá-la. E, por idêntica razão, não falava de sua condição de melhor aluna da turma, de agrônoma premiada na solenidade de formatura com um brasão da Faculdade. Acreditava que isso também a faria parecer “exibida”, metida.

Mas, como aluna aplicadíssima, leitora ávida e executante de todas as práticas que o curso lhe permitiu, era-lhe fácil reconhecer que estava numa fazenda de leite. Viu, ao longe, que havia um bosque de árvores em alinhamento simétrico, uma evidente plantação de árvores frutíferas, que não conseguiu reconhecer devido à distância.

A moça deixou Celso terminar de estacionar o carro e se precipitou correndo em direção à sala de ordenha da fazenda. Viu que ela estava escrupulosamente limpa e bem arrumada. Mas, em toda pastagem visível dali, não se avistava nenhum animal. Quando Celso chegou enfim ali, ela lhe perguntou:

– Amor, você sabe onde estão as vacas? Porque esta é uma fazenda de leite, é evidente. Aqui é a sala de ordenha. Onde estão os animais. Há outro campo mais adiante?

– Os animais foram todos retirados. Vendidos. Na verdade, querida, esta fazenda estava à venda. É, de fato, uma fazenda de produção de leite B. Eu achei que você iria gostar de vê-la, porque ela é muito bem organizada e pertence ao um colega seu, um agrônomo de Minas Gerais, que esteve pouco tempo por aqui. Montou a fazenda, com a pastagem e o pomar de frutas, que eu não sei quais são. Mas o homem foi fazer um curso no exterior, na Holanda e vai ficar mais de três anos lá. E aí, coerente com o ditado que diz que o olho do dono é que engorda a boiada, decidiu vender a propriedade, de porteira fechada. Mas vendeu todos os animais antes de colocar tudo à venda, para que eles não ficassem maltratados na ausência dele.

– Taí um cara decente! Ele já foi embora?

– Não tenho certeza, mas acho que já foi. Mas deixou um procurador, é claro, encarregado da propriedade e da venda. Ah, e aqui tem um capataz, um cara que dizem que é muito decente, que mora numa das casas daqui com a família.

– E tem casas aqui? Onde?

– Ah, para ver as casas, você tem que entrar no carro de novo. Vamos até lá?

Larissa voou para o carro e saltou dentro dele. Celso dirigiu por cerca de um minuto só, lentamente, e chegou em outro ponto, ainda mais elevado, de onde se podia ver um complexo de casas. Havia cinco delas de menor porte e, um pouco mais afastada, uma evidente casa-sede, com piscina. Era uma construção térrea, muito moderna.

Larissa comentou:

– Acho que ele já encontrou essas casas construídas aqui, não foi? Porque é dureza você construir tudo isso, fazer uma sede maravilhosa dessas, e ter que ir embora, deixando tudo pra trás, vendendo sabe-se lá por que preço. E ainda investir tudo o que ele investiu em formação, pastos, pomar, galpões, lagoa...

– Pois foi o homem mesmo que fez tudo. Levou uns três anos montando e construindo, depois mudou a vida dele toda e decidiu ir para a Europa.

– Mas porque ele não segurou isso com ele? Por que vender? Podia arrendar. Ou deixar fechada, como está agora, com um mínimo de pessoal e gastos, ter tudo de volta nas mãos dele quando retornar ao Brasil.

– É, mas o cara está absolutamente decidido. No duro, eu desconfio que ele pretende ficar lá pela Europa mesmo. Ele é casado com uma holandesa, que conheceu numa viagem a Salvador, no ano passado. Aí se mexeu e conseguiu o tal curso de mestrado e um trabalho por lá, também. Me parece que é em empresa da família da esposa, se eu não entendi errado.

– Ah, então, nesse caso, ele tem mesmo é que vender enquanto ainda está no Brasil. E levar esse capital para se garantir na Europa.

– É o que eu acho, também. E, quando soube desta propriedade, eu tratei de dar uma chegada aqui. Vim com o nosso prefeito, o Marcelo, que é veterinário e entende muito bem de fazendas e de área rural. E ele ficou muito entusiasmado. Disse que, se tivesse dinheiro disponível, comprava esta fazenda na hora. E, por uma razão principal. Acho que você também vai gostar de saber essa razão. Por isso é que eu resolvi trazer você aqui.

– Puxa, então deve ser muito especial mesmo. Qual é essa razão, amor:

– A propriedade é toda Certificada Orgânica!

– Nossa! Deus do céu, que maravilha! Isso é mesmo especial demais, amorzinho. Quem comprar esta propriedade tem a obrigação de manter a produção toda orgânica. É um achado!

– Pois é, o homem impôs essa condição ao corretor. Que ele procurasse alguém que se pudesse acreditar que não ia detonar toda a propriedade, passando produzir com agrotóxicos e adubos químicos.

– Ai, amor, isso seria um grande crime, depois de todo o esforço desse meu colega mineiro.

– Pois é, você me falou que é fissurada em agricultura orgânica e que, quando tivesse uma propriedade, iria fatalmente submetê-la ao processo de conversão em orgânica.

– Sim, um processo que pode levar de dois a quatro anos para ficar pronto, para a área toda poder receber certificação orgânica.

– Então agora você já está entendo por que eu trouxe você. Esta fazenda já está certificada, você ganha dois a quatro anos de tempo. Basta que você corra na frente e compre esta propriedade!

CONTINUA