sexta-feira, 26 de setembro de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 27ª parte 
MILTON MACIEL

Fim da 26ª parte:
E foram, ao todo, nove os filhos e filhas do peró de Vouzela. O português mal cabia em si de tanto orgulho. Em Portugal, ele seria cobrado por todas as mães, teria que se responsabilizar pelo sustento de todos aqueles filhos. E, possivelmente, o governo o mandaria prender como adúltero e fornicador. Mas aqui, neste paraíso abençoado, nada disso acontecia. As índias, felizes demais com suas crias, exibiam-nas com orgulho a todos. E a João Ramalho com ternura e contentamento. Mas não lhe pediam nada, não lhe cobravam nada, como se lhes bastasse apenas a imensa alegria de terem um filho dele. Ah, paraíso, paraíso!!!

27ª parte- Uma nova esposa
Naqueles meses, a barriga de Bartira foi crescendo rapidamente e o fogaréu que havia sempre nela foi arrefecendo de uma forma proporcional a esse crescimento. João também não a desejava mais com tanto ardor. Ficou em dúvida se era porque as formas de sua amada mudavam tanto ou se era porque talvez ele tivesse medo de machucar a criança se fizesse amor pela frente. No fim acabou confidenciando sua situação com Jamari.

– Meu amigo e meu irmão Jamari: será que Bartira e eu nos amamos menos agora? Porque, como eu lhe expliquei, nós já não temos mais o mesmo furor de antes para brincar. Será que é por causa da barriga dela só? Se for isso, eu sou um miserável...

– Sossega, João. Não é isso, não. Isso acontece com todo casal novo. Faz tanto amor – como você fala – que com o tempo vai cansando. É assim mesmo, é normal. O que não é normal é essa tal fúria, quer dizer, esse furor que você disse. Isso é que não é normal. Depois, com o passar do tempo, as coisas ficam mais normais. É o que está acontecendo agora com vocês.

– Será mesmo isso?

– Pois pode acreditar que sim. E mais: não é só você que sente menos interesse por Bartira. Ela também sente menos interesse por você. E, no caso dela, você tem que pensar que Bartira agora tem a criança ocupando ela o tempo todo, ela não é mais só Bartira sozinha. Você compreende isso?

– Sim, sim, acho que compreendo, amigo. É, você tem razão, nosso fogo abaixou porque era muito e queimou demais, queimou muito rápido, fogo de palha e graveto fino.

– Isso, João. Por isso é que nós vamos buscar aquelas toras enormes na floresta e fazemos competição de força, para ver quem carrega a maior. Porque essas toras são para as nossas fogueiras e você sabe o quanto o fogo feito com elas dura tanto. O amor de verdade é fogo de tora, João, não é fogo de palha. É isso que vai acontecer com você e Bartira. Queimada depressa a palha, fica a grande tora a arder por muitas e muitas luas, por muitos anos de vocês. E um dia vocês vêem que estão velhos, cabelos brancos, monte de filhos e netos, e a chama de vocês ainda está queimando firme, porque a tora que cada um carregou com o amor foi a maior e a mais pesada que puderam carregar.

– Ora, Jamari, tu me sais um poeta! Lembras do que te ensinei a respeito de poetas e poesias, quando comecei a te ensinar melhor o idioma português?

– Sim, lembro João. Poesia é coisa muito bonita, é música sem instrumento.

– Não digo, Jamari! Tu tens mesmo alma de poeta, rapaz! Aposto que vais ser o primeiro poeta da nossa nação guaianá. Só que poeta em português, é claro.

– Eu poeta? João é engraçado. Mas o que eu disse é a verdade do amor

E Jamari encerrou essa parte da conversa com uma novidade ainda mais desconcertante:

– Agora eu tenho que falar uma coisa mais séria, João. Minha irmã Irani está querendo casar com João.

– O que?! Mas que loucura é esta, ó Jamari? Pois não sou eu cá casado com minha Bartira, ora pois?

– Sim, é. Isso todo mundo sabe, Bartira sabe, Irani sabe. Todo mundo sabe. Mas isso é bom, Tibiriçá acha que é muito bom. Ele me pediu pra falar com você. Disse que já falou com Bartira e Bartira achou bom também.

– O que dizes homem? Bartira concordou com esse disparate?

– Claro que concordou. Bartira gosta muito de João Ramalho e gosta muito de sua prima Irani. Ela falou pra pai dela que vai ficar muito feliz se Irani vem morar na casa de vocês. Aí ela tem com quem conversar, tem quem ajude ela todo dia, tem quem ajude a cuidar da criança. Muito bom.

– Mas...Mas... Ela não fica com ciúmes?

– Ora, João, quantas vezes vou ter que explicar isso. Essa coisa de ciúmes de brincar, de fazer amor, é coisa de peró, coisa de branco. É claro que Bartira não sente essa coisa de peró. Ela fica feliz de dividir marido dela com prima Irani.

– Isso é doido demais! E porque você diz que isso é bom, que o próprio Tibiriçá diz que é bom?

– Bom deixa eu repetir como ele me falou. Ele disse: João Ramalho é meu parente, porque casou com minha filha. Ora, se ele casar com uma filha de outro cacique, meu irmão Caiubi, ele fica parente de Caiubi também. É assim que nós fazemos nossas alianças, você sabe. Assim João, que vai ser grande chefe ele também, passa a ter dois chefes como aliados. E ele deve casar com outras filhas de caciques e fazer novas alianças. Tem que aproveitar que as cunhantãs todas querem sempre brincar com ele. Bartira acha a mesma coisa, ela pensa longe essa minha filha, é uma verdadeira filha de cacique.

– Hom’essa! Mas que coisa mais de arrepiar... Minha própria mulher, meu próprio sogro, querendo que eu case com mais uma mulher.

– Ora, não é qualquer mulher, João. É minha irmã Irani, filha de cacique Caiubi. Aí você fica genro dele e meu cunhado. E nós passa a ter obrigação de defender João e de lutar ao lado de João em toda guerra sua.

– Ai, mas é assim, é? Pois olhe que olhando por esse lado...

– E tem mais: Bartira acha que está na hora de João ter uma outra menina para brincar também, assim seu fogo de palha levanta de novo.

– Mas ela não tem medo que eu passe a gostar mais da nova mulher?

– Ora, João não conhece guaianás mesmo! É claro que ela fica é feliz se João gostar muito de companheira de vocês.

– NOSSA companheira? Como assim, ó Jamari? Como nossa?

– Ora, João, se ela vira sua mulher, é sua companheira. E se ele vem morar na casa de vocês e ajuda Bartira e é amiga de Bartira, então é companheira de Bartira também.

O português sacudiu a cabeça, com os olhas semicerrados. Caramba, como era difícil entender uma coisa dessas. Por fim encontrou uma saída:

– Pois, Jamari, vocês me deixam perplexo. Espere, lhe suplico, que eu converse com minha Bartira primeiro. Depois lhe dou uma resposta.

– Muito bem, João. Mas não demore, por favor. Irani está nervosa esperando por isso e nosso pai Caiubi tem certeza que João não vai recusar essa honra de entrar para nossa família e ser aliado de Caiubi.

E, com o sorriso bonachão e amigo de sempre, foi embora para Jurubatuba, acalmar sua irmãzinha que esperava pelas novidades.

CONTINUA

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