quinta-feira, 4 de setembro de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 22ª Parte 
MILTON MACIEL

Fim da 21ª parte:
E dizendo isso, foi empurrando os dois recém-casados gentilmente pelos braços, em direção a uma das ocas mais ao fundo da ocara.

Deixou-os à entrada dela, fez um afago em Bartira e se afastou.

– Obrigada, mãe – disse a deslumbrante noiva.

A grande noite de amor de Bartira e João Ramalho ia começar.

22ª. parte: Consummatus est: João aprende o que é o Amor
A grande noite de amor começou como não poderia deixar de começar: Bartira saiu pela outra entrada da oca e levou João Ramalho pela mão, quase a correr, em direção a um rio próximo. João entendeu perfeitamente que sua esposa não se deitaria com ele enquanto ele estivesse sujo da longa viagem.

No caminho, o português viu eu havia um rio mais próximo e quis parar para jogar-se nele e ganhar tempo. Mas a moça falou:

– Não, João! Esse Anhangabaú! Anhangabaú é rio de água ruim, rio de doença, rio do diabo, Anhangá. Tem que ir braço do Tamanduateí. Essa sim, água boa.

E acelerou a corrida. Também ela ardia de desejo pelo seu peró.

Então os dois se jogaram na água límpida e, imediatamente, começaram a se abraçar e beijar fogosamente. A moça falou, entre suspiros:

– Eu lavo João, João lava eu – e conduziu as mãos dele para seu busto e seu baixo ventre, enquanto as duas mãos dela tomavam posse total do corpo de seu homem.

Amaram-se dentro d’água apaixonadamente, num frenesi que parecia não encontrar fim. Depois saíram e jogaram seus corpos cansados na margem do rio; mas oura vez deram-se um ao outro inteiramente, com mais paixão ainda.

Lá longe, dentro da oca que tinha sido destinada momentaneamente aos recém-casados, mãe Potira esticava-se preguiçosa na rede do casal, enquanto sorria pensando: “Esses dois não aparecem aqui tão cedo esta noite.” Depois de uma meia hora, levantou-se e retornou para a festa, onde o cauim corria solto e a bebedeira se generalizava. Cantos e danças vararam toda a noite e a madrugada e o sol encontrou a todos ainda festejando.

À beira do Tamanduateí, Bartira e João, os corpos nus já beijados pelo sol nascente, beijavam-se outra vez com apetite renovado. E deixaram-se ficar por ali, em sua alcova nupcial, que havia sido adornada por milhares de estrelas e continuava agora iluminada por uma só, Guaraci, o que dava a vida.

João Ramalho estava como que num transe. Nunca podia imaginar que o amor fosse uma coisa assim tão fantástica e perfeita. Perto de sua esposa, ele era um completo imbecil em termos de sexo. Compreendeu que todas as relações sexuais que tivera na Europa eram francamente ridículas, capengas, primitivas, egoísticas, face ao que lhe acontecera nessa noite e madrugada.

Certamente, tinha que admiti-lo, em parte isso ocorria porque ele nunca tinha feito amor com uma mulher por quem estivesse apaixonado. Mas não era só isso. O mais importante é que Bartira tinha uma experiência sexual imensamente maior do que a dele. É claro que ele sabia que não deveria imaginá-la virgem, esse não era um tabu que existisse entre as índias jovens. Porém ele não chegara a pensar que sua companheira pudesse ser assim tão mais experiente do que ele. E, acima de tudo, tivesse tanta competência para conduzir e liderar todas as práticas amorosas.

E essas práticas produziam um prazer tão intenso como ele jamais conhecera. Conduzindo-o, esperando-o, ralentando-o quando queria que ele a esperasse, virando-se de costas para ele, para que explorassem aquele outro tipo de relação que todas as índias adoravam e que as européias evitavam tenazmente – ela era sua mestra,a  sua incontestável iniciadora.

Sim, era forçoso admiti-lo: ela o estava iniciando no mundo do amor, na pratica do sexo com amor, com entrega total, com devoção e encantamento. Que coisa maravilhosa para ele que sua mulher não fosse uma virgem estúpida e inexperiente, mas, muito ao contrário, uma mestra e uma artista nas artes do amor.

Como eram imbecis os comportamentos dos europeus, cheios de preconceitos e exigindo que a mulher lhes chegasse virgem e inexperiente ao casamento. Como se eles fossem capazes de iniciá-las direito, como se eles, que não passavam de uns rematados primitivos nas artes da cama, pudessem transmitir a elas um conhecimento e um respeito que nunca tinham conhecido. E que artes da cama, se cama nenhuma existira em sua noite fantástica de núpcias, vivida dentro d’água e na relva da margem do generoso Tamanduateí!

Quanto mais Bartira o estimulava, o fazia ter prazer, o fazia derreter-se de amor e de gozo, mais ele compreendia o quanto a admirava e respeitava. Nunca poderia imaginar que respeitaria tanto uma mulher, justamente por ela lhe ser tão superior nas artes do amor. Em cada pequeno gesto, em cada prática repleta de carinho e envolvimento, ele recebia a mensagem de que ela o amava, amava-o de verdade. E isso fazia seu sentimento por ela expandir-se cada vez mais, às vezes parecia-lhe que seu peito ia explodir.

Num certo momento percebeu-se ao lado dela, deitado na grama, passando as duas mãos em seu rosto e sentindo aquela sensação de que podia explodir de amor. E viu que nesse ato não havia nada, absolutamente nada que tivesse a ver com sexo, mas somente com amor. Foi com as duas mãos percorrendo, meigas, o rosto de sua amada, que João Ramalho compreendeu enfim – pela primeira vez na vida! – o que era o Amor. E o Amor era diferente de tudo o que lhe haviam feito crer que fosse.

João compreendeu então que era completamente feliz. E que o que o fazia feliz não era saber que era amado por Bartira, mas era saber o quanto ele amava e admirava Bartira.

Com essa plenitude amorosa a envolvê-los totalmente, os dois levantaram da grama e saíram caminhando, ora de mãos dadas, ora abraçados, para dentro da mata. Tudo que queriam era continuar assim, juntos, fundidos, longe de todos os outros, por todo o tempo que pudessem.

Lá na ocara a festa continuava em plena luz do dia. Todos se divertiam e comemoravam o casamento de João e Bartira. Mas ninguém perdia tempo procurando por eles. Todos, mas todos mesmo, sabiam muito bem que aqueles dois não apareceriam por um bom tempo. Era sempre assim, quando duas pessoas que se amavam de verdade decidiam ficar juntas. Pois muito bem, Bartira e João agora estavam JUNTOS!
 CONTINUA

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