JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 24ª Parte
Fim da 23ª
parte:
Quando todos foram embora, João Ramalho tomou Bartira
nos braços e, erguendo-a do solo, carregou-a assim no colo para dentro da oca,
enquanto pronunciava as palavras que eram clássicas para os recém-casados na
Europa há muitas de gerações:
– Enfim sós, meu amor.
Depositou sua esposa sobre as peles macias e amou-a
com paixão e ternura por muito tempo, naquela que seria a primeira das inúmeras
noites de amor que aquela modesta casa abrigaria.
24ª parte: Os
pajés dos perós: padres
Depois que o
casal aplacou sua inicialmente incontrolável sede de amor, ambos começaram a
visitar diariamente a taba e a fazer refeições junto com os demais habitantes.
Potira tentou convencer sua filha a voltar com o marido para a grande oca
coletiva. Mas Bartira explicou-lhe que João Ramalho não aceitaria isso tão
cedo. E, de mais a mais, também ela não queria perder a exclusividade de um
ninho de amor para recém-casados:
– Não, mãe.
Costume de peró, de uma oca para cada casal é muito bom, melhor que o nosso. Eu
estou adorando, a gente se abraça e brinca a hora que bem entende. E tem as
nossas coisas mais arrumadas e eu trabalho muito menos. Assim tenho muito mais
tempo para o meu homem e o meu homem é uma delícia, mãe. É o melhor de todos
que eu já provei. Você devia experimentar. Será que pai vai achar ruim? Eu acho
que não.
– Ah, minha
filha, você é uma menina maravilhosa, oferecendo seu marido novo assim para sua
mãe provar. Mas por agora não é bom, vocês recém começaram a vida de vocês. Mas
daqui a umas luas, quando vocês tiverem baixado esse fogo louco de vocês, então
você pode emprestar ele para suas irmãs. E para as filhas de Caiubi, irmãs de
Jamari, que são suas primas. Elas vão ficar muito felizes e muito gratas a você
pela delicadeza.
– Ah, sim, mãe,
eu mal posso esperar para minhas amigas verem como é bom o meu peró. Sei que
elas vão gostar muito. Jamari me contou que as minhas amigas que ficaram na
praia, lá em Engaguaçu, todas elas já brincaram com meu João. E até uma mulher
casada também brincou.
– Mas então esse
teu peró deve ser muito bom nas coisas que faz.
– Taí, mãe: Ele
não é! Não sabe a maior parte das coisas boas, tem muito o que aprender ainda
comigo, tem umas proibições bobas, acho que é coisa de religião, uma tolice.
Imagine que ele não sabia me brincar por trás, que é tão bom, e quando eu quis
que ele fizesse, ele me disse que era um tal de pecado. Sabe, custei muito a
entender o que é pecado para os peró.
– E o que é
isso, filha?
– Bom, eles
acreditam num deus pra isso, num deus praquilo; e numa deusa também, que ele
chama Maria. Têm um deus para cada dia, imagine só! Mas o problema é que esses
deuses deles são gente que não gosta da vida. Mãe, eles são muito tristes. E
muito brabos. Vivem proibindo tudo e dando castigo pra tudo. O tal do pecado é
fazer o que a gente quer fazer, mas que os deuses deles proíbem.
– E o que eles
proíbem?
– Tudo, mãe!
Tudo o que é bom. Não pode brincar por trás, é pecado. Moça que não casou não
pode brincar, de jeito nenhum mãe, nem mesmo que seja só pela frente, é pecado.
Homem não pode brincar com outra mulher, só com esposa – senão é pecado. Mulher
também, nem quando o marido concorda – é pecado. Comer carne de inimigo valente
não pode – é pecado. E João falou que os peró têm um monte de pajés, não é só
um em cada taba. Esses pajés existem, pelo que eu entendi, para proibir as
pessoas de fazerem tudo o que é bom. João diz que o nome dos pajés de peró é
padre.
– E eles são
bons pra curar, tirar maus espíritos, adivinhar o futuro?
– Que nada, mãe!
Meu peró diz que eles não sabem curar com ervas, não sabem afastar maus
espíritos, não sabem prever o futuro.
– Mas então pra
que servem esses pajés inúteis deles?
– Acho que só
pra proibir, mãe. Proibir e encher as pessoas de medo de castigo dos deuses
deles. Deuses deles muito maus, muito chatos. Muito tristes. Os pajés deles são
muito tristes, não podem brincar com mulher, não podem casar, não podem ter
filhos.
– Mas isso é uma
coisa doentia, minha filha! Que horror! Como é que um homem bom como João
Ramalho pode acreditar nessas coisas de Anhangá? Isso só pode ser coisa de
Anhangá, religião do diabo. Esses deuses e os pajés deles querem que o povo
fique sempre infeliz, não se divirta, não goze a vida, não brinque bastante
todo mundo. Muito, muito triste isso que você me contou, filha. Eu agora estou
com tanta pena do seu peró, coitado.
– Eu também
sinto, mãe. Por isso estou fazendo tudo o que posso para limpar a cabeça do meu
homem dessas coisas indignas de uma pessoa normal. Mas não tem sido fácil. O
que ajuda é que João gosta muito de mim, então ele faz força para me agradar. E
aí acaba cedendo bastante.
– Então você vai
fazer ele muito feliz, porque você vai tirar ele desse mundo feio e triste dos
deuses e dos pajés dele, esses tais de padres. Seu pai já me falou que
encontrou mais de um desses pajés de peró quando esteve em guerra lá nas terras
dos tamoios. Disse que eles andam sempre de roupa, como todos os brancos. Mas
não são as mesmas roupas dos perós e dos franceses. Nem dos castelhanos, que eu
já vi também. Tibiriçá diz que eles usam roupa preta até os pés. E que são, de
fato, uns tipos horríveis, que vêm mal em tudo. Que têm vergonha de olhar homem
pelado. E mulher pelada, então? Eles se
viram, fogem, dizem que é coisa de Anhangá. Seu pai diz que, pra esses pajés
tristes e horríveis, qualquer mulher é coisa de Anhangá. Que foi a mulher que
trouxe dor e sofrimento para o mundo.
– Que horror,
minha mãe! Como pode ser feliz um povo que não reconhece o bem que está na
mulher? Isso João não me falou ainda, vou perguntar pra ele. Agora eu estou
ainda mais horrorizada com a religião dos brancos, mãe.
– Pois é. Pobre
de João. João é homem bom, não merece.
– Não merece,
mãe. João é homem bom. Não merece.
– Minha filha,
eu nunca vi um pajé mau desses dos peró. Mas o dia que eu enxergar o primeiro,
acho que sou capaz de bater muito nele. Se eu vejo um pajé de roupa preta até
os pés, um anhangá desses, eu vou castigar ele muito, por causa do mal que ele
fez para homem bom como João Ramalho.
– Isso mesmo,
mãe. Você tem razão. Padre é pajé triste, sempre de preto, que só sabe fazer os
perós tristes e infelizes, como ele mesmo. Os padres tiram a alegria de viver.
É justo castigar cada um deles.
E, com esse
firme propósito em mente – castigar o malvado pajé de preto dos peró – mãe e
filha se despediram.
A profecia do
pajé Anauá
Do outro lado da
aldeia, João Ramalho conversava com seu sogro Tibiriçá. O assunto também era
pajé, Mas desta vez era o chefe guaianá que falava sobre o grande pajé Anauá.
– João lembra
que prometi falar de Anauá?
– O pajé que lhe
falou de mim antes que eu naufragasse em Engaguaçu?
– Ele mesmo. Já
morreu faz muitas luas. Foi o maior pajé que já conheci na minha vida. Muito poderoso.
Grande curador. E um grande adivinho do futuro também.
– E o que ele
lhe falou a meu respeito, meu sogro?
– Anauá disse
assim: Quando o tempo do calor vier, vai aparecer na praia de Engaguaçu um peró
muito jovem. Tibiriçá vai estar lá embaixo quando isso acontecer. Deve receber
esse peró muito bem. Deve fazer ele marido de sua filha Bartira.
– Ai, Jesus! E por
quê?
– Ele disse:
Esse peró muito importante, vai ser seu grande amigo e aliado. Tibiriçá tem que
se preparar seu povo. Os tempos dos tupinambás, tamoios e tupiniquins estão acabados.
Os perós vão chegar em número cada vez maior. Com grandes canoas de vento e com
muitas armas de estrondo. Os perós vão ser os novos donos da terra. Não é possível
evitar esse destino. Se Tibiriçá for homem de juízo, deve fazer aliança com os
perós, para evitar que sua tribo seja escravizada ou morta. Quem n1ao for
aliado dos perós, quem não lutar ao lado deles contra os inimigos deles, vai
perecer. E esse rapaz que vai chegar vai ser o peró que vai fazer a aliança dos
guaianases com os perós possível. Graças a esse moço, que vai ser um grande
chefe de índios e perós, os guaianases vão se salvar e Tibiriçá ainda será um
grande herói dos perós.
CONTINUA
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