Fábulas de Severino Ribamar – No. 4
MILTON
MACIEL
Esta
é uma fábula bem curtinha, do arsenal de nosso grande fabulista brasileiro
Severino Ribamar. Escolho-a porque, para mim, é um libelo contra o racismo.
O gato angorá, com seu pelo branco como a
neve (neve é uma coisa branca e fria que
existe em cartão de Natal do Brasil, mas nunca apareceu no país todo. Porém,
exceção feita, custa os olhos da cara para ver por meia hora em Santa Catarina
e Rio Grande do Sul).
Bem, retomemos: O gato angorá com seu pelo
branco como neve (neve é aquele treco
branco no começo, mas barrento e nojento pra burro
depois), estava fazendo sua ronda de conquistas amorosas, noite alta, céu risonho. Havia uma gata
no cio ali por perto, suas sensíveis narinas o avisavam.
Quando desceu do telhado e subiu num muro,
chegou a Justa. A viatura policial estacionou com um guincho agudo, o que
assustou o gato angorá. Desceram um sargento truculento e três soldados
furibundos. Encanaram e algemaram o gato. E ai, porque ele podia resistir à
prisão naquele estado algemado, deram-lhe uma coça bem dada, daquelas de criar
bicho.
O gato só perguntava?
– Mas o que foi que eu fiz?
Ao que o sargento respondeu:
– Teje preso, meliante! Ocê nessa hora da
noite, por cima de um muro, só pode tá aprontando.
E levaram o gato branco para a delegacia.
Lá o escrivão lavrou o boletim de ocorrência, em que o gato era acusado de
porte de drogas ilícitas e de armas de uso exclusivo das forças armadas. O escrivão não precisou ver nenhum desses bagulhos. Na
hora de preencher o espaço COR, o escrivão lascou o que o sargento e os
soldados afirmaram, peremptórios:
– PARDO!
O gato protestou:
– Mas eu sou branco!
Ao que o escrivão respondeu com um tapão na
orelha do gato, dizendo:
– Tu é pardo! E se tu é pardo, tu é sempre suspeito,
negão!
O gato ainda gemeu um último protesto:
– Mas eu sou branco!
Ao que o sargento respondeu com outro
tapão, dizendo:
– E tu fica feliz de não sê ajudante de
pedrero, senão tomava era chá de sumiço já, já!
MORAL DA HISTÓRIA:
DE
NOITE, TODOS OS GATOS SÃO PARDOS.
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