quinta-feira, 16 de abril de 2015

O POETA E O GUASCA - Parte 9  - FINAL
MILTON MACIEL

Foi só então que aqueles dois
Perceberam, finalmente,
Que o tempo todo havia UMA
Maria Helena somente!

No sofá os dois sentaram,
por longo tempo silentes.
Para dentro de si olharam,
Dos seus dramas mais conscientes.
Dramas terríveis aqueles,
Brincava o destino com eles!

EPÍLOGO:

O mais estranho foi que, após alguns minutos de pensarem em si e na mulher que amavam, cada um deles passou a pensar no sofrimento do outro. Era-lhes fácil demais a empatia. Sofriam o mesmo padecer e cada um tinha a alma sensível de um poeta. E haviam gostado demais um do outro também. Após alguns minutos, sem nada falar, os dois levantaram quase ao mesmo tempo, olharam-se nos olhos, apertaram-se as mãos e depois, timidamente de início, aqueles dois homens se abraçaram. Discretas lágrimas chegaram aos olhos deles, sendo rapidamente limpadas.

Então o poeta carioca contou ao poeta gaúcho que Maria Helena, que se formava esse ano em Letras na PUC do Rio de Janeiro, era sua aluna. Que ele se apaixonara por ela há mais de dois anos, mas que ela fora bem clara com ele desde o começo: amava outro homem. Notou o quanto ouvir isso custava ao gaúcho, que empalidecia e crispava todo seu semblante: Então havia um terceiro, que ganhara o amor da musa de ambos.

O carioca andou até o ponto onde tinha sua valise e retirou de dentro dela um livro de sua autoria, que deu ao gaúcho. Ali, dobrada, guardava uma carta de Maria Helena. Segurou-a na mão, estendeu-a ao outro e voltou a falar:

– Aí dentro dessa carta está o nome do homem a quem ela ama. Vejo que você não quer olhar, mas insisto que leia, vai lhe fazer bem.

E o gaúcho leu:

“Meu querido amigo e professor:

Sei o que o senhor está sofrendo por minha culpa, acredite. Eu também amo alguém há muito tempo e o meu é também um amor sem esperança. Amo esse homem desde que nós éramos crianças e crescíamos juntos. Ele era o filho do capataz da nossa fazenda no Rio Grande. Depois eu fui estudar em Porto Alegre, mas voltava sempre à fazenda e nosso amor adolescente foi lindo.

Mas a vida se encarregou de nos separar. Meu amor virou capataz no lugar do pai que faleceu, parou de estudar ainda no nível ginasial e eu decidi fazer faculdade de Letras. E tomei a resolução mais difícil da minha vida: Deixei meu amor no Sul e praticamente me refugiei no Rio de Janeiro. Nosso dois mundos são irreconciliáveis. Ele nasceu e cresceu com a incumbência de ser um macho gaúcho. Eu sou uma formanda de Letras e sou uma feminista convicta, não aceitarei jamais um homem mandando em minha vida.  Quero ser professora e escritora, me tornar uma artista na literatura.

Meu querido quer ser capataz e estancieiro um dia, para isso sei que junta quase todo o dinheiro que ganha trabalhando para meu pai, que gosta demais dele. Eu também gosto demais dele, eu o amo profundamente, a tal ponto que não consigo namorar mais ninguém e que vou perder a grande oportunidade da minha vida, de ter um homem como o senhor como marido.

Me perdoe, não posso aceitar o seu pedido, sou honesta demais para enganá-lo ou para lhe dar falsas esperanças. Não pretendo voltar ao Rio Grande por muito tempo, não quero ver o único homem que amei e amo em minha vida. Por isso meu pai tem que vir ao Rio de Janeiro, se quer me ver. Temos esse apartamento no Leblon, é fácil para ele vir e ele vem com frequência, é viúvo desde muito antes de eu vir para cá.

Como o senhor sabe, também não aceito nada de dinheiro do meu pai. Já chega não ter que pagar aluguel no apartamento dele. Sou coerente com o que penso e vivo com o meu salário de revisora em jornais e editoras. É pouco, mas consigo sobreviver com dignidade e ter minhas contas rigorosamente em dia. Portanto, não é por dinheiro que não fico com o meu amor, mas porque, como lhe disse, nossos mundos são cultural e filosoficamente irreconciliáveis.

Suplico que o senhor me compreenda e aceite continuar meu grande amigo. Pode ter certeza que eu compreendo a sua dor, como tenho certeza que o senhor será capaz de compreender a minha. Ambos sofremos por amor, o senhor por amor a mim, eu por amor a Juvêncio.

Sua amiga reconhecida,
Maria Helena”

Quando terminou de ler a carta, o capataz e poeta Juvêncio tinha, sim, claras lágrimas nos olhos. Não conseguia falar, só sacudia a cabeça, incrédulo. Que coisa mais louca: eles eram três a sofrer por um amor impossível. Sim, Maria Helena tinha razão, seus mundos eram de fato inconciliáveis. Ela uma moça culta e rica. Ele um grosso sem luzes e sem educação. Era bom com bois, vacas, ovelhas, plantação e administração de bens e de pessoas. E daí?

Mas o poeta carioca não concordava com ele. Disse-lhe que viera ao sul exclusivamente para mostrar a carta de Maria Helena para o pai dela. E que o velho ficara chocado ao ver o sofrimento que vivia sua filha querida e única. Na hora falou ao professor carioca o quanto lhe ficava grato pelo gesto nobre de desprendimento e que iria imediatamente para o Rio. Faria Juvêncio seu sócio na fazenda e abençoaria o casamento de sua filha com ele.

Mas o professor lhe fez ver que isso não era a melhor coisa a fazer.

Dois dias depois do encontro dos dois homens ante a lareira, ambos embarcaram com o pai de Maria Helena para o Rio de Janeiro. O encontro de todos eles com ela foi comovente. Especialmente quando ela não pôde resistir e se atirou nos braços do seu amado, tremendo, num reencontro inesperado, depois de cinco anos de separação.

E Juvêncio ficou pela cidade. A seguir, com a orientação e os contatos do professor e a ajuda dos reais do fazendeiro, o gaiteiro gaúcho, poeta e compositor, foi lançado no mundo artístico gaúcho e brasileiro. Era bom demais, grande instrumentista, grande compositor, grande letrista, grande declamador. Foi sucesso instantâneo!

Hoje ocupa um dos lugares de maior destaque no cenário artístico nacional. Fatura alguns milhões por ano com shows e gravações. Um artista completo, como afirmou o professor naquele bendito primeiro dia!

Ah, o professor acabou se curando da paixão recolhida, casou com uma carioca legítima, mulata a rigor, e hoje é padrinho do primeiro filho do casal de amigos gaúchos. Vai com frequência ao Sul, para visitar a família em Porto Alegre, onde eles vivem e onde Maria Helena tem um programa de televisão e Juvêncio tem seu estúdio. E vai sempre visitar seu amigo fazendeiro. E ali vive insistindo com o novo capataz, dizendo que ele deve fazer seu menino mais velho aprender a tocar acordeon. 

É, parece que o moleque leva jeito...

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