PARA QUEM QUER ESCREVER
FICÇÃO
# 1 – INDÍCIOS
NÃO-VERBAIS
MILTON MACIEL (Esta série
vai oferecer contribuições à técnica de quem quer escrever ficção – romance,
novela e conto)
O tema dos Indícios
Não-verbais não é quase mencionado nos manuais e cursos de escrita criativa
e não é quase percebido pelo escritor iniciante ou pelo antigo mais desatento.
Aplicando o princípio do “mostrar, não dizer” (que, por favor, não é
universal e nem é um axioma!), nós podemos usar muito sinais indiretos para
comunicar o que queremos ao leitor, sem precisarmos dizer isso
diretamente.
Vejamos um exemplo, tirado de um
romance de 360 páginas (o décimo que publico, décimo-sexto contando também
aqueles em que sou ghost writer), que estou terminando este mês e que vai
se chamar “A Guerra de Jacques”. O protagonista chegou com 3 meses de
vida à Bélgica, trazido da Polônia; ali cresceu falando francês e flamengo, foi
herói da Resistencia belga, foi levado prisioneiro para a Alemanha e forçado a
trabalhar como escravo na indústria metalúrgica. Finda a 2ª. Guerra e de volta a
seu país, casa-se, abre seu negócio e pede sua naturalização como cidadão belga,
aos 24 anos de idade.
E, por razões meramente
burocráticas, a naturalização lhe é negada!
Preciso transmitir para meu leitor
a decepção, a revolta, a raiva, a angústia, o sofrimento, o desespero pelos
quais o protagonista passa. E que o levarão à epifania do livro, quando ele
amadurece sua decisão final: “Se este país não me quer, eu também não quero
este país!” E troca a Bélgica pelo Brasil.
Eu posso fazer isso escrevendo
deste jeito a cena que sucede a chegada da má notícia:
“Jacques sentiu uma profunda
revolta. Toda uma vida vivida nesse país, apenas os primeiros três meses fora
dele, uma luta dedicada na Resistência, um período de sofrimento atroz como
prisioneiro e escravo. E era assim que esse país lhe retribuía? Negava-lhe uma
assinatura num simples pedaço de papel! Papel que faria toda a diferença para
ele, pois ninguém mais poderia chamá-lo polaco sujo!”
Veja que, escrevendo desta forma,
eu estou apenas DIZENDO, como narrador onisciente e na terceira pessoa, o que
está acontecendo com meu protagonista. EU, narrador, SEI o que ELE sente. E DIGO
isso a meu leitor. Não estou mostrando nada, entrego o fato consumado, não deixo
o leitor entrar mais fundamente na pele do meu protagonista num momento crucial
de sua vida, justo na grande crise que precede a epifania.
Num momento desses eu preciso ser
mais técnico. E, paradoxalmente, mais emocional. Preciso saber fazer meu leitor
VIVER as emoções do protagonista, SENTIR sua revolta e sua raiva, chorar as
mesmas lágrimas, gritar os mesmos ou piores palavrões, sentir ímpetos assassinos
de estripar o burocrata, mesmo que o protagonista não sinta. Então nesse ponto
eu devo trazer a voz para a primeira pessoa. Eu, autor, não estou mais vendo de
fora, confortavelmente, o sofrimento do herói, que EU sei que vai passar. Eu
tenho que estar dentro dele, sentir tudo o que ele sente, assumir sua
identidade, SER ELE, sofrer o que ele sofre, chegar à mesma epifania pelo mesmo
caminho doloroso.
E, principalmente, cumprir meu
contrato de parceria e fidelidade com meu leitor e minha leitora. O
protagonista sente, eu sinto, o leitor sente! Quando, juntos os três, depois
de um desgaste emocional fabuloso, nós chegamos à grande transformação que é a
epifania, vamos compartilhar a sensação de superação, a certeza da mudança, o
triunfo da coragem. Fechamos o livro no fim do capítulo com uma euforia que é
autêntica, se choramos as lágrimas secam em riso, respiramos fundo de novo, a
dor no peito desaparece e encaramos o capítulo seguinte, o primeiro do clímax,
com um entusiasmo renovado. A vitória do herói é a vitória do
leitor!
Vamos ver amanhã, na continuação,
como é que eu resolvo essa situação toda do capítulo 37. E o que são e como se
usa os tais Indícios Não-verbais. Interrompo neste ponto de propósito,
para lhe dar tempo de se exercitar: Procure você também MOSTRAR essa cena para o
seu leitor, encarnando COM ELE o protagonista. Escreva, porque não há, em
princípio, razão alguma para você não poder chegar a uma solução ainda melhor do
que a minha.
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