terça-feira, 26 de junho de 2012


A MENINA DA LADEIRA  

 (um pequeno trecho)
MILTON MACIEL

“... No percurso sua almazinha doía muito mais que os ferimentos, a revolta e a desesperança mais uma vez faziam o estrago costumeiro: lembranças horríveis a acossavam outra vez, outra vez ela tremia...

Fugindo da mãe que a vendera aos onze anos, de caminhão em caminhão chegara primeiro ao agreste, depois ao sertão. Lá aprendeu a sobreviver na mais difícil das condições para uma criança de onze anos, destroçada, totalmente sozinha: prostituta de estrada. Sempre em estradas secundárias, desimportantes, onde os caminhões eram poucos e as meninas eram muitas, porque muita era a miséria faminta que em derredor grassava.

Essas meninas da miséria eram as filhas da seca, formavam estranhos magotes de crianças com fome, que tinham que ganhar com seus corpos mirrados o alimento que faltava para seus irmãos e irmãs menores, produzidos em séries ininterruptas por mães permanentemente grávidas.

Essas mães gestavam as futuras filhas da seca em seus ventres desnutridos – as novas crianças que manteriam as estradas poeirentas permanentemente abastecidas de novos corpos mirrados, repastos do machismo mais primitivo, precocemente negociados, precocemente engravidados e adoecidos, numa corrente macabra sem fim, num moto perpétuo que esmaga crianças e seus sonhos, como fossem rolos de brutais moendas.

E agora, aos quatorze anos recém-completados, ela estava de novo numa cidade. Não que tivesse mais esperanças. A lição de três anos de vida pelas estradas e postos de gasolina lhe ensinara que não havia amanhã para gente como ela. O amanhã trazia apenas uma única certeza: ele seria pior do que hoje. Aprendera, com a aniquilação de suas últimas ilusões ao longo desse tempo, a aceitar a vida como ela é: dura, cruel, sofrida, sem volta. Não tinha mais vontades. Sonhos? Besteira. A vida não permite sonhar, a vida é só realidade, realidade da pior, da mais brutal, sempre pior amanhã do que foi ontem.”

(Pequeno trecho retirado de A MENINA DA LADEIRA – Milton Maciel, 2010)

É, leitores, pessoas adultas podem se prostituir por escolha própria, consciente. Mas crianças... não! Elas nunca são prostitutas porque querem, por opção. Elas não são prostitutas, elas são prostituídas. À força. Pela força de adultos ou pela força da miséria. Se pudessem escolher, estariam em casa brincando, estariam na escola estudando, estariam na quadra jogando. Mas não puderam, mas não podem. Portanto, leitora ou leitor, nunca encare uma criança prostituída como uma pessoa “inferior”. Cuidado, amigos, com seus preconceitos, filhos diletos da ignorância. Não é mais hora de ignorarmos a dor e a agonia dessas mais de 500 mil crianças obrigadas ao comércio do sexo todos os dias e noites de seu abandono,  neste Brasil insensível a seu drama. (MM)

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