A MENINA DA LADEIRA
(um pequeno trecho)
(um pequeno trecho)
MILTON MACIEL
“... No percurso sua almazinha doía muito mais que os
ferimentos, a revolta e a desesperança mais uma vez faziam o estrago
costumeiro: lembranças horríveis a acossavam outra vez, outra vez ela tremia...
Fugindo da mãe que a vendera aos onze anos, de
caminhão em caminhão chegara primeiro ao agreste, depois ao sertão. Lá aprendeu
a sobreviver na mais difícil das condições para uma criança de onze anos,
destroçada, totalmente sozinha: prostituta
de estrada. Sempre em estradas secundárias, desimportantes, onde os
caminhões eram poucos e as meninas eram muitas, porque muita era a miséria
faminta que em derredor grassava.
Essas meninas da miséria eram as filhas da seca, formavam
estranhos magotes de crianças com fome, que tinham que ganhar com seus corpos
mirrados o alimento que faltava para seus irmãos e irmãs menores, produzidos em
séries ininterruptas por mães permanentemente grávidas.
Essas mães gestavam as futuras filhas da seca em seus
ventres desnutridos – as novas crianças que manteriam as estradas poeirentas
permanentemente abastecidas de novos corpos mirrados, repastos do machismo mais
primitivo, precocemente negociados, precocemente engravidados e adoecidos, numa
corrente macabra sem fim, num moto perpétuo que esmaga crianças e seus sonhos,
como fossem rolos de brutais moendas.
E agora, aos quatorze anos recém-completados, ela
estava de novo numa cidade. Não que tivesse mais esperanças. A lição de três
anos de vida pelas estradas e postos de gasolina lhe ensinara que não havia
amanhã para gente como ela. O amanhã trazia apenas uma única certeza: ele seria
pior do que hoje. Aprendera, com a aniquilação de suas últimas ilusões ao longo
desse tempo, a aceitar a vida como ela é: dura, cruel, sofrida, sem volta. Não
tinha mais vontades. Sonhos? Besteira. A vida não permite sonhar, a vida é só
realidade, realidade da pior, da mais brutal, sempre pior amanhã do que foi
ontem.”
(Pequeno trecho retirado de A MENINA DA LADEIRA –
Milton Maciel, 2010)
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