FERIADÃO
MILTON MACIEL
“Emendar feriado. Ah, o Feriadão! Sim, essa é uma marca registrada da brasilidade. E da
paulicéia, mais ainda. O feriado fica enorme, quatro dias, e aí todo mundo que
pode foge de São Paulo.
Enquanto andava
na noite morna, Ataliba pensava nisso. Ricos e remediados lotavam aviões e
aeroportos, coalhavam estradas de congestionamentos desumanos. Os remediados se
desremediavam por meses, apertados a pagar prestações dos pacotes de viagem,
dez meses por quatro dias. Os mais pobres lotavam milhares de ônibus, centenas
de ônibus extra e faziam das rodoviárias formigueiros do mais puro horror.
Quanto aos
demais, coitados, tinham é que se agüentar por ali mesmo. Ou o dinheiro não
dava ou, pior, tinham aquele horrível tipo de trabalho que não respeita nem
feriado, que dirá sábado ou domingo. Esses ficavam em São Paulo, murchos como
só, tendo como escasso consolo ver na TV os congestionamentos monstruosos em
que se enfiavam, invariavelmente, os malditos que podiam viajar. De vez em
quando, a notícia de um longo período de chuvas, em pleno feriadão, vinha lhes
lavar a alma corroída de inveja: Bem feito!
Mas a alma pura
de Ataliba tinha a rara felicidade dos que nunca sentem inveja no coração.
Aliás, o que ele sentia mesmo era dó, pena daquela gente toda, um milhão e meio
de criaturas gemendo como almas penadas nas estradas, nas rodoviárias e
aeroportos, nos hotéis e pousadas, gastando um dinheiro que geralmente nem
podiam gastar, sendo vilmente explorados pelos oportunistas e inescrupulosos de
plantão nas montanhas, nas praias, nas rodovias.Vida de gado, povo infeliz, pensava mestre Ataliba, que não saía da cidade porque com ela vivia em eterno idílio e era nela completamente feliz.”
(in Milton Maciel,
“ATALIBA, UM PAULISTANO FELIZ” – Idel Editora, 2009)
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