sábado, 14 de dezembro de 2013

COMO A TERRA FOI SALVA EM 2012 
MILTON  MACIEL  
(comemorando um ano de salvação, depois do 12.12.12 e do 21.12.12.)

Foi uma invasão silenciosa. Ninguém percebeu no primeiro momento, até que os aeroportos, portos e estradas começaram a ficar coalhados de passageiros, aviões, navios, barcos, ônibus e automóveis. Eram milhares desses veículos, congestionamentos-monstros foram formados. Galeão, Cumbica, Viracopos e Confins receberam recordes de vôos normais e extras, bem como mais de uma centena de vôos charters, vindos do exterior. Do Galeão, formou-se um cortejo ininterrupto de ônibus fretados que se dirigiam sempre para o Rio-Centro. Dos outros aeroportos, situados estrategicamente a algumas horas do Rio de Janeiro, partiram centenas de ônibus especiais, apinhados de estrangeiros, verdadeiras torres-de-babel sacolejantes.

O aeroporto Santos Dumont teve o recorde histórico de movimentação, tal o número de vôos extra e fretados, de origem nacional, que conseguiram permissão de pouso. Hangares e pátios de estacionamento de aeronaves de todos os portes ficaram completamente lotados.

Brutais congestionamentos assolaram a via Dutra e as outras estradas que demandavam o Rio de Janeiro. A ponte, no sentido Niterói-Rio, virou um verdadeiro inferno. Dentro da cidade a coisa não era melhor. Parecia que, de repente, sem mais nem menos, todos os ônibus, carros e até mesmo caminhões tentavam se deslocar para o Rio-Centro. Foi quando alguém da Polícia Rodoviária teve um laivo de inteligência: Espera aí, hoje não é 20 de Dezembro? Será que todo esse tráfego não está ligado àquela maluquice que omundo vai acabar amanhã, dia 21?

Dirigiu-se a um ônibus que estava paralisado na Dutra, quase à entrada da Avenida Brasil e interrogou as pessoas. Nada ! Ninguém abriu o bico. Aí o sargento perdeu a paciência. Procurou alguns policiais militares que estavam por ali e confabulou rapidamente com eles. Aí os homens entraram no ônibus, pegaram duas mulheres de meia-idade, arrancaram-nas à força do ônibus, passando-lhes as algemas. Traficantes safadas, tejem presas! As mulheres se desesperaram, começaram a chorar, disseram que não eram traficantes, que não podiam ser presas, não podiam perder a Salvação. Era o que o sargento queria: abriram o bico e contaram que estavam indo para o lugar sagrado, onde seriam salvas do fim do mundo pela nave espacial. O Rio-Centro, obviamente.

Estava tudo explicado, então. Imediatamente o sargento informou seus superiores e os PMs fizeram o mesmo também. Poucos minutos depois as autoridades, estupefatas, concluíram que o pior ainda estava por vir. E que não haveria forma alguma de procurar contornar o problema. De fato, ao anoitecer daquele 20 de Dezembro de 2012, o Rio de Janeiro parou de ponta a ponta. Quem saiu do trabalho não teve como voltar para casa naquela noite, a não ser os que conseguiram fazê-lo a pé. Nem mesmo motos conseguiam passar mais. Só helicópteros conseguiam se deslocar, embora houvesse um total descontrole do tráfego aéreo sobre a cidade, pois muitas dessa aeronaves chegavam do interior e de outros estados, demandando o Rio-Centro também. Do alto, os helicópteros das TVs transmitiam inacreditáveis imagens de um Rio de Janeiro totalmente coalhado e paralisado, com as estradas que a ele chegavam igualmente congestionadas.

O fato é que estava marcado para 01,00 hs do dia 21 de Dezembro, a chegada da espaçonave salvadora ao Rio-Centro. Pelo horário de verão do Brasil, aquilo correspondia ao início exato do fatídico 21 de Dezembro. Ora, a imensa maioria da população não dera bola aos insistentes avisos que as seitas salvacionistas vinham fazendo desde muito tempo. Agora, quando os relógios viraram a uma da madrugada, quando aquela nave gigantesca, muitas vezes maior que o Maracanã, se materializou como que por encanto, vinda do céu límpido, acima do Cristo Redentor, foi o maior alvoroço.

Pânico geral: Então os crentes estavam certos! Ali estava a espaçonave gigantesca, pronta para levar os eleitos. Sinal que a Terra ia mesmo ser destruída. O desespero foi geral, todo mundo tentando de alguma forma chegar ao Rio-Centro. Só que nenhum veículo podia trafegar, tudo estava paralisado. Alguns, que estavam à beira-mar, tentaram invadir os clubes de regatas, roubar lanchas, iates, barcos, caiaques até. Só que a massa não sabia como conduzir esse veículos, aos quais ninguém mais protegia, os próprios guardas da marinas sendo os primeiros a tentar a rota marítima de salvação.

Na hora certa aprazada, a nave pairou sobre o Rio-Centro e sobre a enorme multidão que, ali amontoada, prorrompeu numa gritaria só, gritos de puro alívio. Estavam salvos! Todos os outros, homens de pouca fé, pereceriam. Bem feito!

Por que o Brasil, por que o Rio de Janeiro? Bem, tudo deveu-se ao prestígio com os extra-terrestres de Pai Luiz Adão de Oxossi e Yogananda, criador da Yoga Umbandista das Sete Linhas de Shiva e Aruanda. Seu grupo de adeptos era o que merecia ser salvo, sem qualquer dúvida. Mas havia também o grupo dos estrangeiros, liderado pelo avatar peruano (ou porto-riquenho, segundo outros), que se dizia uma reencarnação do próprio Deus menino. Também eles e seus adeptos seriam salvos, mas para isso tiveram que vir dos quatro cantos do mundo para o Rio de Janeiro. O resto da humanidade iria perecer. A própria nave, usando seus recursos tecnológicos do outro mundo, se encarregaria de abalar as estruturas tectônicas do planeta, deflagrando uma onda de terremotos, vulcões e tsunamis. A Terra estava condenada, só os eleitos seriam salvos, abduzidos para o mundo mais evoluído nos arredores do sistema planetário principal da estrela Xrstfrem, conhecida pelos terráqueos como Épsilon eridani.

Mas os Xrstfremianos não contavam com a falta de infra-estrutura do Rio de Janeiro e seus arredores. Chegaram pontualmente, mas os brasileiros, para variar, estavam miseravelmente atrasados. O comandante Drstgrtwan levou todas as suas seis mãos às cabeças, em desespero. E agora? Tinha só o equivalente a uma hora terrestre para evacuar os eleitos, o que era fácil, já que usaria o plurissugador molecular e aspiraria aquela ratalhada terráquea toda em questão de minutos apenas. Em pouco tempo estariam todos amontoados nos depósitos de carga e aí receberiam o raio letargizante. O que seus superiores pretendiam fazer com aquela carga enorme de horrorosos bichos fedorentos de uma só cabeça, ele não tinha a menor idéia. Nem se importava com isso. De qualquer maneira, eram só alimárias, bichos ultra-primitivos, mas já vaidosos o bastante para acreditarem nas mesmas velhas histórias de salvação que os Xrstfremianos contavam há éons pelas galáxias. A última leva de primitivos que ele levara de um planeta do sistema da estrela Bgrsditrovsy, algo em torno de uns cem mil, esses tinham sido usados como matéria prima nas fábricas de proteínas raras.

Mas agora o comandante Drstgrtwan tinha uma séria decisão a tomar. Depois de uma hora terrestre de iniciado o resgate dos monocéfalos, ele teria apenas o equivalente a seis minutos da Terra para acionar os mecanismos de destruição planetária. Era uma janela exata de tempo, depois disso, condições iguais só depois de séculos. Por causa desse momento é que tinham escolhido e propagado entre os monocéfalos terráqueos a tal historinha do 21 de Dezembro de 2012. Drstgrtwan levou às mãos às barrigas, não pôde evitar que seu corpo de 5 metros terráqueos fosse todo ele sacudido como uma onda, tal a força da gargalhada que lhe sobreveio, ao lembrar disso.

Mas agora o seu problema era sério. Tinha um número certo, contratual, de monocéfalos a levar. Se não fizesse isso, seu prestígio como comandante de nave de carga de alimárias escravas estaria comprometido. Por outro lado, também não podia deixar de destruir o planeta Terra. Seus superiores militares em Xrstfrem tinham tomado essa decisão ao concluírem que aquela espécie humana da Terra, os monocéfalos, tinham todas as péssimas qualidades dos Xrstfremianos e que evoluiriam para se tornarem igualmente conquistadores e escravizadores de galáxias. Ora, era preciso cortar o mal pela raiz, destruir logo essa corja de perigosos futuros concorrentes enquanto era tempo.

Na dúvida, o comandante manteve mais tempo o plurissugador ligado. Quem conseguisse, daquela longa procissão de veículos e pessoas desesperadas correndo a pé, chegar suficientemente perto da nave, seria automaticamente sugado e descarregado no depósito de alimárias. Mas estava intranqüilo, o momento de abertura do portal de destruição tectônica estava muito próximo e ele precisava de toda energia para abastecer suas máquinas de raios, teria que desligar o plurissugador.

Foi quando aconteceu o inesperado. As telas da sala de comando acusaram a aproximação de uma nave amiga. Com a velocidade que vinha, em menos de três segundos terrestres apareceu ela pairando sobre a baia de Guanabara. Era a nave gêmea da sua, comandada por Drstgrtvon, seu irmão gêmeo também. É que no seu mundo, as crianças nasciam de suas máquinas geratrizes sempre em grupos de 20 gêmeos, um sistema muito mais prático que o terráqueo. Mas Drstgrtwan e Drstgrtvon se odiavam. Profundamente.

Que invasão era aquela de sua missão, quis saber Drstgrtwan. Seu gêmeo respondeu que viera resgatar os seguidores do avatar peruano (ou seria porto-riquenho?), recebera a missão de honra, tão logo Drstgrtwan partira com sua nave. Seguiu-se um áspero diálogo cheio de ameaças, em idioma Xrstfremiano, que mais lembraria, para os terráqueos, duas hienas rindo aos guinchos. O tom de voz foi subindo, o teor das ameaças também, até que o comandante Drstgrtwan perdeu as cabeças: fez um sinal a seu imediato, este assestou o canhão de proa e apertou o botão. Um feixe de luz azul intensa saiu da nave e atingiu em cheio a de Drstgrtvon. Como esta estava com o escudo de proteção parcialmente desativado, foi atingida seriamente., Mas não o suficiente para impedi-la de revidar. E revidou a tempo, antes que o escudo de proteção da nave de Drstgrtwan estivesse totalmente ativado. A avaria foi igualmente grande. Aí os dois comandantes começaram manobras de evasão e ataque realmente fantásticas. As naves subiam em espiral em velocidades inacreditáveis, circulavam uma à outra como um sistema de estrelas duplas, e despejavam raios e mais raios de destruição, espetáculo pirotécnico inigualável. Em baixo, os terráqueos monocéfalos estavam atordoados. Caramba, aquelas eram as naves dos arautos da paz, da civilização superior que os viria resgatar para um mundo realmente evoluído, à altura dos únicos seres na Terra a ter fé nos bondosos extraterrestres, espíritos de luz?

Uma fração de segundo depois, a nave de Drstgrtvon foi destroçada a ponto de perder o controle. O comandante então, numa manobra de desespero, do tipo tudo ou nada, ainda teve tempo para fazer uma última tentativa. Concentrando toda a energia que lhe restava, arremeteu direto contra a nave do odiado irmão gêmeo. Estavam muito, muito alto sobre o Rio de Janeiro quando as duas naves colidiram e explodiram, desintegrando-se totalmente.

Os crentes choraram a perda da salvação. Ficaram ainda alguns dias acampados da forma mais precária possível, sem água, comida ou higiene, à espera de outra nave. Quando era de todo impossível sobreviver ali, começaram a empreender a longa viagem de regresso, que para alguns chegou a levar até um ano.

O que eles e os outros habitantes da Terra nunca ficaram sabendo é que o planeta havia sido milagrosamente salvo pela hesitação de Drstgrtwan e pela chegada inesperada de seu gêmeo e desafeto Drstgrtvon.

Mas no fundo, a verdade é que a Terra foi salva pela falta de infra-estrutura do Brasil e do Rio de Janeiro para grandes eventos, para o uso maciço de suas estradas e aeroportos, e também pela proverbial impontualidade e desorganização dos brasileiros.

Houvesse um grande líder de nome Ulrich von Oxossi und Yogananda na Suíça, para lá se teriam dirigido as naves Xrstfremianas e o nosso planeta teria sido destruído pontualmente às cinco da manhã da Suíça. Santa, bendita bagunça nossa!

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