O
FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 4ª Parte
MILTON MACIEL - 12/11/18
Antes de prosseguir nossa viagem
pelo mundo das livrarias e sua irrecorrível transformação, gostaria de entrar
num assunto com o qual a maioria dos leitores pode não estar familiarizada. Mas
isso é essencial para entender a gênese daquela transformação. É o tema das coortes
geracionais.
Eu sou um baby boomer, um membro
daquela geração que nasceu entre os anos 1940 e 1960. Nós crescemos sem Internet,
sem telefones celulares e... sem computadores! Dá pra acreditar nisso? Nossa infância
e adolescência ficou longe desses meios extraordinários. Nosso suporte era o
livro de papel, o caderno, o quadro negro e o giz. Exatamente como aconteceu
com nosso pais e avós e com incontáveis gerações antes deles. Fomos assim
condicionados: leitores de livros de papel.
O primeiro computador pessoal,
o Altair, surgiu em 1971, graças ao desenvolvimento do primeiro microprocessador,
o Intel 4004. Foi vendido a 400 dólares, o que o tornou acessível a muita
gente. Em 1975 os meninos Steve Wozniak e Steve Jobs criaram uma firminha de
garagem, uma tal de Apple. No mesmo bendito ano, outros dois meninos, Paul Allen e
Bill Gates deixando a universidade, começaram outra firminha, que iria se
tornar uma tal de Microsoft. O TRS-80 surge em 1977, o IBM PC e o Apple II surgem
em 1978. Aleluia!
Bem, isso mostra que os baby boomers (geração B), cresceram sem
computador. Só foram encontrá-lo em seu dia-a-dia quando já eram – os nascidos
nos anos 40 e 50, e que já tinham, portanto, renda para comprar computadores – uns
coroas em potencial. Assim o grosso da geração B foi uma geração de baixa
tecnologia. Sem computadores, internet e telefones celulares em sua infância e
juventude, esta geração seguiu no mesmo piloto automático das gerações
anteriores a ela. Ela é constituída maciçamente por leitores de livros de papel.
A seguir tivemos a geração
X, os nascidos entre 1960 e 1980 e que estão agora na faixa entre 40 e
50 anos de idade. Destes pode-se dizer que nasceram juntos com o computador pessoal e puderam encontrá-lo acessível nos
anos 90, ainda em fase escolar. Mas não havia Internet viável ainda. E nem
celular. O primeiro celular vendido comercialmente foi o tijolão Motorola DinaTAC
8000, lançado em 1983. Era fundamentalmente analógico.
A geração de celulares seguinte já foi
digital, a 2G, em 1991. Deixava o aparelho de ser só um telefone, porque podia
enviar e receber mensagens escritas SMS. Se você usou um desses, lembra como
era dureza teclar letras apertando várias vezes a mesma tecla. Felizmente, dois
anos depois, em 1993, a IBM lançou o Simon, que foi o primeiro a ter tela sensível
ao toque, sendo ao mesmo tempo telefone e PDA (palm top). É, portanto, o primeiro
smartphone do mundo!
Mas os apps e conteúdos para download
só foram possíveis em 1998 e o primeiro serviço de acesso pleno à Internet só
apareceu em 1999, no Japão. Onde, em 2001, foi lançada a primeira rede 3G.
Agora sim, Internet e smartphone entravam em perfeita comunhão.
Finalmente, em 2007, a Apple lança o
Iphone e em 2008 a Google lança o sistema Android, o mais usado no mundo
atualmente.
Importante notar que no ano icônico
de 2007, além do Iphone, nasceu o e-book viável, o sistema Kindle da Amazon.
Assim, no final de 2018, podemos
contabilizar:
11 anos do e-book
11 anos do Iphone
10 anos dos celulares Samsung
25 anos do smartphone rudimentar
Quanto à Internet, começada
militarmente no fim dos anos 60 e expandida depois no meio universitário
somente, só se tornou viável a partir de 1992,
quando Tim Berners-Lee, do CERN, criou a World Wide Web (www); e a Netscape
criou, no ano seguinte, o protocolo HTTPS, que possibilitou o envio de dados
criptografados pela Internet. Então ela estava pronta para explodir no mundo
todo.
Podemos completar a relação acima
com mais este item, portanto;
25 anos de Internet viável. Claro
que, de início, com velocidades muito baixas, mas operacionais – nada nem de
longe parecido com os cabos de fibra ótica que hoje nos entregam velocidades de
mais de 100 MBps em casa.
Vemos, assim, que a geração X contou
com o computador (basicamente grandes e ainda lentos desk tops) na infância e adolescência,
nos anos de formação. Mas não puderam contar com a Internet e o smartphone como
temos agora.
Isso vai acontecer com a geração
seguinte, os Millenials (ou geração Y), nascidos entre 1980 e
2000, sucedidos atualmente pela Geração Z, os nascidos só neste século
XXI. Os Millenials são a primeira geração a crescer com computador pessoal
(desk tops, note books, net books e tablets), com Internet e com smartphones
tecnicamente avançados.
A geração Z, por sua vez, é a
primeira totalmente conectada DESDE SEMPRE através de redes de Internet de banda larga e
smartphones 4G. Estas crianças e adolescentes, que ainda não chegaram à vida
adulta, foram instruídas com o uso de toda a tecnologia de informação (TI). O
smartphone é o complemento natural de cada um desse jovens e o tipo de leitura
e escrita que eles praticavam vai ficando cada vez mais diferente daquele
praticado pelos baby boomers e seus
filhos da geração X.
Os Millenials e, ainda mais, a geração
Z, são basicamente os leitores de livros, jornais e revistas digitais.
Mas essa tendência à digitalização
das mídias não é só uma coisa de eBooks, de livro digital versus livro de
papel. Ela é muito mais profunda e atinge todas as mídias de comunicação. Remete-me
de novo a minhas profecias do meu ensaio “O futuro do livro, do jornal e da
revista num mundo cada vez mais digital”, de 2013. Ali eu aconselhava meus
amigos jornalistas a se prepararem para o rápido encolhimento das redações e
dos trabalhos freelas para jornais e revistas. Os jornais iam fechar total ou
parcialmente e manteriam suas colocações os profissionais que migrassem antecipadamente
para aas mídias digitais, preparando-se antes para isso. Não deu outra.
Jornais impressos foram caprichando
no regime, emagreceram muito, afinaram, as páginas de publicidade e de
classificados encolhendo sempre, anunciantes bandeando-se para a Internet, até
que muitos jornais finalmente fecharam. A sobrevivência ficou condicionada ao
sucesso dentro da versão digital.
Hoje quero dar um exemplo simples e
objetivo disso aí: O New York Times.
O jornalão norte-americano consegue sobreviver muito bem. Tem hoje, 2018,
novembro, 4 milhões de assinaturas. Mas dessas, 3 milhões são exclusivamente digitais.
¾ de todas as assinaturas! A receita com assinaturas respondeu por 2/3 do
faturamento e garantiu um lucro operacional de 30%, fechando em 41 milhões de dólares
no trimestre. Um oásis num meio onde a maior parte das casas publicadoras surfa
no vermelho. Neste último trimestre (julho, agosto e setembro) o número de
assinaturas digitais cresceu 18% e o faturamento com publicidade online cresceu
17%.
Já parou para pensar ONDE esses
assinantes digitais estão lendo o seu – enorme! – jornal diário? É, isso mesmo,
nos seus TELEFONES, seus smartphones com telas cada vez maiores e que vêm
matando impiedosamente os tablets, os netbooks e os leitores dedicados para
livros digitais Kindle, Nook e Kobo.
Já declarei nesta série de artigos
que eu sou um baby boomer degenerado:
eu só leio livros digitais e só os leio nos meus smartphones. Vale o mesmo para
jornais e revistas. Tenha assinaturas de diversos deles, Todos rigorosamente digitais.
Se depender de mim, pinheiros, eucaliptos e motosserras podem respirar
aliviados. Só leio no papel aquilo que não é disponibilizado digitalmente.
Agora, depois de fazer esse rápido histórico
da evolução dos meios digitais de comunicação, quero voltar ao tema dos livros
e suas livrarias, mostrando uma coisa que, apesar de muito clara, não pode ser
percebida por quem não está lutando dentro do mercado livreiro. Hoje não temos
mais que concorrer somente com outras editoras e livrarias. A coisa ficou muito,
mas muito mais complicada. Nós concorremos com:
Amazon, Kobo, iBooks, Nook, You tube,
Netflix, TV a cabo, Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram; e até com a velha
TV aberta e o que restou do cinema.
Perceba, o livro não mais é tão
central na atenção das pessoas. Poucas décadas atrás a competição era só com
outros livros, TV e cinema. Agora... todas as outras mídias digitais nos tomam
mercado, a começar pelo próprio mercado digital do livro. É preciso levar isso
tudo em consideração quando se vê a fatia de mercado das livrarias decrescer
continuamente.
Ou seja, agora nós não concorremos mais
somente no mercado do livro. Agora nós concorremos, como muito bem mostrou o
André Palme, no mercado do tempo livre!
Quando temos que vender nossos
livros, eles vão competir com toda essa gama de concorrentes pela ocupação do
tempo livre das pessoas - os que citei acima. Fazê-las optar pelo livro – mesmo
que digital – ao invés do filme da Netflix ou das horas de mídias sociais... é
uma barra! É uma batalha que nós, escritores, editores e livreiros, por
enquanto, ESTAMOS PERDENDO.
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