O FECHAMENTO DE LIVRARIAS - 1
MILTON MACIEL
A onda de fechamentos continua,
inexorável. Para quem não observa o mercado editorial e livreiro do Brasil há
mais tempo, isso pode parecer uma reflexo da crise atual. Não é. A onda é muito
anterior à crise e vem de diversos outros fatores, muito mais fortes, que apenas
encontraram na recessão atual o golpe de misericórdia.
As grandes redes cometeram erros
primários. A La Selva, por ser menor, foi a primeira a pagar o preço - com a
falência. Mas Saraiva e Cultura remaram na contramão. A FNAC, vendo o que
aconteceria, tratou de livrar-se de sua operação brasileira, descarregando-a na
sonhadora Cultura. Que acaba de fechar a última das 11 lojas FNAC no Brasil e
pedir Recuperação Judicial – isto é, a velha e boa Concordata.
As editoras, por sua vez, pagam o
preço dos erros das redes e o preço dos seu próprios erros. Ante a ameaça de
fechamento das duas maiores redes compradoras de livros (junto com o governo,
elas eram os grandes pilares de manutenção do mercado editorial), chegaram a
implementar um movimento de AUMENTO de preço dos livros no varejo, que diziam
defasado, para recuperar a viabilidade das livrarias. Santa ilusão!
Quando é que se viu um aumento de
preços para um mercado em retração levar a aumento de demanda?
O varejo agoniza nas suas lojas
físicas, que há muitos anos deixaram de ser só livrarias para sobreviverem
vendendo de tudo um pouco, meio bric-a-brac de papelaria, informática, música,
brinquedos. Mais erros cometidos. Quando fechou em Recife, a maior loja da
Cultura fora de São Paulo agonizava porque o grande motor de suas vendas (43%)
eram o CDs de música. CDs! Que vinham em queda livre a caminho da extinção.
Veio a revolução digital, a mesma
que extinguiu o CD, e editores e grandes redes continuaram errando feio.
Mantiveram o eBook brasileiro caríssimo, para não competir com seus livros
físicos. As redes foram obrigadas a transformar-se em market places, que remédio! Mas o fizeram tardiamente,
amadoristicamente, com preços inviáveis. Não conseguiram cobrir os custos
astronômicos de suas lojas físicas com suas lojas eletrônicas.
Estavam pedindo: veio a Amazon!
As livrarias foram o templo da
leitura, o lugar mágico do mercado livreiro por séculos. Hoje, cada vez mais esse
lugar se chama e-commerce e market place e fica num estranho continente
impessoal chamado Internet.
Hoje mesmo eu fiz uma coisa rara:
comprei um livro de PAPEL na Amazon Brasil. Que fazer? não existe o eBook!
Paguei 27 reais, mais frete de 11,40. Total: 38.40. Mas não tive que sair de
casa, gastar tempo, combustível e estacionamento. Certo, vou ter que esperar
uns dias pelo correio, mas não compro livro em sangria desatada. Pobres
livrarias físicas!
Na mesma noite comprei um livro
eletrônico na Amazon USA. Tempo da compra: 10 segundos entre clicar no pedido e
o respondedor automático da Amazon me mandar o e-mail dizendo que o livro
estava à disposição para abertura na nuvem do Kindle, débito automático na
minha conta do Bank of America. Tempo de carregamento: mais 20 segundos. Total: menos de 1 minuto entre querer comprar e começar a ler. Preço: 2,90 dólares = 11 reais.
Em termos de equivalente-página, tem mais do que o livro impresso que comprei.
Detalhe: quando fiz ambas as compras eu estava de bermuda e chinelo. E era
quase duas da madrugada. Pobres livrarias físicas!
Outra coisa: Não comprei, mas
baixei uma AMOSTRA de outro eBook Kindle, o que é de graça e igualmente
instantâneo. Costumo fazer isso com a maior parte dos livros, antes de
adquiri-los. É o equivalente de ir a uma livraria e folhear o livro. Pobres
livrarias físicas!
Dias antes eu tinha baixado, desta vez não pela Amazon Kindle, mas pela Kobo, ambos
totalmente de graça, um livro novo da Chimamanda Adiche, o “Sejamos todos
feministas” e uma concisa biografia de Nikola Tesla, escrita por Sean Patrick. Tenho os softwares Kindle e Kobo instalados em meu celular e no notebook. Mas só leio no celular, desde 2010. Pobres
livrarias físicas!
Como autor e editor, as vendas de
8 livros meus, os primeiros que coloquei em oferta no mundo todo como eBooks
Kindle em português, em menos de dois messes ultrapassaram já tudo o que vendi
este ano no Brasil em livros impressos. E agora acaba de sair, disponível para
o planeta Terra inteiro, meu primeiro livro em francês: “La Guerre de Jaques et les détours de la vie”. Um sujeito de
bermuda e chinelo em Cannes, em Montreal, em Papeete, em Caiena ou na Martinica
– ou um aluno da Aliança Francesa em Florianópolis – vai poder comprar o meu
livro às duas da madrugada de um domingo, sem sair de casa. Pobres livrarias físicas!
Hoje as vendas de livros passam
cada vez menos pelas livrarias físicas. Na Bienal do Livro de São Paulo não encontrei
estandes de Saraiva ou Cultura. Não existiam. Mas havia um do Mercado Livre –
enorme! E da Amazon, imenso. E da Microsoft, gigantescos 5 estandes. E das
EDITORAS, aos montes, atacando os leitores DIRETAMENTE com suas vendas no estande
e por e-commerce. Pobres livrarias físicas!
Só que eu continuo sendo um editor de livros físicos! Por isso espero
que esses nossos antigos templos da leitura sobrevivam por mais alguns anos,
mediante toda uma gama de reformulações que teremos que aprender, editores e
livreiros, a fazer. Sobrevivam, livrarias físicas, pelamordedeus!
E eu acredito nessa sobrevivência, via emergência desse novo tipo de
livraria. Vou escrever sobre isso em breve, na sequencia desta série de artigos. CONTINUA
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