O
FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 2ª Parte
MILTON MACIEL
Sigo aqui comentando o tema do
fechamento de livrarias no Brasil.
O fato é que eu já vi tudo isso
acontecer antes. Nos Estados Unidos! Então acho que sei o que vai acontecer no
Brasil. Em 2007, meu primeiro ano em Miami, a Borders era a maior rede de
livrarias do país. Eles tinham mais de 500 lojas nos EUA, cerca de 50 no Reino
Unido, não sei quantas mais no Canadá, Cingapura, Austrália, Nova Zelândia... É
o que lembro.
Sei que tinham algo como 20 000 empregados. Eu ia a livrarias do
grupo, mas ia muito mais à do grupo concorrente, o Barnes & Noble, que
ficava no meu bairro, Aventura. Contudo, pouco depois, por volta de 2009, a
Borders já tinha começado a vender, liquidar ou fechar suas lojas no exterior,
depois foi fechando centenas nos EUA e acabou falindo totalmente em 2011.
Comprei toneladas de livros na lojas que fechavam, por preços de 1 a 3 dólares.
Tirei uma fotografia de uma loja em fechamento – BORDERS Store Closing – que, anos depois, em
2014, virou capa do meu livro “O futuro
do livro impresso, do jornal e da revista num mundo cada vez mais digital”.
A Barnes and Noble (B&N)
comprou a marca e algumas operações da defunta Borders, o que só serviu para
tornar a situação da própria B&N cada vez mais periclitante, Tanto que, em
2014, tive o extremo dissabor de ver a minha loja B&N do coração, a loja de
Aventura, ser fechada também!
A B&N vem no vermelho há
muitos anos, fechando lojas, sua operação de eBooks, com o leitor Nook, nunca
foi bem sucedida como a da Amazon, com o Kindle. Ainda agora, em Setembro
passado, havia rumores – mais uma vez! – de compra do grupo, mas na verdade
ninguém quer botar a mão nessa cumbuca.
Quando a Amazon surgiu vendendo
livros online (era 1995, os livros era todos só em papel), bastou um intervalo
de 5 anos, até 2000, para que 45% da livrarias independentes dos Estados Unidos
fechassem. Seguiram-se a desgraça da Borders e a contração da Barnes and Noble.
Então, em 2007, a Amazon lançou o leitor Kindle e os eBooks entraram no mercado
pra valer, crescendo exponencialmente até 2014, quando encontraram seu primeiro
patamar.
Resumindo, em todo esse tempo, os
outros diminuíram ou desapareceram e só a Amazon cresceu. A ponto de fazer hoje
de Jeff Bezos, um filho de imigrante cubano, seu fundador e proprietário, o
homem mais rico do mundo desde 2017. Mas isso, é claro, porque a Amazon não se
limitou a vender livros físicos e eletrônicos, hoje está praticamente em todos
os negócios de produtos vendáveis à distância.
Mas agora vejam só que coisa
esquisita vem acontecendo desde o ano passado: A Amazon começou a montar
livrarias FÍSICAS, hoje está com algo como 15 ou mais delas. É o triunfo e o
retorno da livraria brick and mortar
(tijolo e cimento). Claro que é um outro conceito de livrarias, mas, ainda
assim, elas têm estoques enxutos de livros físicos, estoques que são pouco mais
do que mostruários, posto que a entrega de correio americano pode se dar em 24
ou 48 horas.
E ainda mais esta: Nos EUA está
acontecendo o crescimento do número de livrarias físicas independentes outra vez! li na PW desta semana que esse
crescimento, segundo a American Booksellers Association, foi de 35%. Só que o
tapado do jornalista esqueceu de dizer em quanto tempo isso aconteceu, vou
procurar descobrir depois de escrever esta nota.
Mas o que chama mais a atenção é o
TIPO de livraria que vem aí. Mas deixo para escrever sobre isso depois. Voltemos
ao Brasil, por enquanto.
Em suma, no Brasil vai acontecer a
mesma coisa. Nós somos especialistas em copiar tudo o que os norteamericanos
têm de bom e de ruim, principalmente de ruim. As redes de livrarias quebraram
lá primeiro. Agora elas quebram aqui. Mas, passados os abalos maiores, os
livros continuaram a ser produzidos, as estruturas de venda em rede ou
independentes não morreram, só trocaram de donos. Aqui vai ser igualzinho, com
uma defasagem de 6 a 10 anos, como acontece sempre. E, claro, com a Amazon
assumindo o papel de maior player por aqui também. Que remédio!
A 10ª pesquisa da GfK e ANL
(Associação Nacional de Livrarias) foi divulgada agora. Ele mede o desempenho
do varejo de livros no período de 3 a 30 de setembro passados, comparando-o com
igual período de 2017. Os resultados mostram:
3,8 milhões de livros vendidos,
com faturamento de 142,3 milhões. Isso é 8,6 e 1,2 por cento maior do que em
Setembro de 2017. Se pegarmos o acumulado do ano, os número são: 40,7 milhões
de livros vendidos do início do ano até agora, com faturamento de 1,75 bilhões
de reais. Isso é 4,2 e 3,6 por cento mais do que no mesmo período de 2017. Logo...
as vendas e o faturamento CRESCERAM! Ou seja, o mercado CONSUMIDOR não se
retraiu. Os leitores continuaram comprando livros, em que pese a tal “crise”
brasileira.
Conclusão: a crise é das grandes
redes! Saraiva e Cultura, ambas em recuperação judicial. A Saraiva tentando
negociar nesta semana um total de 100 milhões de dívidas com fornecedores em
atraso, segundo publica o jornal Valor Econômico. Para se ter uma ideia dos seus apuros, ela está tentando se livrar de um abacaxi carioca, procurando passar o
ponto de sua loja em Copacabana cujo aluguel é de 140 mil reais!
O pedido de recuperação judicial
da Cultura foi o golpe de misericórdia para os editores já enredados com a
Saraiva. Agora mesmo é que eles não vão ver tão cedo a cor do dinheiro deles e
vão fechar o ano certamente no vermelho. Para uma grande parte das maiores
editoras, Saraiva e Cultura representavam quase metade do mercado de que
dispunham.
A respeito disso, disse o Bernardo
Gurbanov, presidente da ANL: “O processo de recuperação judicial da Cultura
representa a cereja de um bolo que azedou, chamado ecossistema do livro. Em
2012 havia 3 481 livrarias no Brasil. Em 2014, eram 3 095. E agora, fim de
2018, a ANL estima que o número caiu para 2 500 – para um país com 5 570
cidades."
Buenos Aires, sozinha, tem hoje
734 livrarias, em que pese a 'crise' argentina. É claro que a voz corrente que Buenos
Aires tem mais livrarias que o Brasil é apenas um mito. Mas que uma cidade de 3
milhões de habitantes (meia Rio de Janeiro) tenha um número de livrarias que
equivale a 30% de todas as de um Brasil de 208 milhões de habitantes é algo muito
doloroso de engolir.
Sobre essa demografia, poder
aquisitivo e mercado livreiro no Brasil escreverei mais adiante nesta série,
que mostra, entre outras coisas, o heroísmo dos meus colegas editores no
Brasil.
Por ora, paramos aqui. No próximo
segmento, falo das livrarias independentes e das redes médias, que sobreviverão
e ocuparão o espaço deixado pelo encolhimento das grandes redes. E pela expansão
da Amazon, que hoje já abocanha, em menos de 2 anos de atuação (com vendas
exclusivamente online), mais de 12% do mercado.
Também o fato de que a Penguin Random House, a maior editora do mundo, tenha concluído seu operação de take over consentido e tenha abocanhado 70% do controle da brasileira Companhia das Letras sinaliza que há peixes grandes acreditando na retomada do crescimento do mercado editorial brasileiro a médio prazo. Isso aconteceu justo agora, em 30 de outubro.
CONTINUA
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