O
FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 3ª Parte
MILTON MACIEL
Antes de prosseguir nossa viagem
interna pelo Brasil livreiro e sua derrocada de livrarias físicas, vamos embicar
nossa proa para terras estrangeiras primeiro. Aproveito que fiz menção às
livrarias de Buenos Aires, a cidade que tem o maior número de livrarias por
habitante em todo o planeta Terra e cujos habitantes leem quatro vezes mais
livros per capita do que os
brasileiros – para ver como está a situação por lá, com especial ênfase nas
terras portenhas. Depois passaremos pela França e outros países. Tudo para que
o nosso leitor possa entender o contexto da nossa situação no Brasil, dentro de
uma perspectiva mais ampla.
Acontece que a crise também pegou
por lá. E lá o bicho foi mais feio que no Brasil. Se aqui podemos falar numa
certa resiliência e numa manutenção e até num discreto crescimento das vendas
de livros em 2018, não obstante o fracasso das redes de livrarias – como
mostrei no artigo anterior desta série a – na Argentina o efeito da crise foi
mais devastador. Especialmente nesta fase de Governo Macri.
Fui buscar o relatório da Câmara Argentina do Livro para este mês
de outubro de 2018. E o que leio ali? Que continua a queda vertiginosa das
vendas de livros no país hermano: Desde 2015 até outubro de 2018 a queda é da
ordem de 30%. Trinta... por... cento!
Portanto, também na Argentina,
também em Buenos Aires, ocorre o fechamento de livrarias. Mas, paradoxalmente,
ele é menor do que no Brasil, onde a crise econômica não chegou a ser tão
grande como lá. Acontece que há diferenças imensas entre os dois mercados
livreiros. Na Argentina a concentração foi muito menor, quase não há grandes
redes de livrarias, a imensa maioria é de livrarias independentes; e há um
enorme número de livrarias muito pequenas e, ao mesmo tempo, tradicionais, com
décadas de existência.
E há outra diferença que pesa
muito: lá o livro eletrônico mal começou a abrir o seu caminho próprio, ainda nem
existe uma Amazon.ar. E as vendas dos livros físicos por Internet não empolgam
tanto como aqui. A Argentina lidera na América espanhola como país com maior
venda de livros e jornais impressos, mas perde feio na venda de publicações
digitais.
Tenho estudado o mercado
argentino, de olho na edição de outros livros meus em espanhol (já tenho um,
lançado em 2013). Por isso sei que não posso esperar muita venda de livros
eletrônicos nesse que é o maior mercado consumidor latinoamericano de livros em
castelhano.
O estudo “El Mercado de Médios de Latinoamerica” me diz que que a Argentina fica
quase na lanterna em termos de e-readers e tablets. Ou seja, por lá o império do
livro de papel terá uma vida muito mais longa do que no Brasil. Devo me
preparar para entrar, portanto, com livros físicos, isso num momento em que há uma
forte retração de consumo para eles. Mesmo assim, a excelência do mercado do
ponto de visto qualitativo mostra que o investimento vale a pena.
Até porque os livros em espanhol terão
consumo também em todo o mundo hispanófono, que é muitíssimo maior do que
apenas Argentina, México e Espanha. Ele dá a volta ao mundo todo a partir dos
Estados Unidos. São 570 milhões de pessoas (45 milhões só nos EUA), o segundo
idioma mais falado do mundo, atrás apenas do chinês. Muito embora, quando
consideramos como idioma LIDO e como idioma internacional de comunicação, o
inglês ocupe esse segundo lugar.
Sendo de um país muito mais culto
e muito mais tradicional que o Brasil, os habitantes da Argentina têm com suas
livrarias uma relação muito mais profundamente arraigada desde a mais tenra infância.
Lembro quando, no final dos anos
70, passei uma temporada em Buenos Aires acompanhando minha amiga Gal Costa –
que, com apenas 13 dias numa cidade onde nunca se apesentara, ganhou um disco
de platina, algo inédito no país, graças ao seu sucesso “Um dia de domingo”, de
Sullivan e Massadas. Pois bem, nos poucos dias longe do público, aproveitei
para visitar algumas das famosas livrarias de Buenos Aires. Sim, a capital
argentina é uma das poucas cidades do mundo onde livrarias são grandes pontos turísticos. Inclusive
oficias!
Fiz questão de conhecer, entre
outras, a Libreria Alberto Casares,
informalmente chamada, hoje em dia, de ‘a livraria de Borges’, pois o grande
escritor ia a ela com muita frequência e nela passou no último dia de sua vida,
procurando livros apesar da cegueira, poucas horas antes de morrer. O dono, o simpático
Alberto Casares anda estava vivo no ano passado, 2017, com mais de 80 anos. Espero
que continue assim, com muita força e saúde. Casares tinha horror das grandes
redes de livrarias, a que chamava de supermercados
de livros, dizendo que elas não têm alma, não têm livreiros que conheçam
bem os livros e o gosto dos fregueses um por um, que visam somente o lucro e
nada mais”.
Ele ia mais adiante, explicando: “Desde
a época da independência, a elite de Buenos Aires se pretendia europeia, logo
comprava muitos livros. Era costume que os dotes das noivas na época incluíssem
uma grande biblioteca vinda da Europa. E, com isso, criou-se uma cultura para
as artes, não só a literatura, mas para os quadros, o teatro, a ópera”.
Outro caso é o de uma das poucas
redes livreiras do país, dona da El Ateneo Grand Splendid. Imensa,
suntuosa, a loja (foto acima) ocupa o espaço do que foi antes um dos grandes teatros de
Buenos Aires. É um cartão postal da cidade, ponto obrigatório de visita de
viajantes com um pingo de cultura que seja, que vão lá nem que seja só para colher
fotografias e selfies – como acontece
com a famosa Lelo e Irmão, de Porto,
Portugal (foto abaixo), embora a Atheneo não tenha a imponência do estilo neogótico do prédio
da centenária Lello, considerada pela CNN, em 2014, a livraria mais bonita do
mundo. Nem tenha tido como sua frequentadora habitual uma britânica então muito pobre, uma certa J. K. Rowling, que viveu na cidade do Porto antes de escrever sua saga Harry
Potter e inspirou-se no prédio e nas escadarias da Lello para compor seu cenário
de Hogwarts.
O gerente atual da Atheneo, Juan
Pablo Marciani, diz;: “Os livros em
Buenos Aires são como o tango”. E o que explicaria esse apelo do livro de
papel? Ele explica: “A cultura do papel é muito importante para nós. E não ter
acesso a meios digitais como tablets ou livros eletrônicos faz as livrarias
muito necessárias. “Que outra cidade do mundo tem uma livraria entre suas
atrações turísticas mais procuradas?”
Menos, Pablo, menos! Muitas outras cidades mundo afora, Pablito! Menos
no Brasil, é claro. Até porque, apesar das crenças portenhas, nem Maradona foi
o maior jogador do mundo e nem Deus é argentino ainda – embora o papa já o
seja. Se você passar por Lisboa, Pablo, não deixe de dar um pulinho na livraria
Bertrand,
no Chiado, considerada em 2011, pelo Livro Guinness dos Recordes, como a
livraria mais antiga ainda em funcionamento no mundo. A Bertrand foi fundada em
1732, Pablito!
Nossa próxima viagem será para a
França E Estados Unidos. Até breve, senhoras e senhores passageiros.
CONTINUA
CONTINUA
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