AS
PESSOAS SÃO CONTAGIOSAS – Parte 3 – o RABUGENTO
MILTON MACIEL
O RABUGENTO é um tipo todo à parte. Ele vai
dormir de mal com o mundo, o que é problema dele. Mas ele ACORDA de mal com o
mundo – e aí passa a ser problema NOSSO!
Sim, porque vê-lo de manhã já é um
suplício: lá vem ele com sua cara de enterro, pronto a converter o nosso
desjejum em um velório com meia dúzia de carpideiras octogenárias. A primeira
coisa que se sabe é que o Rabugento não vai dar bom-dia. Simplesmente porque
isso significa desejar que algo possa ser bom. Ora, para o Rabugento, não
existe esse tal de bom. TUDO para ele é ruim.
Você está alegre, assobiando ou cantando,
ouvindo sua boa música e, de repente, adentra o ambiente o Rabugento. Pronto! O
tempo fechou. Com ele entram nuvens negras de tormenta, o ambiente
imediatamente se obscurece. A alma do Rabugento é escura, sua aura, afirmam
aqueles que se dizem capazes de ver essas coisas, lembra sovaco de corvo.
Supõe-se que o cheiro, se é que alma tem isso, deva ser igualmente o de axilas
descuidosas.
Você tem poucas saídas depois que o
Rabugento entra. Você pode tentar ignorá-lo, cantar mais alto, aumentar o som
da música, dançar, sapatear, dar gargalhadas, soltar gases, arrotar na cara
dele. Mas é pouco provável que o Rabugento se incomode com isso e vá embora.
Ele vai continuar o seu avanço e o ambiente vai ficar cada vez mais pesado e
escuro.
É preciso lembrar que o Rabugento contagia
sem nem sequer precisar abrir a boca. O Rabugento pode até ser mudo, basta sua
presença opressora para precipitar o contágio. Ele entra e você já sabe que o Inferno de
Dante está chegando no pedaço. Ou pior, que é o Tártaro grego que saiu das
profundas e você já sente o hálito mefítico de Cérbero, com suas três bocarras
prestes a abocanharem sua até então alegre bunda rebolante.
A única outra saída é a mesma que funcionou
no caso do TADINHO, depois que alguém levou o parasita para dentro da sua casa:
Você pode encomendar o Rabugento a Raimundo
Nonato da Anunciação. Mundinho arma uma tocaia atrás de um pé de pau lá fora e
nem deixa o Rabugento entrar na sala. Você ouve o tiro da repetição, um só, que
Raimundo Nonato não é homem de perder bala, e já sabe que pode continuar
cantando e rindo contente, seu dia não só vai continuar alegre, mas vai ficar
muito melhor, porque Mundinho acaba de mandar o Rabugento de volta pro chefe
dele, o Tinhoso, lá embaixo.
Mas suponhamos que você não possa pagar o
justo preço pelos serviços profissionais de Mundinho. Nesse caso, você vai
continuar sendo exposto ao Rabugento vezes sem fim. Então é preciso que nós
pensemos numa solução de emergência, porque o contágio do Rabugento é fatal e
muito, muito rápido, mais parece peçonha de coral, de cascavel, de
surucucu-pico-de-jaca. Ele chega perto de você e pronto. Antes mesmo de olhar
nos olhos dele, antes mesmo de ouvir qualquer palavra ou frase demolidora
vindas daquela boca de dentes ruins, você já sabe que o mundo é mau e não tem
volta, que não existe solução, que você é um azarado como ele.
Se você chega a olhar nos olhos do
Rabugento, você cede imediatamente a seu poder hipnótico, na mesma hora você
passa a ver tudo cinzento. Aí o Rabugento abre a boca de hálito latrinal e você,
no mesmo instante, ouve o canto desafinado de um coral de duzentas sereias
roucas e velhas. E esse canto, todos sabem, atrai você para o fundo. O fundo do
abismo em que o Rabugento vive com sua rabugeira infinda. E aí não tem mais
saída mesmo. Você já era.
Logo, há que usar nesse caso e mesma
boa técnica preventiva recomendada para o caso do Tadinho. Aprenda a reconhecer
o Rabugento de longe e corra dele como o diabo da cruz, como o Rivelino daquele
jogador uruguaio, como um moleque de 10 anos de banho no inverno.
Portanto, se você tem um parente Rabugento,
saiba se defender dos humores contagiosos do tipo. Procure entrar em casa
depois que ele já estiver dormindo e tendo seus pesadelos horríveis com coisas
sempre pra lá de ruins. De madrugadinha, saia de casa de fininho, antes que o
Rabugento acorde. Os fins-de-semana, passe-os todos a uns seguros mil
quilômetros de distância do tipo.
Agora, se não há grana para sair, é sempre
possível fingir um achaque dos brabos e arrumar remoção para um hospital
público, onde você poderá passar sábados e domingos comodamente estarrado numa
maca em um corredor, fazendo dieta, só com soro na veia e, o melhor de tudo,
sem a presença do Rabugento para levar a zero o seu astral, com aquele humor
engangento dele. Na segunda você foge da maca e chega no trabalho renovado, de
bem com a vida, mais magrinho – e vendo tudo azul ou cor-de-rosa.
Agora, se você tem um AMIGO Rabugento,
então, meu camarada, aí a coisa ficou feia demais. Porque só você mesmo para achar
que o Rabugento é amigo de alguém! Nesse caso, procure internação de verdade,
tratamento agressivo, preferencialmente cirúrgico. Têm chegado a meu conhecimento
alguns casos de lobotomia bem sucedidos, realizada no cérebro de pessoas que
ficaram ao lado do Rabugento, porque diziam que ele era seu amigo!
CONTINUA...
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