sábado, 19 de abril de 2014

AS PESSOAS SÃO CONTAGIOSAS – Parte 3 – o RABUGENTO 
MILTON MACIEL

O RABUGENTO é um tipo todo à parte. Ele vai dormir de mal com o mundo, o que é problema dele. Mas ele ACORDA de mal com o mundo – e aí passa a ser problema NOSSO!

Sim, porque vê-lo de manhã já é um suplício: lá vem ele com sua cara de enterro, pronto a converter o nosso desjejum em um velório com meia dúzia de carpideiras octogenárias. A primeira coisa que se sabe é que o Rabugento não vai dar bom-dia. Simplesmente porque isso significa desejar que algo possa ser bom. Ora, para o Rabugento, não existe esse tal de bom. TUDO para ele é ruim.

Você está alegre, assobiando ou cantando, ouvindo sua boa música e, de repente, adentra o ambiente o Rabugento. Pronto! O tempo fechou. Com ele entram nuvens negras de tormenta, o ambiente imediatamente se obscurece. A alma do Rabugento é escura, sua aura, afirmam aqueles que se dizem capazes de ver essas coisas, lembra sovaco de corvo. Supõe-se que o cheiro, se é que alma tem isso, deva ser igualmente o de axilas descuidosas.

Você tem poucas saídas depois que o Rabugento entra. Você pode tentar ignorá-lo, cantar mais alto, aumentar o som da música, dançar, sapatear, dar gargalhadas, soltar gases, arrotar na cara dele. Mas é pouco provável que o Rabugento se incomode com isso e vá embora. Ele vai continuar o seu avanço e o ambiente vai ficar cada vez mais pesado e escuro.

É preciso lembrar que o Rabugento contagia sem nem sequer precisar abrir a boca. O Rabugento pode até ser mudo, basta sua presença opressora para precipitar o contágio.  Ele entra e você já sabe que o Inferno de Dante está chegando no pedaço. Ou pior, que é o Tártaro grego que saiu das profundas e você já sente o hálito mefítico de Cérbero, com suas três bocarras prestes a abocanharem sua até então alegre bunda rebolante.

A única outra saída é a mesma que funcionou no caso do TADINHO, depois que alguém levou o parasita para dentro da sua casa:

Você pode encomendar o Rabugento a Raimundo Nonato da Anunciação. Mundinho arma uma tocaia atrás de um pé de pau lá fora e nem deixa o Rabugento entrar na sala. Você ouve o tiro da repetição, um só, que Raimundo Nonato não é homem de perder bala, e já sabe que pode continuar cantando e rindo contente, seu dia não só vai continuar alegre, mas vai ficar muito melhor, porque Mundinho acaba de mandar o Rabugento de volta pro chefe dele, o Tinhoso, lá embaixo.

Mas suponhamos que você não possa pagar o justo preço pelos serviços profissionais de Mundinho. Nesse caso, você vai continuar sendo exposto ao Rabugento vezes sem fim. Então é preciso que nós pensemos numa solução de emergência, porque o contágio do Rabugento é fatal e muito, muito rápido, mais parece peçonha de coral, de cascavel, de surucucu-pico-de-jaca. Ele chega perto de você e pronto. Antes mesmo de olhar nos olhos dele, antes mesmo de ouvir qualquer palavra ou frase demolidora vindas daquela boca de dentes ruins, você já sabe que o mundo é mau e não tem volta, que não existe solução, que você é um azarado como ele.

Se você chega a olhar nos olhos do Rabugento, você cede imediatamente a seu poder hipnótico, na mesma hora você passa a ver tudo cinzento. Aí o Rabugento abre a boca de hálito latrinal e você, no mesmo instante, ouve o canto desafinado de um coral de duzentas sereias roucas e velhas. E esse canto, todos sabem, atrai você para o fundo. O fundo do abismo em que o Rabugento vive com sua rabugeira infinda. E aí não tem mais saída mesmo. Você já era.

Logo, há que usar nesse caso e mesma boa técnica preventiva recomendada para o caso do Tadinho. Aprenda a reconhecer o Rabugento de longe e corra dele como o diabo da cruz, como o Rivelino daquele jogador uruguaio, como um moleque de 10 anos de banho no inverno.

Portanto, se você tem um parente Rabugento, saiba se defender dos humores contagiosos do tipo. Procure entrar em casa depois que ele já estiver dormindo e tendo seus pesadelos horríveis com coisas sempre pra lá de ruins. De madrugadinha, saia de casa de fininho, antes que o Rabugento acorde. Os fins-de-semana, passe-os todos a uns seguros mil quilômetros de distância do tipo.

Agora, se não há grana para sair, é sempre possível fingir um achaque dos brabos e arrumar remoção para um hospital público, onde você poderá passar sábados e domingos comodamente estarrado numa maca em um corredor, fazendo dieta, só com soro na veia e, o melhor de tudo, sem a presença do Rabugento para levar a zero o seu astral, com aquele humor engangento dele. Na segunda você foge da maca e chega no trabalho renovado, de bem com a vida, mais magrinho – e vendo tudo azul ou cor-de-rosa.

Agora, se você tem um AMIGO Rabugento, então, meu camarada, aí a coisa ficou feia demais. Porque só você mesmo para achar que o Rabugento é amigo de alguém! Nesse caso, procure internação de verdade, tratamento agressivo, preferencialmente cirúrgico. Têm chegado a meu conhecimento alguns casos de lobotomia bem sucedidos, realizada no cérebro de pessoas que ficaram ao lado do Rabugento, porque diziam que ele era seu amigo!
CONTINUA...

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