AS PESSOAS SÃO CONTAGIOSAS – Parte
2 - O TADINHO
Pois é, neste mundo de pessoas-ameba,
pessoas-salmonella e pessoas-H1N1, precisamos ter cuidado com MUITOS tipos
diferentes de fontes de contágio. Já mencionei o CHATO e o CRÍTICO como fontes
importantes de infecção, as quais podem minar sua saúde psicológica e,
portanto, afetar inevitavelmente sua saúde física.
Agora vamos passar a um tipo muito perigoso
de fonte de contágio: o TADINHO. Esse tipo se divide em dois subtipos
igualmente danosos, como vamos ver a seguir.
O primeiro, o Tadinho Propriamente Dito,
é um artista: “Um fingidor, finge tão
completamente, que chega a fingir que é
dor a dor que deveras...” NÃO
sente! Mas que você acredita piamente que ele sente. Em dois tempos ele o
convence disso. Consequentemente, consegue o que quer: você morre de dó do sujeitinho!
Ah, ninguém sofre mais no mundo que o
Tadinho! Ele é infeliz, injustiçado, desvalido, vítima desse mundo cruel e de
suas pessoas desalmadas. Pelo geral ele também é pobrezinho, porque não é nem
um pouco dado a essa coisa esquisita que você tem que fazer todos os dias:
TRABALHAR! Por definição, o Tadinho é um PARASITA. Muito rapidamente ele comove
você, alimenta sua compaixão, convence você que você é mais generoso que Madre
Teresa... e passa a depender de você para sua sobrevivência – tanto psicológica
como, principalmente, física.
Você paga uma conta aqui, empresta um
dinheiro ali, paga um aluguel atrasado, compra comida, um tênis, uma roupinha,
remedinhos para os dodóis dele... Uma amiga Tadinha e parasita tira de você o
que quiser em dois tempos. Na hora você arranca do seu corpo o que tiver, para
dar à Tadinha, pobrezinha. Tira a blusa, a calcinha, até o absorvente você
retira para dar a ela, tanta é a piedade que você sente da coitadinha.
E a catástrofe fica completa quando você
leva o(a) Tadinho(a) para morar na sua casa. Completamente instalada a
infecção, na sua fase crônica agora, dali ele não sai NUNCA mais! Mas nem com
reza brava, tanto que nenhum pai-de-santo aceita mais fazer trabalho para
afastar Tadinho, porque isso está acima das forças dele e de todos os orixás
juntos. Os únicos dois casos, que eu saiba, em que aconteceu esse afastamento, foram resolvidos por Raimundo Nonato da Anunciação, jagunço e pistoleiro de
aluguel de infalível pontaria, glória do sertão alagoano. Só que Mundinho cobra caro,
mas... guerra é guerra!
Em defesa do(a) Tadinho(a), devo reconhecer
que ele(a) é uma pessoa muito grata. Vai dizer o tempo todo que você é a pessoa
mais generosa do mundo, queima incenso o tempo inteiro ante o altar onde você é
santa(o). Isso enquanto você estiver caindo na armadilha. No dia em que você
acordar para a realidade da sua doença e descobrir que foi infectada por esse
tipo de parasita, imediatamente ele(a) vai cantar e infectar em outra
freguesia. Aí você passará a ser mesquinha, incompreensiva, unha-de-fome,
mão-de-vaca, egoísta, cruel. Isso ela vai dizer para todo mundo, e, ainda mais
especialmente, para sua nova vítima, a nova santa.
Mas, a essa altura, o Tadinho já causou um
estrago brutal na sua confiança na humanidade e, com certeza, na sua conta
bancária. Como o Tadinho é um ‘pobrezinho’, ele costuma deixar as pessoas que
contamina bem mais pobres. Olho vivo, cuidado com ele!
O remédio para tratar essa infecção, a Tadinhite Crônica é difícil de
encontrar. O tratamento deve ser basicamente preventivo. Quando o Tadinho começa a rondar e envolver você, quando
você está ficando morto de compaixão, corra a procurar outras pessoas que ele
possa ter infectado antes. Elas lhe contarão quem é a figura. Aí é tratar de
mostrar que você já sabe, que o Tadinho corre ligeirinho para cantar e
contaminar em outro quartel.
O segundo tipo de Tadinho é um Auto-Tadinho: o HIPOCONDRÍACO.
Esse é outro sofredor. Sofre doenças reais
(raríssimas), doenças imaginárias (aos montes) e doenças auto-geradas (pela
iatrogênese: doenças criadas pelos próprios remédios que ele vive usando e seus
inevitáveis efeitos colaterais).
Para se prevenir contra este tipo de
contágio infeccioso, tão logo comecem os contatos com essa criatura, dê um
jeito de ir até a casa dela e peça para ir ao banheiro. Examine seu armário,
veja se está cheio de frascos e caixas de remédios. Entre enganada no quarto e
olhe para o criado mudo, onde o amontoamento é dos frascos de consumo diário
atual. Aí tente almoçar ou jantar com o(a) Hipo e conte o número de pílulas que
ele(a) engole a cada refeição.
Naturalmente você vai ter que ouvir
pacientemente todas as queixas desse tipo especial de Tadinho. Ele sofre porque
teve o azar de ter esse corpo tão frágil, essa sensibilidade extrema às doenças
dos outros e ao meio ambiente, essa fatalidade genética que o marca desde o
malfadado ventre materno. Mas o grande perigo é que essa atitude de vítima
física da fatalidade é altamente contagiosa e o Hipocondríaco vai tentar
convencer você que VOCÊ TAMBÉM ESTÁ DOENTE! Mas você, tonto, nem percebe, ao
passo que ele, experiente de décadas, já sacou como você está MAL, muito mal! E
já vai começando a lhe prescrever e emprestar comprimidos – que médico, que nada!
O Hipo é, consequentemente, um Tadinho e
você vai morrer de dó dele também. Vai fazer de tudo para ajudar, ainda mais se
o Hipotadinho já estourou seu cartão de crédito, está devendo em dez farmácias
e dois hospitais e está sem seu estoque de segurança de antiespasmódicos, antihemorrágicos,
antidepressivos e antihelmínticos; e se seu frasco de remédio para gases está
do meio para o fim, suas injeções para náusea estão nas últimas ampolas, se ele
só tem mais dúzia e meia de supositórios para tosse; e se as contas no
massagista e no acupunturista estão atrasadas. Prepare-se para afrouxar os
cordões da sua bolsa, o Tadinho Hipo precisa, pobrezinho. E vai custar caro!
E isso tudo sem falar das noites em claro
que você vai passar ouvindo o telefonema aflito das duas da madrugada, que lhe
dá conta do enfarto que ele está pressentindo, das pontadas que não o deixam
respirar às quatro horas, da necessidade de correr para o apartamento dele,
para acompanhá-lo ao hospital na ambulância às cinco, antes que seja tarde
demais.
Naturalmente o Tadinho sofre de coisas
reais também. De um modo geral, por engolir e injetar tanta química no corpo
todo santo dia, ele acaba conseguindo o que quer: fica doente mesmo. É a tal
iatrogênese, doenças criadas pelos remédios e tratamentos. Por isso mesmo o
Tadinho Hipocondráco tem mais chances de comover você.
Agora, só não tente convencê-lo a buscar
tratamento psicológico e nunca – mas nunca mesmo! – arranje um médico capaz de
curá-lo, de verdade!, de uma única sequer de suas doenças. Você perde o “amigo” na
hora e ele volta a compartilhar sua amizade exclusivamente com a onça.
CONTINUA...
Esta população é bem maior do que imaginamos, não é a toa que as grandes redes de farmácia cresceram tanto. Obrigado Milton, ótimo texto, assim como teu livro A sopa química. Abraço
ResponderExcluirMuito obrigado, Romualdo Vicente DE RAMOS. Com agroquímicos e iatrogênese a provocarem ainda mais doenças, a indústria e o comércio farmacêuticos vão aos céus da bem-aventurança.
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