MILTON MACIEL
Neste Dia da Consciência
Negra, torno a postar um poema que é particularmente caro ao meu coração. Nele
presto tributo uma figura real, a TIA
BELA, uma parteira e ama de leite que trouxe ao mundo e amamentou um grande
número de crianças em Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, na minha
infância – inclusive dois primos meus. A mãe deles, branca racista convicta, de
peitos murchos sem leite, abria uma exceção para essa negra notável, dizendo,
com a maior desfaçatez: "Ela é negra, mas tem a alma BRANCA". Que
horror!
E presto homenagem também a todas as inumeráveis gerações de Negras, que, enquanto escravas, por séculos e séculos se doaram em amor, alimentando do seu peito e cuidando do seu coração seus sinhozinhos brancos. Para, no geral, deles receberem, depois, a mais amarga e cruel ingratidão.
NEGRA VELHA (poesia gaúcha)
Paro a lida pra te olhar,
negra velha amiga,
Ver como avanças pouco, no
teu passo lento,
Despacito nomás, a mão
tateando ao vento.
Hay névoa nos teus olhos e
muita mágoa antiga.
Teu peito encarquilhado, que
pra frente se curva,
Esconde a vida que ele deu
pra tanta gurizada...
Pois quanto piá amamentastes
nesses seios então fartos,
Filhos de brancas sem leite
de quem fizestes partos!
Mas que hoje te esqueceram,
na tua pobreza turva,
Porque, qual vaca velha, tu
fostes descartada.
Quantos homens de
importância trouxestes tu ao mundo
E quantos deles só viveram
pelo leite no teu peito?
Quanto piazito faminto foi
no teu seio escuro aceito,
Porque ali dentro batia um
coração de amor profundo!
Mas hoje chego aqui e te
descubro nesta baita solidão:
Tua velhice desamparada e
trôpega, cheia de tristeza.
Essa vista turva, esse
abandono cruel, essa pobreza...
E de todos os que por ti
passaram... nenhuma gratidão!
Vem, negra velha amiga, vem
comigo, apóia no meu braço,
Não mamei do teu leite, mas
conheço uma a quem salvastes:
Uma que hoje é a mulher da
minha vida e a quem amamentastes.
Vem comigo, nobre negra, tu
vais viver conosco, dá um abraço!
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