quarta-feira, 16 de outubro de 2013

PETRUS ROMANUS, O ÚLTIMO PAPA

PETRUS ROMANUS, O ÚLTIMO PAPA
MILTON MACIEL

Pietro Pirlo orava e meditava na pequena cela para onde fora levado por seus captores. Agora era esperar pelo fim. Sua tentativa de sequestrar a papisa havia fracassado. A esta hora, todos os seus homens já deviam ter sido executados nos subterrâneos da Basílica de São Pedro. Ele também seria morto em poucas horas, mas seu julgamento sumário resultara na opção pelo garrote vil.

A cela ainda rescendia ao perfume daquela mulher fascinante, uma mistura de essências sutis com o cheiro natural da pele daquela fêmea irresistível. Minutos atrás ela deixara cair ao chão todas as suas vestes de papisa e desnudara-se completamente para ele, porém Pietro Pirlo a havia repelido. A papisa voltou a vestir-se. Aproximou-se dele e, levando as duas mãos delicadas à altura do pescoço do homem, fez um gesto em que as girava em sentidos opostos. Pietro entendeu: acabara de ser confirmada sua sentença de morte por garroteamento. Da saída da cela, a papisa dirigiu-lhe um olhar de tristeza e falou-lhe pela última vez:

– Poderia ter sido tudo tão diferente! Só você sabe o quanto eu o amei, mas você me obriga a matá-lo. Não tenho outra saída, já que esta é a sua posição. Adeus!

Recostado no catre, Pietro repassava agora sua vida. Duas décadas atrás ele era simplesmente o jovem Pietro Pirlo, o maior jogador italiano de futebol de todos os tempos, atacante da Roma, que a torcida fanática aclamava aos gritos de: Pietro Romano! Pietro Romano!   Era da mesma família de Andrea Pirlo, no passado um celebrado meia-armador do Milan, da Juve e da seleção italiana. Mas Pietro Pirlo era também um homem belíssimo, considerado por publicações especializadas “Il piu bello maschio europeo”. 

Era o sonho dourado de todas as mulheres, mas só uma logrou aproximar-se dele mais do que todas: a Marquesa de Avignon, uma brasileira de beleza impressionante que, aos 23 anos somente, já era detentora do poder total sobre a maior organização religiosa do mundo, a Igreja Universal do Trono de Deus. Pietro estava no auge da carreira e da fama, aos 24 anos, quando lhe apresentaram aquela mulher fascinante e ele perdeu-se de amores por ela imediatamente. Foi a primeira e única vez em que amou de verdade na vida. A marquesa também sentiu-se consumir de paixão por ele. Tiveram um tórrido relacionamento por vários meses.

Então sobreveio a desgraça: Pietro foi sequestrado por um grupo terrorista somali e levado para a África, onde foi mantido em cativeiro durante um ano e meio. Os sequestradores cobraram e receberam milhões de dólares de resgate, mas não o libertaram. Quem o fez, matando todos os somalis, foi um comando do famoso terrorista árabe Tarik Aziz. Contudo, Pietro foi retido pelo grupo por mais seis meses, ao longo dos quais uma sólida amizade se desenvolveu entre o italiano e o árabe. Aziz era um homem de profunda erudição, um filósofo, um poeta e, pensava Pietro, também um louco. À noite, na tenda, entravam madrugada adentro lendo o alcorão e a bíblia. Aziz detestava igualmente a ambos, tinha ódio do cristianismo e do islamismo, segundo ele religiões obscurantistas e retrógradas, eivadas de aproveitadores a explorar seus incautos seguidores. Se pudesse, afirmava categórico, liquidaria com as duas ao mesmo tempo.

Após seis meses no deserto, Aziz libertou Pietro, sem jamais ter pedido qualquer resgate por ele. A esta altura, no mundo acidental, ele era tido como morto. Seu reaparecimento foi um estrondoso fenômeno midiático. Como o foi a repercussão de sua desistência da vida de fama e luxo que levara. No deserto, graças a Aziz, entendeu como haviam sido fúteis e vazios seus anos de glória. E optou por iniciar sua preparação diretamente na Escola Vocacional da 3ª. Ordem Franciscana. O mundo esportivo chorou a perda do seu atleta. As mulheres choraram a perda do seu piu bello maschio. Mas Pietro Pirlo persistiu e foi ordenado padre quatro anos depois, aos 30, graças às novas e muito mais flexíveis regras canônicas vigentes, que também permitiram que ele se tornasse cardeal da Igreja com apenas 34 anos.

Contudo, foi nesse momento que as tribulações maiores da Igreja começaram. A Marquesa de Avignon, sua antiga amante e o único grande amor de sua vida, herdeira e dirigente da seita religiosa mais poderosa do mundo, organizara e empreendera um bem sucedido take over sobre as combalidas instituições financeiras católicas, tornando-se proprietária do Banco Vaticano.  A partir daí, a Organização, através de suborno, chantagem, ameaças, sequestros e assassinatos, conseguiu numa votação arranjada, num Conclave de apenas 102 cardeais cooptados, que a marquesa fosse eleita Papa (ela nunca aceitou o título Papisa, por achá-lo machista). Passou a reinar como Maria Madalena I. Por fora, uma morena de 33 anos, de beleza estonteante. Por dentro, uma alma escura, capaz de fazer qualquer coisa para alcançar e manter o poder, inclusive, diziam, mandar matar a própria mãe envenenada. Maria Madalena I passou a perseguir, mover falsos processos e fazer prender como conspiradores todos os que, na Igreja, se opuseram a sua vontade. Ao mesmo tempo, tinha uma vida sexual intensa e variada. No fogo dos 33 anos, tinha vários amantes, ora sucessiva, ora simultaneamente. Seus inimigos passaram a chamá-la La Putana.

Foi Tarik Aziz, numa inesperada visita, devidamente  disfarçado, ao amigo agora cardeal, em Roma, , que chamou a atenção de Pietro para algo que até então ninguém havia percebido:

– Lembre-se, Pietro, em Apocalipse 17:9: "As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada."  E, em 17:16, 18 vê-se "E os dez chifres que viste na besta são os que odiarão a prostituta; e a colocarão desolada e nua, e comerão a sua carne, e a queimarão no fogo.”

– Prodigiosa memória, amigo Aziz!

– Memória coisa nenhuma, Pietro. Eu decorei essas passagens porque nosso ulemá Karan me abriu os olhos e eu então voei para cá imediatamente, para lhe passar esta informação. Há também a Profecia do Santo de vocês, Malaquias, um bispo da Irlanda, sobre o último papa. Ela fala em grande tribulação para sua Igreja e que então reinará o último papa e que ele será Petrus Romanus. Pietro Romano! Pietro Romano! O grito da torcida da Roma, Pietro! O último papa vai ser VOCÊ! Quer maior tribulação que essa de agora, quando sua Igreja está sendo dizimada pela força dessa papisa, que nada tem de católica? E veja, Pietro, como ela é chamada: La Putana: a PROSTITUTA! Essa é a Prostituta de que fala o Apocalipse, não é nem Babilônia, nem Roma. É ela, é a marquesa, Pietro. Acorde! Está na hora de você tentar retomar o poder à força, meu amigo. Ou você reage agora, ou nada mais poderá ser feito. Eu trouxe alguns homens comigo, devidamente disfarçados. Você pode formar um comando com eles e matar a prostituta. Ou, talvez, sequestrá-la. Você tem que invadir o Vaticano imediatamente, esta noite. E eu trouxe também uns brinquedinhos meus, estão dentro de um caminhão, bem disfarçados, a dez quilômetros daqui. São os DEZ CHIFRES do apocalipse, Pietro: dez lançadores de foguetes! Eu tenho mísseis armados em dois deles. Posso usá-los, se pegarem vocês.

Nesse momento Tarik fez um sinal e doze homens de preto entraram na sala. Pietro reconheceu seus camaradas de milícia no deserto. Traziam armas, estenderam uma pistola automática para o cardeal, mas ele a recusou.

– Tarik, há um problema nisso tudo: como fica essa história de eu ser papa? Isso é impossível.

Tarik Aziz fez um novo gesto e começaram a entrar na sala mais de trinta homens em vestes cardinalícias. Eram velhos cardeais que foram destituídos pela papisa, mas continuavam cardeais de fato. Eles então montaram um rápido cerimonial de Conclave e elegeram Pietro, com o nome de PETRUS ROMANUS, para ser o verdadeiro papa. Contavam com a destituição da usurpadora ou com a morte para todos eles. Estavam ali dispostos a morrer por sua Igreja e por seu legítimo papa.

Momentos depois, naquela mesma noite, Pietro, o novo papa, invadia São Pedro com seus doze homens. Só não contava com a traição: um dos cardeais do Conclave era na verdade um delator, que fez a informação chegar ao alcance da papisa e seus cardeais, os quais coordenaram de imediato a recepção aos invasores. Um rápido combate, com mortes dos dois lados, foi o resultado.
Quatro dos homens de Petrus Romanus, assim como ele próprio, foram feitos prisioneiros. Todos condenados sumariamente à morte, os árabes fuzilados imediatamente.

            O ato final seria o garroteamento de Pietro Pirlo, Petrus Romanus, o último papa. Na noite do Vaticano, ele foi conduzido para a Praça São Pedro, onde se daria a execução. A papisa, todo o seu colégio de cardeais, dezenas de outros prelados, seus seguranças, a Guarda Suíça, soldados italianos, todos formavam o lúgubre cortejo ao redor do condenado, colocado de joelhos no centro da praça. O povo de nada sabia, não havia mais ninguém lá às onze horas da noite.

            O ritual foi sumário. Um cardeal pronunciou um rápido discurso em latim, apresentando o réu como herege, por fazer-se passar por um papa autêntico e pediu misericórdia divina para sua alma. Todos então se voltaram para a papisa, para esperar seu sinal. Ela olhou longamente dentro dos olhos de Pietro Pirlo, seu amor, sua vítima. Então ergueu e abaixou o braço. O carrasco espanhol se aproximou e começou a passar o garrote ao redor do pescoço de Pietro. Este fez sua última prece, de olhos fechados. Mas então veio aquele estranho silvo e todos, inclusive Pietro, olharam para cima. De lá vinha o ruído e este era feito por um estranho objeto voador, que soltava um jato de luz pela cauda. O objeto mudou sua trajetória e embicou em direção à praça.

– Um míssil! Corram! – eram os gritos desesperados de quase todos, enquanto corriam para a Basílica.  Pietro sabia que seria inútil. Continuou ajoelhado, olhando o objeto longo e prateado que avançava inexorável para ele. A seu lado, tremendo, travado, o garroteador igualmente esperava.

E então o míssil russo AKL-3 chegou. Um míssil ATÔMICO de baixa potência. Incapaz de destruir Roma, como na profecia, mas capaz de destroçar um bairro de dois quilômetros quadrados, como o Vaticano. A dez quilômetros dali, em segurança, Tarik entrou no helicóptero alugado, pensando: “Adeus, amigo Pietro, você cumpriu sua missão. Eu cumpro a minha. Seu Vaticano acabou, sua Igreja nunca mais se reunirá de novo, se esfacelará em dezenas de seitas diferentes. Assim como a Universal, acéfala, se esfacelará do mesmo jeito. Estamos livres desse câncer monstruoso. Você meu amigo, será o mártir, o grande herói para os que receberem o seu legado, não terá morrido em vão. Agora só falta cumprir o resto da minha missão.”

Do centro da Praça São Pedro crescia o grande cogumelo, levando para os ares o que um dia tinha sido o Estado do Vaticano, com todas as milhares de pessoas que por ali estavam. Inclusive a Prostituta do Apocalipse, que se apresentara desolada e nua para Pietro e cuja carne fora queimada e comida pelo fogo nuclear.  Roma não fora destruída, mas um juiz muito severo viria julgar todos os seus habitantes: a radiação nuclear da nova e muito mais terrível Chernobyl. Malaquias havia acertado novamente.


No helicóptero, que se afastava velozmente do epicentro da explosão, Tarik Aziz completava sua missão. Apertou novamente o botão do rádio e disse a palavra final: “Agora!” Nesse momento, a 3 400 KM dali, outro dedo árabe apertou outro botão.  Outro míssil AKL-3 começou a subir para seu curto vôo de 20 segundos. Nem Pietro sabia, mas, em instantes, a Caaba seria atingida e Meca voaria pelos ares, exatamente como o Vaticano, também ela pulverizada inteiramente por uma ogiva nuclear. Tarik Aziz exultava!...

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