MILTON MACIEL
- Não adianta! Tarde demais!...
Tarde
demais. O escaler era uma pequena sombra que as ondas mostravam e escondiam
capricho-samente, delineada contra o halo de luz fantasmagórica da noite
oceânica. Tarde demais.
Estava irremediavelmente abandonado naquele lugar. Uma ilha deserta, confirmara-lhe um dos marinheiros na viagem de vinda, enquanto remavam e tentavam
chegar com o escaler à praia. Ali instalariam dois sinalizadores, alimentados
por energia solar. Seu trabalho seria justamente o de instalar as placas
fotovoltaicas e os acumuladores. Depois, ao cair da noite, ligaria os
transmissores e faria os contatos com o navio e com as sondas.
Os
homens passaram o dia fazendo escavações, erguendo os postes das torres,
fixando os painéis solares e as caixarias de instrumentação. Os sinalizadores
foram instalados a 500 metros um do outro. Ao final do dia, todo o trabalho
estava concluído. Restava somente esperar a hora aprazada para começar os
testes de contato. Vinte minutos antes ele havia feito os preparativos na
primeira torre. Ligou todos os circuitos, fez as leituras de tensão e de forma
de onda com os medidores portáteis. Tudo perfeito.
Às
19 horas em ponto, como combinado, emitiu o primeiro sinal para o navio. A
resposta veio imediata, com excelente qualidade de sinal. Pelo rádio portátil
recebeu os cumprimentos do capitão. Agora era dirigir-se para a segunda torre,
aquela que ficava numa pequena elevação já dentro da pequena capoeira de mata,
afastada da praia. Dirigiu-se para lá sem problemas, a vegetação era rala e a
lua complementava a luz de sua lanterna especial. Várias vezes percorrera a
picada aberta pelos homens durante o dia, procurando memorizar cada detalhe do
curto caminho de poucas centenas de metros entre as duas torres.
O
contato da segunda torre com o navio devia ser estabelecido às 20 horas. Por
isso rumou calmamente para a torre dois, levando seu equipamento portátil e a
grande lanterna. Bem antes das 20 horas já havia testado todos os circuitos e
tudo funcionou a contento. Na hora exata, emitiu o sinal para o navio. De novo
a resposta instantânea, o sinal límpido, a forma de onda perfeita. Ligou o
rádio e se comunicou com o capitão. Enquanto aguardava, pareceu-lhe ouvir um
estranho apito na praia. Logo ouviu o que lhe pareceu serem gritos excitadas
dos marinheiros, mas tratou de se concentrar no que lhe dizia o capitão. E que
parecia a coisa mais sem sentido do mundo:
-
Olhe, de minha parte é a garrafa de uísque. Tem água e comida para um tempo,
até você aprender a se virar sozinho. Mandei deixar todo o material das
embalagens, vai ser útil, você vai ver. Você é um bom homem, Melles, acho uma
sacanagem aqueles dois fazerem isso com você. Se eu pudesse, evitava. Mas... Bom, então
adeus. Boa sorte!
-
Capitão! Capitão! Alô, alô, capitão! Alô! Capitão, que quer dizer essa coisa?
Que negócio é esse de uísque, de embalagens? Que adeus, capitão?!
Do
outro lado nenhuma resposta. Mandou um sinal pela torre, aflito. Nenhuma
resposta também. Então uma idéia passou-lhe rapidamente à consciência e ele
deitou a correr em direção à praia, gritando para o pessoal que estaria à
espera. Foi uma corrida terrível, errou o caminho na precipitação, perdeu-se da
trilha, embrenhou-se em mato mais alto, caiu várias vezes no escuro, uma
sensação de perigo e de pânico crescendo a cada metro, um suor frio a tomar
conta do rosto e do corpo. Seria possível que...
Era possível sim! A horrível verdade surgiu ante seus olhos
quando chegou a 50 metros da praia, desembocando da capoeira em um ponto felizmente
bem próximo da primeira torre. Não havia mais ninguém à sua espera e o escaler
havia sumido. Com o coração aos pulos continuou correndo os últimos metros até
tocar a água com os pés, enquanto firmava os olhos em direção ao mar. E aí lhe
veio a confirmação monstruosa: oscilando a umas duas centenas de metros da
orla, o escaler avançava firme na escuridão em direção ao navio. Abandonado!
-
Não adianta! Tarde demais...
Deixou-se cair ao chão. A água ia e vinha molhando-lhe corpo e roupas, a
cabeça girava-lhe ,latejando numa dor insuportável. Abandonado... Mas... por
que?!
Aqueles dois! Aqueles dois... quem?! Que coisa horrível o que tinham feito com ele! Abandonado em uma ilha quase desconhecida, pequena, inexpressiva, onde nunca vinha nenhuma embarcação. Como iria sobreviver ali? Teria ela animais perigosos? Arranjaria o que comer? E como iria se abrigar do frio e das intempéries?
Aqueles dois?! Mas quem? Quem eram os dois que armaram essa pra cima dele? Se o capitão não podia fazer nada, é porque estava recebendo dinheiro para abandoná-lo ali. Ou, quem sabe, recebera uma ordem superior, contra a qual não podia se rebelar? Talvez fosse algo assim, porque o capitão lhe havia falado aquilo e havia deixado coisas para ele, provavelmente sem conhecimento daqueles dois!
A cabeça parecia explodir, as têmporas latejando, o corpo enregelado pela água fria. Aqueles dois. Alguém acima do capitão. Era um navio mercante, acima do capitão, só o dono da frota. O dono da frota! O armador irlandês? Mas por que razão ele ia querer abandoná-lo à morte quase certa numa ilha perdida?...
Lembrou-se enfim de ir conferir o que o capitão havia deixado para ele. Precisava desesperadamente da garrafa de uísque. Para se aquecer e para sair fora de órbita por um tempo. Fugir daquele maldito pesadelo.
Caminhou até o grande caixote que agora estava conseguindo ver, colocado sobre uma das pedras grandes da praia. A tampa estava despregada. A garrafa de uísque bem em cima de tudo. Melles nào quis ver o resto, girou a tampa da garrafa e despejou boa parte do conteúdo em sua garganta rapidmente. Precisava ficar bêbado!
Foi quando ia depositar a garrafa no mesmo lugar, mecanicamente, dentro do caixote, que viu o pedaço de papel dobrado. Apanhou-o e, desdobrando-o, leu o conteúdo:
"Professor Melles,
Tem uns caras armados aqui com a tripulação, eu vi quando eles levaram o capitão para a cabine e encostaram uma arma na barriga dele. E aí dei a volta para poder ouvir pela escotilha. O chefe deu ordem para deixarem o senhor na ilha, professor. O chefe, o dono do navio. O cara da arma mencionou uma tal de Nancy, tenho certeza, disse que é amante do chefe; e que é sua mulher, professor! Falou também que ela é que teve a idéia, para se livrar do senhor e ficar com tudo o que é de vocês.
Se esse for mesmo o nome da sua mulher, então o senhor já fica sabendo o que aconteceu. Eu sinto muito, não posso fazer nada, eu sou tão covarde quanto o capitão. Os caras têm jeito de matadores profissionais. Mas, ao menos, estou lhe escrevendo isto, é o mínimo que eu posso fazer. É claro que eu não assino meu nome, Se o senhor estiver abandonado agora, então eu lhe desejo boa sorte aí na ilha. Deus lhe proteja e guarde! Ah, eu deixei uma caixa de pilhas para lanterna e outra de pilhas para rádio. Tomara que lhe ajudem e durem bastante. É que eu roubei um rádio de ondas curtas do almoxarifado. Vai ser muito bom para o senhor."
Nancy! Nancy! ELA havia tido a ideia de se livrar dele desse jeito absurdo e covarde?! Nancy, amante do armador irlandês?!
CONTINUA
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