quinta-feira, 13 de setembro de 2012


A MÉTRICA DO DESESPERO

MILTON MACIEL

A métrica do desespero enche a noite vazia...
Fria
penetra-a, com seus versos de pé quebrado.
Fado,
e enfado, dura sina, vaticínio e danação,
Vão
gemido, desprovido de sentido, vazio ai.
Vai
no escuro, olho duro, congelante, de medusa.
Musa
lesa da tristeza, destroçando o frio espaço
Aço
frio de suas garras nos rasgando o coração.
Tão
temível pelo nível da angústia que provoca
Toca,
fere, gela, rompe, aniquila e desfigura.
Dura,
tétrica, torpe métrica, desespero tão cruel
Fel
amargo, tardio fardo, lasso passo, desalento,
Lento
avanço, que enche e assola a noite fria.
E a esvazia. (MM)
Miami, Fev 07 2012  

segunda-feira, 10 de setembro de 2012


QUE POETAS EXISTAM, É PRECISO  
MILTON   MACIEL 

É preciso que os poetas falem roucos,
Livre, soltos, desmiolados, doidos, loucos;
Libertários,
Libertinos,
Temerários,
Pequeninos.
Gigantescos
Pelas rimas.
E dantescos
Pelas sinas.

É preciso que os poetas cantem soltos,
Os seus ais de mares mansos ou revoltos.
Censurados,
Desamantes,
Desvairados,
Delirantes.
Desvalidos,
Estressados,
Esquecidos,
Mal amados.

É preciso que os poetas digam tudo,
Almas tristes, desvalidas, estro mudo.
Sobranceiros,
Agourentos,
Traiçoeiros,
Peçonhentos.
Desdenhados,
Reprimidos,
Rejeitados
E esquecidos.

É preciso que os poetas gritem alto,
Por amarem, peito em lava ou frio basalto.
Sofrimento,
Esperança.
Sentimento,
Semelhança.
Diferença,
Concordância,
Desavença
Ou consonância.

Mistér se faz que eles existam, simplesmente,
Para gritar por nós o que nos vai na mente.
Solucem eles, por nós, o nosso canto
De amor, de desamor, de desencanto.
E que traduzam, infelizes, descontentes,
O que se oculta em nossas almas decadentes.

MIAMI, Jan 24, 2012

domingo, 9 de setembro de 2012


SAMANTHA FAZ VINTE ANOS  
MILTON  MACIEL 

Setembro, oito –  ela faz vinte anos!
Vejamos, no seu mapa, quais seus planos:
Sol, Mercúrio e Júpiter em conjunção,
Juntos ao Meio Céu: promissora carreira.
Sobre o Ascendente, Palas, a guerreira
Da técnica, da palavra e da opinião.

Vênus em Libra, atestado de beleza,
Trigono à Lua, a indicar delicadeza;
E a Saturno, também, para firmeza.
De Urano e Netuno as quadraturas
À mesma Vênus acrescem energia
De artes, de romances, de ternuras,
E criatividade e intuição no dia-a-dia.

Subconsciente e superego uranianos,
Mais do que unidos, estreita conjunção.
Estabilidade, com Urano em Capricórnio,
Saturno em Aquário – mútua recepção.

Isto é parte do mapa da menina-maravilha
Que Deus houve por bem mandar à Terra
Para que eu, feliz, a recebesse como filha,
Com as promessas que este mapa encerra.

Uma moça gentil, que a todos nos encanta,
E que tem o belo nome de Samantha.

(Pra findar, fique bem claro e perfeito:
Nada disso é causado por planetas
Que não têm relação de causa e efeito
Com o que a nós ocorre aqui na Terra.
Mas que, simbólicos, são, na realidade,
Indicadores de Sincronicidade)

sábado, 8 de setembro de 2012


FIM DE SONHO  
MILTON MACIEL


No lento obliterar dos velhos sonhos
Extinto o que de bom já houve neles,
O vê-los fenecer não mais assusta,
Mutados que já são em coisa reles.
Eis que é o seu findar a coisa justa,
A vestir a alegria em sons tristonhos.

Por que mirar com olhos de futuro
Se é o próprio fim que surge do marasmo?
Ausente um só resquício de entusiasmo,
Oculta-se a esperança em vil mansarda:
E é o próprio final que não mais tarda,
Nada além do que o mesmo o fardo duro.

(E, se a lira do infausto a tanto ousa,
Convem dedicá-lo a Cruz e Souza!)

FINAL COMPANHEIRA  
MILTON MACIEL

O velho gaúcho, na noite voltando,
ao tranco sereno do seu animal,
à Lua confia lembranças de quando,
piazito, corria que nem um bagual.
De volta pro rancho, tristeza levando
como companheira... solito nomás.

Do moço valente não resta mais nada.
Do guapo vaqueiro nem é bom lembrar.
Namoros, peleias, carreiras, tropeadas,
são coisas que o tempo só fez carregar.
O rumo prá frente é fria invernada,
Velhice, sem volta, reponta de trás.

Quem diz que essa mão, que mal segura a rédea
Empunhou laço e espada e lança e punhal.
Deu tapa e carinho, deu gozo e tragédia,
fez vida, fez morte, fez bem e fez mal.
E olhando prá tudo, tirando uma média,
sobrou quase nada, memória fugaz...

E triste e sozinho o velho troteia,
levando consigo a certeza final:
Que a morte, que é certa, por ali vagueia,
final companheira, derradeira e leal.
Quem sabe trazendo, como a Lua cheia,
igual sensação de descanso e de paz

terça-feira, 4 de setembro de 2012


NEGRA VELHA  
MILTON  MACIEL

Paro a lida pra te olhar, negra velha amiga,
Ver como avanças pouco, no teu passo lento,
Despacito nomás, a mão tateando ao vento.
Hay névoa nos teus olhos e muita mágoa antiga.

Teu peito encarquilhado que pra frente se curva,
Esconde a vida que ele deu pra tanta gurizada...
Pois quanto piá amamentaste nesses seios então fartos,
Filhos de brancas sem leite de quem fizeste os partos!
Mas que hoje te esqueceram na tua pobreza turva,
Porque, que nem vaca, envelheceste e foste abandonada.

Quantos homens de importância trouxeste tu ao mundo
E quantos deles só viveram pelo leite no teu peito?
Quanto piazito faminto foi no teu seio escuro aceito,
Porque ali dentro batia um coração de amor profundo!

Mas hoje chego aqui e te descubro nessa baita solidão:
Tua velhice desamparada e trôpega, cheia de tristeza.
Essa vista turva, esse abandono cruel, essa pobreza...
E de todos os que por ti passaram, nenhuma gratidão!

Vem, negra velha amiga, vem comigo, apóia no meu braço,
Não mamei do teu leite, mas conheço uma a quem salvaste:
Uma que hoje é a mulher da minha vida e a quem amamentaste.
Vem comigo, nobre negra, tu vais viver conosco, dá um abraço! 

AMOR, TÍMIDO TEMOR  
MILTON  MACIEL 

No ocaso triste que a tarde cala,
Na Lua Branca que à noite fala,
No velo cinza que sobe ao chão,

Pressinto, tênue, teu vulto breve,
Suponho, suave, teu passo leve,
Respiro, tenso, minha paixão.

Se chegas mesmo, me tremo todo;
Se falas algo, me faço mudo;
A voz não sai, de nenhum modo.

Tento dizer... e esqueço tudo.
Silente quedo, quando a teu lado.
Te perco: cumpro meu triste fado.

(1º, Lugar: Prêmio Nacional NOVA LITERATURA, São Paulo, 2010)