quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O LOBO MAU E OS TRÊS PORQUINHOS
MILTON  MACIEL

Os assim chamados Três Porquinhos eram, na verdade, imensos porcos adultos de mais de cem quilos, obesos, prósperos e desonestos ao extremo. Começaram todos no ramo imobiliário, com capital fornecido pela mãe, uma porca Large White americana que enriquecera aplicando o golpe da barriga em porcos ricos e famosos na Europa. Os três eram meio-irmãos, filhos de pais diferentes, como se pode depreender pelos sobrenomes: Cícero Fífer, Heitor Fidler e Homero Edmund. Este último, o mais velho deles, foi primeiro prático de rebocadores de navios em um porto obscuro do Mar Báltico, atividade da qual lhe veio o apelido de Prático.

Cícero Fífer construía nas periferias cabanas muito humildes, com telhados de colmo, que alugava para porcos de baixa renda. Heitor Fidler optou pelo ramo de casas pré-fabricadas de madeira, alugadas a porcos de classe média. Já o Prático especializou-se em casas de alvenaria alugadas a porcos de classes sociais mais altas. Mas os negócios dos irmãos se viram fortemente prejudicados quando veio o grande furacão de 1982. As cabanas de Cícero Fífer e as casas de madeira de Heitor Fidler literalmente sumiram do mapa. O mesmo aconteceu com os telhados das casas de alvenaria de Homero Edmund.

Foi quando conheceram o Lobo Mau, que tinha, à época, uma firma de construção e recuperação de telhados. Seu sobrenome era Maals, de famosa família alemã de Nüremberg, mas os toscos habitantes locais não conseguiam pronunciar o nobre nome germânico de forma nenhuma, o que fez com que, com o passar do tempo, a pronúncia fosse corrompida para o nome Mau: Lobo Mau, ao invés de Lobo Maals.

Foi de tanto verem o Lobo encarapitado entre os telhados e chaminés das casas de Prático que esses ignorantes acabaram inventando a absurda história que o Lobo tentava invadir as casas de Prático pela chaminé. E mais absurda e ridícula foi a invenção de que o sopro do Lobo e não o furacão foi o responsável pela destruição das casas e telhados. Como se algo assim fosse possível! Santa ignorância!

De qualquer forma, data da época da reconstrução dos telhados a sólida amizade que se estabeleceu entre o Lobo Mau e os Três Porcões. Amizade que se manteve mesmo depois que os porcos abandonaram o ramo imobiliário pelo mais lucrativo negócio de contrabando de bebidas, armas e drogas, reforçado pela exploração de lenocínio, no próspero estabelecimento que construíram na saída da cidade, à beira da floresta. Ali, oculta sob a inocente aparência de uma casa de mulheres e de uma birosca de beira de estrada, correu solta, anos a fio, a venda de drogas, armas e bebidas falsificadas, razão da real prosperidade dos irmãos porcos.

Por isso, para nós que conhecemos como testemunhas oculares a vida do Lobo e dos seus amigos porcos, causa espécie e indignação que tenham inventado tantas inverdades como aquelas que passaram a constituir o âmago mesmo da historinha infantil hoje conhecida como O Lobo Mau e os Três Porquinhos. Porquinhos! Pois sim... Uns bandidos!  Enfim, desculpem, leitores, o nosso desabafo.

terça-feira, 6 de agosto de 2013


EU SEI OS SEUS PIORES SEGREDOS     
MILTON  MACIEL     

Ei, pessoa! É, você mesmo, pessoinha, que está lendo isso aqui! Você, sim. Eu descobri os seus segredos mais incômodos, sabia?  Pode crer! Você já vai ver. Como? Quem sou eu? Ora, você já vai ver também, não tenha pressa, não apresse o rio. Bem, de qualquer forma, eu  sou o cara que sabe os seus piores segredos. Inclusive aquele mais brabo, que ninguém pode saber, mas ninguém mesmo, senão você se ferra total, pessoa. Quer ver o que eu sei?

Pois então pára tudo. Não, é tudo mesmo! Pára tudo e pensa pra valer nesse seu podre mais brabo aí. Não, eu sei que você tem um monte, mas é o pior deles, o mais cabeludão, é: AQUELE!!!  Agora pensa no medão que você tem que alguém fique sabendo disso. Pensa bem, pessoa! Está pensando? Imagina então se alguém descobre e começa a espalhar ISSO por aí, joga no ventilador. 
Acaba com você! Pois acontece que EU sei tudo!
                                                                                                                                                                                                                                                                          Pai Tutufum

A sua sorte é que comigo o seu segredo cabeludo está protegido. Eu não conto nada pra ninguém. Sou capaz do mais completo e abismal silêncio. Aliás, por causa disso, eu mesmo me dei dois apelidos: Túmulo Fechado e Sepulcro Caiado.

Que sorte a sua que fui eu quem descobriu essa coisa horrorosa. Francamente... Você, hein? Quem diria! Pessoinha, em você existe um feio lobo por baixo dessa pele bonitinha de ovelhinha. Mas a mim você não engana, não. Agora eu sei de tudo. Mas, como já afirmei, sorte sua é que eu sei guardar um segredo. É, não só você, mas todas as outras pessoas que eu flagrei, estão mais do que seguras comigo. Segredo total. Absoluto!

A menos, é claro, que uma pessoa não saiba reconhecer, não saiba demonstrar gratidão por esse meu proceder idôneo, essa minha canina lealdade para com uma pessoa pecadora e portadora de um segredo aviltante. Explico melhor: Já houve até quem equivocadamente pensasse que eu sou um chantagista qualquer, desses chantagistazinhos miúdos e baratos de periferia, que cobram pra não revelar segredinhos torpes de alcova, de viadagem ou de desfalques, de fofoca de comadre ou de cabeleireiro.

Argh! Eu tenho nojo dessa gente baixa e rasteira! Chantagistazinhos chinfrins! Aliás, eu tenho nojo de tudo que não tenha classe e um bom tamanho. Por isso mesmo eu só opero na descoberta de segredo brabo pra valer. Dos maiores! E de gente importante que nem tu, pessoinha. Gente que tem, além de importância e nome a zelar, uma sólida retaguarda financeira.

Não, não se assuste, já falei que eu não sou chantagista. Imagine, longe de mim a idéia malévola de lhe extorquir dinheiro em troca de manutenção do seu segredo. Nunca, eu tenho a minha ética e dela não me afasto um milímetro. Eu não cobro nada para manter o seu horrível segredo absolutamente secreto e protegido. Fique tranqüila, pessoa.

Agora, eu agradeço e aceito a gratidão das pessoas que eu protejo da execração pública ou de parte de pessoas amadas, de pessoas cornas amadas, familiares, empregadores, fiscais federais, etc. Não posso impedir que pessoas realmente generosas – como você, pessoa, tenho certeza – queiram demonstrar a sua enorme gratidão pela proteção que eu garanto a seus tenebrosos segredos. Nesse caso, elas, pelo geral, me fazem impressionantes e significativas doações espontâneas, que eu não sou capaz de recusar, por medo de vir a ferir suas suscetibilidades.

O meu Camaro amarelo, por exemplo, foi doação de uma dessas pessoas imensamente reconhecidas. Eu descobri o segredo de sapatagem dela e não contei pra ninguém, mas pra ninguém mesmo. É, quando eu digo ninguém, é porque é ninguém e fim de papo. Nem o arqui-tri-corno do marido dela ficou sabendo. Afinal, lembram? – eu sou o famosoSepulcro Caiado! E isso que ela traía o marido com a irmã dele e com a namorada da irmã dele, ao mesmo tempo. Você, por acaso, ficou sabendo quem ela é? Claro que não, eu não contei até hoje.

Por aí você vê como você pode ficar tranqüila, pessoa. Seu horrível segredo está em boas mãos. E eu não quero nada, absolutamente nada de você como condição para ficar em silêncio. Pode acreditar.

Agora, em contrapartida, eu espero não ter com você mais uma decepção traumatizante. Já chega a de ter descoberto sua barbaridade. Você, hein, quem diria?! Mas não vou ter, não, é claro que você não é do tipo capaz de cometer uma ingratidão horrorosa com o seu protetor aqui, não é mesmo? Com toda certeza você vai querer me presentear espontaneamente com um mimo delicado qualquer, sem exageros por que eu sou um moço tímido e fico logo sem jeito quando as pessoas querem me dar coisas de grande valor.

Eu me contento com pouco. Pra você ver como isso é verdade, vou até lhe dar uma ajuda e indicar umas coisinhas que eu gostaria de ganhar ou de que estou precisando. Por exemplo, eu apreciaria muito um gesto de gratidão consubstanciado (Hehê, português supimpa! Sou dos bons nisso também.) em algo simples e pouco espalhafatoso, como uma macinho modesto de notas de cem reais, totalizando não mais do que cem mil (convém que não seja menos do que isso também, questão de volume, sabe como é?). Ou um plano de viagem de volta ao mundo em 60 dias da Porcellatur, que é mais ou menos nesse mesmo valor modesto também.

Agora, precisar, precisar mesmo, eu não estou precisando de nada. É que eu sou um cara simples de todo, humilde como poucos. Só se a pessoinha achar por bem me presentear com um título de sócio remido do Paulistano, para a família, não é?

Ah, você quer saber como é que eu descobri o seu segredo? Ora, eu digo, eu não tenho segredos, não sou como você. Pra começo de conversa, eu tenho contratadas cinco agências de detetives. São as melhores do país, sabe. Sim, claro que são caríssimas. Mas sabe como é, eu tenho essa enorme felicidade de ser sempre contemplado com tantas demonstrações de gratidão das pessoas que protejo, que dá para pagar as agências com uma fração apenas do que recebo.

Mas as minhas melhores fontes não me custam quase nada. Como a quase totalidade das pessoas que eu investigo para proteger, preocupado com o sigilo total sobre as vidas delas, são mulheres, eu faço consultas espirituais pedindo que me informem se uma determinada fulana é digna de confiança e do meu amor, minto que quero casar com ela. Se for casada, digo que ela vai largar o marido. Se for muito velha, digo que tenho um fraco pela terceira idade. Ou mesmo pela quarta, se for o caso. O fato é que funciona. Por uma miserinha tipo 50 ou 100 reais, saio de lá com a ficha completa. Como foi no seu caso, pessoinha simpática.

As santas criaturas que me garantem o meu trabalho benemérito são Pai Tutufum e Mãe Cigana. É fazer a pergunta e lá vem chumbo grosso. Como é difícil encontrar uma pessoa sem podres, hoje em dia! Uma única vez aconteceu, uma tal  de Neuza Osório, de quem os dois guias espirituais só falaram coisa boa. Nunca mais esqueci esse nome. Tenho ódio dela até hoje, daquela inútil que não prestava pra nada, pelo menos pra mim.

Mas é isso, pessoinha. Você já pode imaginar o que Pai Tutufum me contou a seu respeito, não é? Pois é. Ele entregou você totalmente pessoa, me contou sua vida todinha, desde que você tinha sete anos e já estava começando a aprontar. Aí ele deu o serviço completo e até eu fiquei de cabelo em pé quando soube DAQUILO!

Mas você pode ficar tranqüila e confiante, pessoinha. Minha boca é um túmulo, já disse, eu sou o Sepulcro Caiado, lembra? De mim ninguém jamais vai ficar sabendo essa indignidade. Eu sou seu protetor. E sou o grande amigo das pessoas que, como eu, sabem valorizar esse sacrossanto valor humano que é a GRATIDÃO, como deve ser o seu caso.

Sim, porque se não for, bem... EU ODEIO PESSOAS INGRATAS!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013


COMO DEIXAR DE SER CIUMENTA E POSSESSIVA
MILTON MACIEL

Marlene era a Moura de Veneza Brasileira. Explico: Marlene era mais ciumenta que dez Otelos e morava em Recife, a Veneza Brasileira. Era casada há pouco mais de cinco anos com Antonio Carlos, funcionário burocrático da Petrobrás.

Do marido de Marlene as pessoas sabiam essencialmente duas coisas; que ele era Peixes-Peixes e que era a vítima perfeita. A primeira coisa só fazia sentido para os versados em Astrologia; já a segunda era axiomática, ou seja, evidente por si mesma. Não havia, em toda Recife, quem já não houvesse testemunhado, pelo menos uma vez, alguma das furibundas cenas de ciúme de Marlene.

Na rua, um verdadeiro suplício. Antonio Carlos tinha aprendido a andar de olhos baixos, era mais prudente. Bastava que uma mulher minimamente atraente viesse em sentido oposto e os olhos de Marlene já se punham, vigilantes, sobre os olhos do marido. Se este fizesse qualquer menção de ter notado a sirigaita, lá vinha um daqueles dolorosos beliscões no braço. Com o tempo ele deixou de reclamar, era inútil. Doía-lhe na alma, muito mais do que no corpo.

Antonio Carlos pertencia a uma espécie ameaçada de extinção, que deveria ser tombada pelo Patrimônio Público e protegida pelo IBAMA: ele era o marido fiel de Pernambuco!Sim, por incrível que pareça, Antonio Carlos não tinha apenas medo de Marlene: ele a amava de verdade. Por isso agüentava seu cilício bravamente e tentava desculpá-la com os outros. Passava por inúmeros vexames, cenas de ciúme antológicas, nas quais Marlene o acusava publicamente das piores coisas, tipo “Você não presta mesmo”“Os homens são todos iguais”, “Faz essa cara de santo, mas é um lobo em pele de cordeiro”, “Olha outra vez praquele espelho que eu vou lá e arrebento aquela vaca”. E, claro, coisas ainda piores, não mencionadas porque impublicáveis aqui, que brotavam da boca santa de Marlene, quando ela disparava seu alentado repertório de palavrões.

Várias vezes ela partiu para agressão a outras mulheres, as que ela achava que estavam olhando demais para o homem dela. Começava xingando e aí, conforme fosse a reação da outra, o coisa podia acabar até numa Delegacia de Polícia.

Depois de cinco anos assim, Antonio Carlos evitava ao máximo sair com a mulher. Restaurantes, nem pensar. Como também não podia sair com amigos (‘Todos uns sem-vergonhas, uns sem-caráter, uns putanheiros!”), resignava-se a ficar em casa, o mais das vezes na companhia de Sapeca, uma cadela vira-lata de porte médio, que o adorava. Assistiam televisão juntos, abraçados, todos os dias, sempre que isso era possível. Pois bastava Marlene estar por perto que a cadela sumia. Também ela tinha aprendido a respeitar o perigo e a ojeriza era recíproca. Sapeca viera com o casamento, já pertencia a Antonio Carlos antes. A sua presença em casa era uma das poucas concessões que Marlene fazia ao marido, apesar do ciúme que sentia do animal.

Então a vida de A.C. se resumia a um simples de casa para o trabalho e vice-versa. Ia de carro e Marlene lia o odômetro todos os dias, para conferir a quilometragem que ele fazia. Os amigos o apelidaram de A.C. por que isso lembrava Antes de Cristo e eles diziam que só alguém que tinha algo de Cristo podia agüentar a vida braba que ele levava com Marlene.

No trabalho é que morava o perigo (“Ah, ali tem dezenas de vagabundas, uma putas de saias curtas, com os peitos e as bundas quase saltando pra fora da roupa, umasoferecidas.”) É claro que deviam fazer carga em cima do homem dela. Mas aí era o único lugar onde Marlene sentia firmeza. É que, no mesmo escritório da Petrobrás, trabalhava Silvinha, sua prima-irmã, unha e carne com ela desde o ginásio.

Silvinha era a encarregada de vigiar Antonio Carlos e manter as outras funcionárias –“Todas as outras, viu! Aquilo é uma récua de putas que não merece a menor confiança!”–bem afastadas do marido da prima. Umas três vezes por semana Marlene ligava para a carcereira, e cobrava o relatório completo do comportamento “daquele cínico” (“Os homens são todos uns cínicos, minha filha, não se iluda.”).

Examinar todas as contas de cartão de crédito, os contra-cheques de pagamento e as contas bancárias do marido era fichinha. Ela também fazia uma marcação cerrada nas contas de celular. E também o mais minucioso exame policial nas roupas do marido. Punha tudo sob luz forte e examinava com lupa. O nariz, pela prática diária, desenvolvera o faro afiado de um sabujo. E, se Antonio Carlos tivesse coragem de colocar ratoeiras nos bolsos de suas roupas no armário, há muito tempo que Marlene não teria mais nenhum dos dedos das mãos.

No trabalho, Antonio Carlos só tinha dois amigos. Um era o Padilha, seu chefe, solteirão convicto, que todo dia enchia a orelha do amigo de ferozes catilinárias contra o casamento e contra o que chamava de “a psicopata da tua mulher”. A outra pessoa amiga era justamente Silvinha, que morria de pena do pobre marido “da louca da minha prima”. Ela simplesmente não se dava ao trabalho de vigiar um homem que sabia ser completamente fiel à esposa. Claro que muitas funcionárias o assediavam, afinal ele era um homem muito bonito. Mas não tinham a menor chance, ela o sabia. Mas não relatava nada disso à prima, senão ela viria fazer escândalo no escritório e prejudicaria a carreira do rapaz.

E assim transcorria a vida do pobre Antonio Carlos, a vítima perfeita, Peixes-Peixes sofredor. Amigo, só o Padilha; amigas, só Sapeca e Silvinha, nessa ordem para ele. A eles é que Antonio Carlos tinha coragem de confidenciar suas dores e mágoas, as injustiças que sofria, os poucos carinhos e a pouca cama que recebia da esposa, sempre de cara fechada, sempre desconfiada e pronta para armar uma encrenca em casa por causa de ciúmes “de um cínico que nem você”.

Marlene tanto fez que um dia encontrou o que queria. No bolso do paletó do marido, uma tirinha fina de chicletes, com um inconfundível perfume de mulher. Ah, a prova enfim! Os homens eram todos iguais mesmo! Excitada e trêmula, ligou para Silvinha e deu o serviço. A prima pediu um tempo para investigar, só podia ser uma mulher ali da firma. Precisava de uns dias.

Enquanto isso, Marlene começou a elucubrar sua vingança. Correu para a feira-livre, que acontecia naquela manhã a dois quarteirões de sua casa, e levou duas enormes facas de cozinha para afiar “como navalha, entendeu?”, numa das bancas de serviços. Enquanto esperava, sua mente não tinha sossego: Esta noite, depois que ele dormir, eu pego etchac! Corto tudo de um golpe só! Na volta para casa lembrou, porém, que não podia ver sangue, desmaiava na hora. Guardou as facas na cozinha, seriam úteis em algum churrasco no futuro. Álcool! Isso: “Ele dormindo, ensopo as coisas dele de álcool e riscoum fósforo. Adeus bagos, seu traidor duma figa! Queima, maldito!”. Foi ao supermercado e comprou uma garrafa de álcool.

Mas, já em casa, lembrou que a cama também ia pegar fogo. E o quarto. E o apartamento também. Aí não só ela perdia o imóvel que arrancaria do traidor capado a fogo, como o prédio todo poderia arder e ela iria em cana como incendiária. Precisava de um plano C.

Podia conseguir uma arma de fogo com o porteiro da noite, ele já havia oferecido mais de uma vez armas ilegais ao casal. Mas ela morria de medo de revólver, do barulho, tinha pavor da idéia de atirar. Não, não, não. Plano D: Veneno! Ah, isso sim! Ia nos livros de Agatha Christie, relia, procurava um veneno que não deixasse vestígio e... E, caramba, onde e como conseguir comprar o raio do veneno?!           Puxa, ela nunca tinha imaginado que fosse tão difícil capar ou matar um marido traidor.

O telefone! Era Silvinha. A prima recomendou que ela tivesse calma, muita calma, precisava ter sangue frio agora. “Sabe como é, vingança é um prato que se come frio. Finja, minha cara, finja. Trate ele bem, como se não houvesse nada. Eu garanto que vai valer a pena, pode acreditar em mim. Espere até eu lhe dar notícias, não faça nada antes.”

Estranhamente, as palavras da prima tiveram o efeito de acalmá-la. Quando o marido chegou, observou-o atentamente com outros olhos. “Meu Deus, como ele está bonito hoje, mais bonito ainda! E cansado, é, está com cara de cansado. Não, isso é cara de triste! Ele está muito triste. Será que está com remorsos, o safado? Duvido. Pensando bem, acho que ele tem sempre essa cara de triste, de cansado. Também, Peixes-Peixes!”

Pouco falaram naquela noite. Uma das poucas coisas que Antonio Carlos disse, com uma tristeza infinita, foi:

– Sabe, a Silvinha pediu transferência hoje, o Padilha concedeu, ela vai embora para o Rio de Janeiro. E já vai amanhã mesmo...

Marlene ficou sem entender, esperou o marido ir para o quarto e começou a caçar a prima no celular. Inútil estava desligado. Deixou zilhões de recados. Depois, foi para a cama; ele dormia ou fingia dormir, ela quase não conseguiu ter sono, acabou dormindo uma três horas, entremeadas, porém, de sonhos tenebrosos.

No outro dia de manhã, depois que Antonio Carlos saiu para o trabalho e enquanto ela própria se preparava para ir para o seu, recebeu a carta. Das mãos do porteiro. “Aquela sua prima deixou aqui comigo, estava num táxi cheio de malas, acho que vai viajar.”Marlene virou o envelope branco. Era mesmo de Silvinha. O que leu, a fez cair das nuvens:

“Marlene, sua louca, sua idiota, sua debilóide!

O Antonio Carlos tem uma amante sim. Faz cinco meses, sua anta! Você já vai saber quem é ela. Sabe, o coitado foi fiel a você por quase cinco anos, agüentou todas as suas loucuras, todas as humilhações, perdeu o amor-próprio, foi ficando cada dia mais infeliz. Você acabou com ele, sua estúpida, você é um caso pra hospício, sua maluca!  Pois saiba, imbecil, que eu nunca, nunca mesmo, fiquei vigiando ele pra você! Não precisava, sua indecente, esse homem era fiel e sempre te amou demais. Nunca teve olhos para outra mulher. Mas só eu sei o quanto ele sofria, ele só se abria era comigo e com o Padilha – que, aliás, te odeia! Eu também te odeio, maldita!

EU sou a amante do Antonio Carlos! EU! Sabe, de tanto ver ele sofrer por sua causa, de tanto ouvir ele chorar – chorava mesmo, ali na mesa do barzinho ao lado da firma, a gente saía um pouco mais cedo para que ele pudesse desabafar. O Padilha é o chefe dele, permitia, e disse que, se ele não botasse pra fora todo o fel que você enfiava nele goela abaixo, todo santo dia, o homem podia ter um infarto e morrer bem moço, 35 anos! Também, ninguém pode agüentar o inferno de viver ao seu lado, sua débil mental. O Padilha diz que você é uma psicopata e que, se tivesse coragem, estourava essa sua cabeça suja com um tiro de 45.

Eu fui aprendendo a gostar cada vez mais do Antonio Carlos, acabei me apaixonando por ele. Então um dia eu dei um porre nele. O coitado ficou ruinzinho. Aí eu botei ele no meu carro e disse que ia levar pra casa de vocês. Ele implorou que não, que se você o visse bêbado ia infernizar ainda mais a vida dele. Lembra que você o proibiu de beber qualquer coisa com álcool, sua víbora? Pois então eu o levei para a minha casa e o coloquei no chuveiro. Eu tirei toda a roupa dele, sua corna! Todinha! Dei um banho gostoso nele, todo peladinho. Aí eu não agüentei, tirei toda a minha roupa também e praticamente estuprei o cara ali no chuveiro. Como é que ele ia resistir? Você sabe que eu sou muito mais bonita que você; e muito mais gostosa de corpo do que você, sua balofa.

A gente saiu do banheiro, caímos molhadinhos na cama e a coisa foi muito legal, muito legal mesmo. Maravilhosa! Ele se soltou por inteiro, me amou como homem nenhum fez comigo antes. Ele é um artista, priminha! E você desperdiçando um espetáculo de homem como esse, sua anta! Bom, aí sabe como é, porteira que passa um boi, passa uma boiada. A gente continuou a se encontrar aqui em casa. Sabe como, sua pateta? Pois o Padilha, o nosso chefe, nos dispensava mais cedo pra gente vir pra minha casa transar. Transar gostoso, sua trouxa! Pra você ver o ódio que o Padilha tem de você e que eu tenho também, seu monstro, por tudo que você fez com o coitado do Antonio Carlos. Sabe, eu era sua amiga antes, gostava de você de verdade. Mas agora eu te odeio mesmo, sua jumenta.

Só que tem um problema: o Antonio Carlos não consegue deixar de amar você, sua maldita. Isso não dá pra acreditar, o homem gosta mesmo é de sofrer, é bem Peixes-Peixes mesmo. Não tem um dia em que ele não se derreta de culpa por ter um caso comigo, agora ele chora é de remorsos. Mas aí o Padilha e eu convencemos o tonto que ele tem mais é que se vingar de você também, dar o troco de toda essa sua maldade. E eu vou me insinuando, me insinuando, passando a mão, sabe como é homem, não é? Aí ele não agüenta e eu me delicio.

Mas agora chega. Eu estou apaixonada demais por ele e ele não consegue me retribuir, continua amando você, sua anaconda asquerosa. Então chega, eu vou embora, me livrar dessa paixão inútil. E você faça bom proveito da sua carniça, seu abutre, corvo nojento, pra mim chega! Eu é que não vou ficar mais à disposição de um homem fraco e masoquista. Pois é isso que é a relação de vocês, puro sado-masoquismo, você a sádica que adora fazer sofrer, ele o masoquista que adora ser a vítima. A vítima perfeita, como diz o Padilha. Bem Peixes-Peixes mesmo! Ora, vão vocês dois pros quintos dos infernos, vocês se merecem! Você continue a sugar o sangue dele, sua harpia. E ele que continue o mesmo songa-monga, pois só um anormal pode conviver com você e ainda dizer que a ama.

E, do mais fundo do meu coração, desejo que você morra podre, aos berros, envenenada pelo seu próprio veneno, sua jararaca, sucuri, surucucu. E vê se morre logo, pára de infectar o mundo com tua presença, vampiro maldito!

Mas, se demorar a morrer, porque vaso ruim não quebra, então vê se se cura desse ciúme doentio que você sente, sua anormal. Se interna no hospício, pede choque elétrico, uma lobotomia é melhor. E aproveita que eu te dei o único remédio que pode curar o ciúme e a possessividade. O único na face da Terra! Um remédio que sempre tem que ser tomado em DOSE DUPLA. Sabe qual é o nome dele?

Pois é PAR DE CHIFRES! Vá pro inferno, sua corna!”

Marlene não foi trabalhar, saiu para a rua a pé, caminhou horas e horas como um zumbi, enfiou-se num cinema e assistiu o mesmo filme duas vezes e meia, sem ter a menor idéia do que via. Quando chegou em casa, no fim do dia, Antonio Carlos já estava na sala. Ouvia uma música de Chico Buarque, Marlene entrou na parte que dizia:

“Te perdôo por te trair...”

Ele tinha os olhos vermelhos de chorar, abriu o jogo, contou tudo a ela em poucas palavras e esperou a hecatombe universal. Marlene não disse nada. Voltou a música para o início, ouvia-a toda até o final. Depois falou apenas isto:

– Preciso de um tratamento, de um psiquiatra. Me ajuda a arranjar um?

E foi se trancar no banheiro, até ter certeza que o marido dormia. Amanhã seria um novo dia, iria procurar ajuda. Será que ainda podia salvar seu casamento? Será que era verdade que Antonio Carlos ainda a amava, apesar de tudo? Pensou no irônico da situação toda: a única mulher em quem confiava, a única de que não tinha ciúmes apesar de sua beleza e juventude, sua prima querida, é que a havia traído com seu marido.

O mais chocante para ela é que, exposta à dura realidade que a carta de Silvinha apresentava, sua reação fora apenas de choque. Nem um pingo de raiva, de idéia de vingança, nada. No fundo, não conseguia nem querer mal a Silvinha. Ainda pensava nela com carinho. Sim, aquela carta talvez viesse a ser o começo de uma nova vida para ela. E, se fosse, ainda teria que ser grata à prima, pela carta e por tudo o mais. Era uma nova Marlene que começava a renascer ali das cinzas, no exíguo espaço daquele banheiro. Na sua cabeça, incessante, a letra da composição de Chico:

“Te perdôo por te trair...”

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Falando das Pessoas

FALANDO DAS PESSOAS   
MILTON MACIEL

– Deixe eu lhe dizer algo sobre os Almeida. Os Almeida não são gente séria. Se você der confiança pra eles, eles vão logo lhe pedindo dinheiro emprestado. E aí, sabe como é...

– Os Almeida não pagam as suas contas?

– Pagam sim. Quem nunca paga as suas contas são os Bastos. Os Almeida só não pagam o dinheiro que pedem emprestado, o resto eles pagam direitinho.

– Quer dizer que eu não devo emprestar dinheiro para os Almeida e nunca vender nada fiado para os Bastos. É isso?

– Isso mesmo, meu rapaz, você é novo nesta vila maldita e eu me sinto na obrigação de prevenir você contra o pessoal safado que mora por aqui.

– Puxa, eu lhe fico muito agradecido. E tem mais gente que eu deva evitar?

– Claro, tem os Leitão, por exemplo. Sabe, os Leitão fazem jus ao nome de família.

– Como assim?

–Ora, meu rapaz, os Leitão são uns porcos, eles não tomam banho. Nem mesmo as meninas Leitão, quando são novas, se lavam direito. Depois de mais velhas, então, é uma calamidade. Se bem que não seja tão séria como os Rodrigues.

– Esses Rodrigues também não se lavam, então?

– Claro que se lavam. Até demais. Os Rodrigues são asseadíssimos. Mas são todos uns trambiqueiros de marca maior. Tudo o que eles lhe oferecem é falsificado ou contrabandeado. Aí quando você está com a mercadoria que comprou deles, aparece um fiscal, o Tato Rodrigues e autua você. Toma a sua mercadoria. Se você reclamar, ele telefona para o delegado Antão Rodrigues, que ameaça você com prisão. Então eles recuperam a mercadoria e vendem para outro incauto de novo.

– Meu Deus, mas esta vila tem muita gente mau-caráter, então!

– Como, tem muita gente mau-caráter, meu jovem? Como você pode dizer isso, se não conhece o pessoal todo?

– Bom, o senhor desculpe, mas pelo que o senhor estava falando. Por favor não se ofenda...

– Ora, esta vila tem muita gente mau-caráter, essa é boa! Meu jovem, esta vila SÓ tem gente mau-caráter! Não escapa nenhum!

–  Mas isso é alarmante! Quer dizer que tem gente ainda pior?

– Ora, é claro, tem os Soares, que vendem leite adulterado com uréia e soda cáustica. Os Brito, que têm um centro espírita fajuto e uma igreja protestante. Quando um deles prospera, eles fazem ataque com o outro e convertem as pessoas outra vez, cobrando novos dízimos. E tem as Rocha, que exploram o puteiro local.

– Não me diga que até no puteiro tem problema!

– Bem, depende do seu gosto, meu rapaz. As seis meninas da casa são todas travecões. Inclusive uma das irmãs, o Lalau Rocha.

– Deus do céu! Mas que coisa tenebrosa. Agora só falta o senhor me dizer que tem gente ainda pior nessa vila.

–  Certamente que tem, meu jovem! Veja os Olivença por exemplo.

– Também são trambiqueiros?

– Ora, rapaz, não diga uma barbaridade dessas. Os Olivença são honestíssimos nos negócios!

– Ainda bem. Enfim uma família que se salva nesta vila tão esquisita.

– Se salva nada, meu rapaz! Os Olivença são a família mais fofoqueira de toda a vila. Só vivem falando mal dos outros e fazendo intrigas. Inventando calúnias. Os Olivença são terríveis. Nunca acredite num Olivença! Nunca!

– Puxa, estou chocado. Acho que vou repensar muito bem minha idéia de continuar negociando por aqui.

– Faz muito bem, meu rapaz. Muito bem. Nessa vila ninguém presta mesmo.

– Bem, pelo menos tem o senhor, que está me avisando disso tudo. O senhor é uma pessoa correta, considero-o meu grande benfeitor. E nem sei seu nome ainda. A quem devo agradecer por toda esta ajuda desinteressada?

– Jairo Olivença, meu rapaz, para servi-lo.

– Olivença?! Mas o senhor mesmo me disse que os Olivença...

– São os maiores fofoqueiros, intrigantes e inventores de calúnias de toda esta vila maldita. Nunca acredite num Olivença, meu rapaz! Eles mentem o tempo todo!...

E, apertando a mão do rapaz embasbacado, o velho Jairo Olivença partiu rapidamente, pois estava vendo uma pessoa diferente que saía da rodoviária. Certamente outra pessoa de fora. Precisava se apressar para lhe apresentar em primeira mão todos os podres da gente falsa daquela vila maldita.



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Prefiro os Poetas Delirantes

PREFIRO OS POETAS DELIRANTES !  
MILTON MACIEL

Sou um terrível otimista,
um louco sem conserto,
um ufanista.
(Um leso!)
Um destrambelhado e confiante brasileiro!
Se tivesse que me ouvir por meia hora,
Muito antes de poder mandar-me embora,
Comeria, Dr. Freud, o seu charuto inteiro.
(E aceso!)

Preâmbulo feito,
declaro,
a quem interessar possa:
(Minha nossa!)

Prefiro os POETAS DELIRANTES
Aos sorumbáticos!.
Gosto-os vivos,
Muito altivos,
Atuantes,
destemidos,
extrovertidos
E fanáticos.
Épicos!

Que celebrem a vida
O gozo, o espanto!
Não a enxaqueca,
A dor-de-corno,
O gosto azedo,
A vida seca,
O próprio medo
E o desencanto.

Gosto-os agourentos,
Rebeldes,
Muito ativos!
E, não, lamurientos,
Melodramáticos
Reumáticos
Catarrentos,
Desditosos,
Chorosos
E passivos.

Prefiro os lunáticos,
do tipo atirado:
Projetados no futuro,
Desprendidos do passado,
Assistemáticos!
Que creiam no amanhã,
mesmo que incerto
e que olhem para a frente, confiantes,
Ainda quando a própria morte está por perto.

Sou um otimista patológico
Que passa todo o dia
Entusiasmado, ilógico,
Imaginando
Escrevendo
Redigindo
E até compondo,
Lá no fundo
Apaixonado,
Lambuzado,
de ALEGRIA!

O Lenhador Sensível

O  LENHADOR SENSÍVEL  
MILTON  MACIEL   

– Ola, Pitot, que cara estranha é essa?

 – É meu irmão Charles, sabe? Acabo de vir do burgo dele, ele está muito mal.

– Verdade, Pitot? Pois eu o vi ainda esta semana aqui na vila e ele me parecia tão normal. Está doente, é?

– Doente da alma, Jean-Marie! Da alma. É tristeza, uma tristeza sem fim, pobre Charles.

– Mas o que aconteceu com ele?

– Bem deixe eu lhe contar tudo direitinho. Sabe, o Charles sempre foi um menino muito sensível. Era diferente de nós, que sempre fomos uns brutos, só queríamos saber de brincar de guerra, vivíamos às turras com outros garotos, a aprontar coisas horríveis no burgo. Mas Charles era um menino diferente, preferia brincar com os animaizinhos, colher flores no campo, e, depois que lhe ensinaram a ler, era só o que ele fazia, sempre que lhe sobrava um tempo das atividades da família. Pois ele era o único que ajudava o pai na tarefa de lenhador.

– E isso é o que ele faz hoje, não é? É como lenhador que ele sustenta a família, que eu saiba.

– Sim, e isso não é lá muito adequado para ele, pois é uma criatura delicada demais, sensível demais para executar tarefas tão brutas.

– E isso é o que o deixa assim infeliz, então?

– Pois aí é que está, Jean-Marie. Não é por isso, não. É uma coisa que tem a ver com os serviços extras, para o quais ele é convocado de vez em quando. Foi por causa de sua habilidade como o machado que o Duque de Montpellier o designou para a função. O que, aliás, passou a lhe dar uma excelente renda extra, você precisa ver como está bem maior a casa dele agora.

– Bom, mas então o que é que o deixa tão descontente, se ganha mais dinheiro e é distinguido pelo Duque em pessoa.

– Pois ele me confidenciou ontem, bêbado que nem nosso abade, quando eu estive em visita a seu burgo. Como sofre o pobre Charles! Disse que é por causa da incompreensão das pessoas. Charles é um homem bom, uma alma de Deus, delicado e gentil ao extremo, como só ele pode ser. Aí me falou que o que mais o infelicita é o comportamento das crianças. Agora elas se escondem dele, como se lhe tivessem medo. Ele me sussurou, lágrimas nos olhos, que não pode entender por que razão isso acontece. Você sabe, Charles sempre adorou bichos e crianças. Dava gosto ver como ele, ao chegar do trabalho, depois de dar atenção a seu instrumento, seu grande machado, limpá-lo e afiá-lo todo dia, ia brincar com as crianças do burgo, como se fosse um menino grande. No fundo é isso que Charles é, uma criança com barbas, só um menino de alma pura e terna.

– Bem, Pitot, então que diabos é isso que ele faz, trabalhando com seu machado, como um bom e honesto lenhador que ele é? Afinal como é que ele serve ao Duque, então?

– Como carrasco, Jean-Marie! Ele é o verdugo local. Corta pescoços fazendo cumprir a justiça do Duque e do Arcebispo. E é perfeito no serviço: jamais perdeu um golpe. Ele é mesmo exímio com um machado.

– Grand Dieu!

E Jean-Marie deixou cair da mão seu copo de vinho, que espatifou-se no chão, deixando Pitot sem entender nada.