terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

 O  ‘GRANDE ESCRITOR’ NESTE PAÍS

MILTON MACIEL 

Atualmente a realidade do mercado de livros é bem diferente. O ‘Grande Escritor’ é previamente escolhido em dois palcos apenas: o do marketing e o dos concursos literários, sendo que este se subordina totalmente àquele.

Como consultor, atuo há 3 anos como editor de aquisição e de desenvolvimento, assim como ghostwriter, para uma editora muito grande de São Paulo. Quando ainda estava no Brasil, participei de reuniões presenciais em que decidíamos quem seria transformado em ‘Grande Escritor’ – ou seja, em bestseller. Hoje, só participo online.

Na Editoria fazemos a avaliação do potencial do texto e o Marketing faz a avaliação do potencial do candidato e do nicho específico. Se o Marketing dá o sinal verde, faz-se o acolhimento e o pré-contrato. E a obra entra em lapidação:

Um dos editores de desenvolvimento reordena e recorta boa parte do texto, tornando-o o mais alinhado possível às exigências específicas do nicho, pois um desalinhamento será sempre fatal para as vendas depois. E, inúmeras vezes, um ghostwriter vai reescrever o texto com competência literária e, ao mesmo tempo, mercadológica.

Aprovado o produto lapidado, a arte cria uma capa altamente profissional, de novo adequada aos cânones rígidos do nicho. E são feitos os textos mortalmente vitais de capa, orelhas, última capa e Blurbs, bem como as adequações das palavra-chave, igualmente mortalmente vitais, que permitirão que o livro obtenha um alto ranking de encontro na Amazon, outras livrarias online e motores de busca (SEO) – sem o que vamos ter fracasso de vendas.

Tudo isso exige muito conhecimento técnico especializado e muito investimento. E a casa publicadora só vai apostar em cavalo vencedor, porque vai ter que colocar muito, muito dinheiro adiantado e, depois de feita a publicação do livro impresso, ainda vai ter que gastar muito nos fronts das livrarias das grandes redes, espaços pagos também muito caros.

Vai daí que esses senhores investidores, no que tange ao mercado de FICÇÃO, prefiram mais de 85% de textos ESTRANGEIROS, que já se mostraram geradores de bons lucros lá fora. Há o custo da tradução, o preço da aquisição é maior, porém... o retorno é garantido e generoso.

Então fica muito difícil para o autor nacional virar bestseller, condição sine qua non para atingir o status de ‘Grande Escritor’ – que deixou de ser um título de qualidade, para se tornar um medidor de quantidade: quantidade de livros vendidos, condição obrigatória de ser bestseller.

Por outro lado, os concursos são manobrados pelas grandes editoras, sendo o nosso maior, o Jabuti, uma grife da Câmara Brasileira do Livro, uma organização de editores e livreiros de grande porte. Não digo que os julgamentos sejam feitos na base do conchavo ou da roubalheira, mas que os padrões comerciais criam uma norma e dentro dela é que esses livreiros e editores escolhem – e pagam – aqueles que serão os jurados.

E, como dizem os argentinos “El que paga que lo mande”.

Assim, tendo máxima ou relativa qualidade o texto, acaba sendo o potencial mercadológico que dita, na imensa maioria dos casos, quem será ‘Grande Escritor’ neste começo de século XXI.

Termino pedindo perdão às colegas por seguir a norma machista da língua; subentenda-se que  ‘Grande Escritor’ quer dizer também ‘Grande Escritora’ (MM, 13/02/24)

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