O ‘GRANDE ESCRITOR’ NESTE PAÍS
MILTON MACIEL
Atualmente a realidade do mercado de livros é bem diferente. O ‘Grande Escritor’ é previamente escolhido em dois palcos apenas: o do marketing e o dos concursos literários, sendo que este se subordina totalmente àquele.
Como consultor, atuo há 3 anos como editor de aquisição e de
desenvolvimento, assim como ghostwriter, para uma editora muito grande de São
Paulo. Quando ainda estava no Brasil, participei de reuniões presenciais em que
decidíamos quem seria transformado em ‘Grande Escritor’ – ou seja, em
bestseller. Hoje, só participo online.
Na Editoria fazemos a avaliação do potencial do texto e o Marketing
faz a avaliação do potencial do candidato e do nicho específico. Se o Marketing
dá o sinal verde, faz-se o acolhimento e o pré-contrato. E a obra entra em
lapidação:
Um dos editores de desenvolvimento reordena e recorta boa
parte do texto, tornando-o o mais alinhado possível às exigências específicas
do nicho, pois um desalinhamento será sempre fatal para as vendas depois. E,
inúmeras vezes, um ghostwriter vai reescrever o texto com competência literária
e, ao mesmo tempo, mercadológica.
Aprovado o produto lapidado, a arte cria uma capa altamente
profissional, de novo adequada aos cânones rígidos do nicho. E são feitos os textos
mortalmente vitais de capa, orelhas, última capa e Blurbs, bem como as
adequações das palavra-chave, igualmente mortalmente vitais, que permitirão que
o livro obtenha um alto ranking de encontro na Amazon, outras livrarias online
e motores de busca (SEO) – sem o que vamos ter fracasso de vendas.
Tudo isso exige muito conhecimento técnico especializado e
muito investimento. E a casa publicadora só vai apostar em cavalo vencedor, porque
vai ter que colocar muito, muito dinheiro adiantado e, depois de feita a
publicação do livro impresso, ainda vai ter que gastar muito nos fronts das
livrarias das grandes redes, espaços pagos também muito caros.
Vai daí que esses senhores investidores, no que tange ao
mercado de FICÇÃO, prefiram mais de 85% de textos ESTRANGEIROS, que já se
mostraram geradores de bons lucros lá fora. Há o custo da tradução, o preço da
aquisição é maior, porém... o retorno é garantido e generoso.
Então fica muito difícil para o autor nacional virar
bestseller, condição sine qua non para atingir o status de ‘Grande Escritor’ –
que deixou de ser um título de qualidade, para se tornar um medidor de
quantidade: quantidade de livros vendidos, condição obrigatória de ser bestseller.
Por outro lado, os concursos são manobrados pelas grandes
editoras, sendo o nosso maior, o Jabuti, uma grife da Câmara Brasileira do
Livro, uma organização de editores e livreiros de grande porte. Não digo que os
julgamentos sejam feitos na base do conchavo ou da roubalheira, mas que os padrões
comerciais criam uma norma e dentro dela é que esses livreiros e editores
escolhem – e pagam – aqueles que serão os jurados.
E, como dizem os argentinos “El que paga que lo mande”.
Assim, tendo máxima ou relativa qualidade o texto, acaba
sendo o potencial mercadológico que dita, na imensa maioria dos casos, quem
será ‘Grande Escritor’ neste começo de século XXI.
Termino pedindo perdão às colegas por seguir a norma
machista da língua; subentenda-se que ‘Grande
Escritor’ quer dizer também ‘Grande Escritora’ (MM, 13/02/24)
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