MILTON MACIEL
Todos os bálsamos os enamorados inalam, em
sua paixão. O mesmo não se pode dizer das luzes. Vêem poucas, quase nenhuma: o
sol, raras vezes o farol do caminhão em frente, a luz vermelha do sinal. Mas,
permanentemente, são capazes de ver a luz que vem de sua amada. É plena,
ofuscante, perpassa-os com os fótons mágicos que criam os devaneios.
Com Luiz Felipe não haveria de ser diferente.
Consumia-se em paixão por Ana Cláudia; desdobrava-se a seu redor, como um
protoplaneta em estado nebuloso gira em torno de sua estrela.
Bom amigo, Alfredo tentou abrir um pouco
aqueles olhos inebriados para a luz da razão:
– Mas a Ana Cláudia não deixou o Lucas pra
viver como o Evandro?
– Ora, isso foi há mais de um ano. Que
importância tem?
– Mas aí ela não traiu o Evandro com o
Jonas, lá da Concessionária?
– E ela fez muito bem. Ela me contou que o
cara era um sádico.
– Nossa, o Evandro?! Ele batia nela? Ou era
sadomasoquista, daqueles de chicote na mão e algemas?
– Não, não era isso. O panaca era sádico
com o cachorrinho dela, não comprava ração de qualidade, um mão-de-vaca
maldito, ia acabar matando o bichinho de desnutrição. Eu, agora, só compro
ração importada pra ele, 280 reais o saco de 25, me dá um puta orgulho.
– Huummm, um cachorrinho... Sim. Um poodle de madame, imagino, desses que
comem um saco de ração por mês. É caro!
– Poodle? O Belzebu?! Não me faça rir,
cara. Belzebu é um São Bernardo. Come um saco em 5 dias, você precisa ver o
apetite do bichinho, é um colosso. Eu me amarro naquele cachorro.
– Deus do céu! Seis sacos por mês?!!
–
Fora a carne, é claro. O Buzinho adora uma alcatra, você precisa ver.
– Tá, tá, nem vou perguntar quantos quilos
ele come por dia. Vamos falar de outra coisa. A Ana Cláudia não traiu o Jonas
também?
– Traiu comigo, cara. Comigo. Como ela diz
sempre: foi só então que Deus teve piedade dela, que ela encontrou o verdadeiro
amor pela primeira vez na vida. Tá entendendo, cara: pela primeira vez na vida!
Essa menina é supersensível, sofreu demais nas mãos de um monte de ordinários
que só enganaram sua boa fé.
– Sim, sei. Boa fé... E ela trabalha em
que?
– Não trabalha fora, os caras nunca
deixaram. Também, uma gata daquelas, os caras morriam de ciúme dela, é lógico.
– E você?
– Ora, eu não sou ciumento, você sabe. Só
acho que não é justo ela se expor a esse trânsito maluco e perigoso todo dia, a
ter que ouvir as cantadas na rua, o assédio no trabalho. E trabalhar no quë?
Ela não tem profissão. Nunca pôde trabalhar, a coitadinha.
–E agora, com você...
– Agora ela não precisa, é diferente. Eu ganho bem pra burro, você sabe. Muito mais
do que aquele babaca do Jonas, lá da Concessionária.
– Tá certo – concordou Alfredo. E pensou: melhor não dizer mais nada, o pior cego é o
que não quer ver. Ficou em silêncio o tempo suficiente para Luiz Felipe se
lembrar do que estava indo fazer.
– Cara, no papo com você acabei esquecendo
que tenho que buscar a Alzirinha agora.
– Uma amiga? Parente?
Luiz Felipe riu:
– Você não dá uma dentro hoje, cara. Não, a
Alzirinha é um presente, uma puta surpresa que eu vou levar pro meu amor. Ela
vai se derreter toda. E o Buzinho também.
– O Belzebu? Ora, por quê?
– A Alzirinha é uma fêmea de São Bernardo,
Alfredo. Comprei hoje. Vou pegar a bichinha no Pet Shop, mandei dar banho,
perfumar, dar um trato de luxo, sabe como é. A Aninha merece. Cara, ela vai
chorar como criança pequena no meu colo. Depois dá um puta tesão nela e você
não pode imaginar o que ela faz numa cama quando fica agradecida assim.
– Não posso...
Alfredo imaginou.
– Bem, preciso ir, cara. Bye, bye. Vê se
você desencalha e arranja uma gata assim como a minha. Pena que Ana Cláudia como
essa só exista uma.
– Tchau – Alfredo acenou com a mão quando
Luiz Felipe deu partida na Pajero.
Depois caminhou lentamente até o
estacionamento, pagou a conta, entrou no Mercedes e tirou o bilhetinho do
bolso. Aquela mulher estupidamente linda tinha encostado o peito no braço dele
no clube e colocado o bilhete no seu bolso. Leu mais uma vez:
“Menino,
Que
surra você deu nele no tênis hoje. Também, você é muito mais forte e mais
musculoso que ele. Cada pernão! A mulherada deve ficar louca de tesão por você.
Quem não fica, né? Me liga de tarde, quero te falar uma coisa. A propósito,
você gosta de cachorro? Euzinha”
Alfredo sacudiu a cabeça. A visão daquela
gata era de enlouquecer qualquer um. O convite, então... De cachorro ele até gostava, mas de Husky
siberiano.
Mas ele gostava muito, muito mais da sua carteira e da sua conta
bancária. Aquela vigarista era uma alpinista social, na certa estava
considerando dar mais um salto quântico em sua carreira, afinal ele era o dono
da Concessionária onde o corno do Jonas trabalhava como gerente. Trabalhava.
Agora estava na maior depressão, licença médica... Deu a partida enfim, jogou o
bilhete fora na lixeira da saída, lembrou do coitado do Luiz Felipe, bom amigo,
ruim no tênis:
– É, o pior cego não é o que não quer
ver... É o apaixonado!
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