quinta-feira, 29 de outubro de 2015

LIVRA-ME, LIVRO 
MILTON MACIEL

Livra-me, Livro, do SILÊNCIO

Porque de ti vem o som de vozes e palavras,
Que ouço na mente, ora suaves, ora bravas,
Ora sussurros, meiga poesia, acerba prosa.
Vem-me o sonido da música harmoniosa
Que cantas desde as pautas e das claves.
Enches-me os olhos com imagens multicores,
Falas de vida, de sonhar, falas de amores
E também gritas o sofrer das horas graves.

Livra-me, Livro, da SOLIDÃO

Porque que em ti está o melhor remédio
Para o olvido, o abandono, para o tédio,
Quando a vida lá fora faz-se escura.
Abro tuas páginas e então, magia pura!,
Saio do meu, pois mergulho no teu mundo.
Horas a fio tu me embalas e me aqueces,
Mostras caminhos, aventuras, mostras preces,
E que outros vivem em abismo mais profundo.

Livra-me, Livro, da IGNORÂNCIA

Porque é contigo que aprendemos passo a passo.
Desde pequenos foste-nos régua e compasso,
Pois que ensinar é tua mais nobre missão.
Do mero bê-á-bá até os textos de profissão,
Foram tuas páginas as mãos que nos guiaram
Encadearam-se dentro de ti milhões de mentes,
Desde os primórdios até os tempos mais presentes,
Que do cegar da ignorância nos livraram.

Livra-me, Livro, do ORGULHO

Muitos de nós em tuas folhas se embebedam,
Sobe-lhes à mente o saber tal qual o vinho.
É em saber mais, só saber mais, que se obsedam.
Mas, sem compartir, o saber se faz mesquinho!
Mostra-nos, Livro, quando nos julgarmos sábios,
Mil bibliotecas com milhões de alfarrábios,
A que jamais chegaremos numa só jornada.
Lembra-nos sempre, com teu paternal carinho,
Que nós, no fundo, não sabemos quase NADA!

(Ilustração: Câmara Brasileira do Livro)

domingo, 25 de outubro de 2015

ESCUTA-ME! 
MILTON MACIEL (rimas internas cruzadas)

Escuta-me.
Mas tem cuidado, por favor.
Todo meu ser está cansado:
Mal de amor! Como viver
com este fado? Entende-me.        

Mas tem paciência, te suplico.
Pois vago assim na impermanência
Onde fico, sem ter de mim
mais consciência. Apoia-me.

Mas tem firmeza, sê constante.
Pois que oscila, minha alma, na incerteza
 angustiante. E, sem força, atônita vacila
em sua tibieza. Ajuda-me! 

Mas tem carinho, por piedade.
Pois que, transido, cansei de lutar sozinho
contra a saudade e o abandono descabido
dos quais definho. Compreende-me!      

Oh, por favor, escuta-me!

terça-feira, 20 de outubro de 2015

QUE POETAS EXISTAM, É PRECISO  
MILTON   MACIEL  - Celebrando o DIA DO POETA, 20 de Outubro

É preciso que os poetas falem roucos,
Livres, soltos, desmiolados, doidos, loucos;
Libertários,
Libertinos,
Temerários,
Pequeninos.
Solitários.
Uns meninos!

É preciso que os poetas cantem soltos,
Os seus ais de mares mansos ou revoltos.
Censurados,
Desamantes,
Desvairados,
Delirantes.
Desvalidos,
Estressados,
Esquecidos,
Mal-amados.

É preciso que os poetas digam tudo,
Almas tristes, desvalidas, estro mudo.
Sobranceiros,
Agourentos,
Traiçoeiros,
Peçonhentos.
Desdenhados,
Reprimidos,
Rejeitados
E esquecidos.

É preciso que os poetas gritem alto,
Por amarem, peito em lava ou frio basalto.
Sofrimento,
Esperança.
Sentimento,
Semelhança.
Diferença,
Concordância,
Desavença
Ou consonância.

Mistér se faz que eles existam, simplesmente,
Para gritar, por nós, o que nos vai na mente.
Solucem eles, por nós, o nosso canto
De amor, de desamor, de desencanto.
E que traduzam, infelizes, descontentes,
O que se oculta em nossas almas decadentes.


domingo, 18 de outubro de 2015

E SE A DOR QUE A GENTE SENTE? ...  
MILTON MACIEL

E se a dor que a gente sente se esquecesse da gente,
sem peso o nosso peito, o rosto sempre sorridente?
Se a gente nem soubesse o que é infelicidade,
pureza de criança, em toda e qualquer idade?

E se a desconfiança nunca encontrasse guarida,
e só a sinceridade existisse em nossa vida?
Se todo amor sincero fosse, sim, correspondido,
jamais acontecesse um afeto despercebido?

E se a vida fosse só uma imensa brincadeira
e nela você fosse a minha eterna companheira?

Nesse mundo perfeito, sem passado ou futuro, só presente,
eu viveria – ah, sim, com você! – eu viveria eternamente.


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O OLHAR DA PROFESSORA   
MILTON MACIEL  

Tristonho e angustiado, o olhar da professora
Contempla, entre lágrimas, a visão assustadora
Das contas sobre a cama, abertas como um leque.
Ao lado, para honrá-las, o bisonho contra-cheque!

 (Um preito de gratidão a todas as heroínas e heróis que, através da mais dura realidade diária, imolam suas vidas na ara de sacrifício do ensino público brasileiro básico, construindo, às custas de si mesmos, a sobrevivência e o futuro de um país em que, mesquinhos e ingratos, governadores e prefeitos insistem covardemente  em lhes seguir voltando as costas):

O OLHAR DA PROFESSORA
Tristonho e angustiado, o olhar da professora
Contempla, entre lágrimas, a visão assustadora
Das contas sobre a cama, abertas como um leque.
Ao lado, para honrá-las, o bisonho contra-cheque!

As pilhas a subir:
São roupas pra passar,
São louças pra lavar,
Provas pra corrigir!
E filhos a exigir,
Marido a reclamar,
Ninguém para ajudar,
Quem pode resistir?!

Alunos revoltosos, preguiçosos, barulhentos,
E, de uns anos para cá, cada vez mais violentos.
A sala de aula pobre, desprovida, abandonada,
E com risco de ser, mais uma vez, interditada.

Tristonho e angustiado, o olhar da professora,
Contempla, entre lágrimas, a visão assustadora
Da escola que se afunda, em decadência lenta,
Nas mãos da gestão pública, inepta e/ou fraudulenta.
E pensa no absurdo, o paradoxo tão profundo:
Economia: Sexta. Educação: Terceiro... Mundo!

O que fazer, então,
Se essa é sua profissão?
Se pra ganhar a vida
Foi essa a escolhida
Por sua vocação?
E se somente ela,
Em que pese a mazela,
Lhe fala ao coração?

Então, mais uma vez, o olhar da professora,
Procura ver além da imagem assustadora.

Tem a vida pra levar,
Tem filhos pra criar,
Não pode desistir,
Forçoso é resistir.
Tem que continuar:
Tantos a precisar
Da sua resistência,
Da sua eficiência
Da sua devoção,
Da sua imolação!

E, cheio de esperança, o olhar da professora,
Mais uma vez contempla a visão alentadora:
Um futuro diferente, em que outras criaturas
Poderão levar em frente jornadas menos duras:

As novas professoras, de uma nova geração
De crianças, tendo enfim, no Brasil uma Nação.
Ela compreende que não sonha, apenas, tal futuro,
Mas que o constrói, a cada dia, com seu trabalho duro.

E que, para educar, ela não mede sacrifício,
Pois essa é a dor e a glória do seu Sagrado Ofício.  (MM)

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

RATOCUNHA E A QUADRILHA – cordel nordestino
Tião Alforje  

(Recebi este cordel hoje, direto de Tião Alforje, o grande cantador e repentista nordestino, que afirma:“Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, instituições, lugares e fatos reais, terá sido mera coincidência” – Tião Alforje). Como achei muito criativo e original, apresso-me a compartilhá-lo com vocês)

Um rato gordo e vigarista
Que atende por Ratocunha,
(nham, nham, nham...)
Muito pior que se supunha,
Achacador e chantagista,
No trambique maravilha,
Era o chefe da quadrilha.

Habitavam num puteiro
Que se chamava Cronguésso.
(nham, nham, nham...)
Três centenas de ratões,
Com milhares de processos,
Só Ratocunha mais de vinte,
Pra ele menos é um acinte.

Nos furos de um queijo suíço
Ratocunha escondeu grana.
(nham, nham, nham...)
Ele e sua ratazana
Na grana deram sumiço.
Queijo suíço era uma mina,
Muitos anos de propina.

Mas o dono do queijo suíço,
Arretou-se: “Chega disso!”
(nham, nham, nham...)
E o gringo vermelho e rijo
Denunciou o esconderijo
Da grana que ali dispunha
O malandro  Ratocunha.

Os outros ratos do bando
Ficaram muito ouriçados,
(nham, nham, nham...)
Pois viram que pelo chefe
Foram para trás passados
“Pra ocê o filé colosso,
mas pra nóis só sobra o osso! ”

Mas o tal do Ratocunha
Sonhava ser o xerife.
(nham, nham, nham...)
Mas isso é também o sonho
De Aéroneves, que bisonho!
Então eles se juntaram
Pra liquidar o xerife.
(Depois disputam entre eles
Quem tem o maior cacife!)

Tão preparando a emboscada
Contra o xerife Dentuço.
(nham, nham, nham...)
A coisa tá complicada,
O negócio ali tá russo.(F)
Só quando a poeira abaixar
É que o resto eu vou contar...
(nham, nham, nham...)
(nham, nham, nham...)
(“Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, instituições, lugares e fatos reais, terá sido mera coincidência” – Tião Alforje).


terça-feira, 13 de outubro de 2015

NADA !...
(Ode a um dia comum)
MILTON MACIEL

Ontem não aconteceu nada, foi só um dia comum.

Ontem nada deu certo.
Porém, nada deu errado.
Se nada teve conserto,
Nada também foi quebrado.

Tive alegrias? Que nada!
Mas nada me incomodou.
Fiquei chateado? Que nada!
No entanto, nada mudou.

Nada de novo na esquina,
Nada fugiu da rotina.
Nada houve de horroroso...
Que dia MARAVILHOSO!!!

24 horas cheinhas de minutos para viver um dia comum!
De dias comuns é feita a quase totalidade das nossas vidas.
Descontados os poucos dias excepcionalmente bons – ou maus! –
todos os outros são maciçamente dias comuns. Portanto,
a arte de ser feliz tem tudo a ver com saber viver bem os dias comuns.
Encontrar neles a felicidade de viver, trabalhar, ler, estudar, amar, sonhar...
É tolo vive-los na expectativa ansiosa de dias melhores.
Ou no medo igualmente tolo de dias piores.
Ou na prisão ilusória dos dias já passados – e suas memórias.

Quando você chegar por volta dos 70 anos, terá vivido 2500 dias.

Desses 2300, uns 90%, terão sido dias comuns. Logo...


Miami, Jan 30, 2012

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

PORQUE NELE ESTÁ VOCÊ 
MILTON MACIEL

Dizem que o mundo por aqui está todo errado:
Miséria, violência, frio, seca, fome, guerra.
Dizem que é dura demais a vida aqui na Terra
E que viver neste planeta é carregar um duro fado.

Mas como pode ser verdade, se aqui existem flores,
Se existe arte, amizade, compaixão, se há os amores?
Como pode ser ruim um mundo, quando nele a gente vê
Que ele é maravilhoso, porque nele... está VOCÊ!

Basta existir você, seu coração nobre e fecundo,
Para fazer pleno e perfeito qualquer mundo.


sábado, 10 de outubro de 2015

POR ESO, AMIGO (Poemas en español) 
MILTON MACIEL
(Consejo para un  amigo, para no verlo
 fracasar, como marido y como jefe)

Por  eso, amigo, le digo.
Y hasta un consejo le doy:
Trate de ser controlado!
Las ilusiones de hoy
Mañana… serán pasado
Tanto ya pasó conmigo:
Lo que le digo, no es ciencia
Tan solo es mi experiencia.

SECRETO DE MATRIMÓNIO
Oiga, amigo, escúcheme:
Sus días mejores serán
Si usted trata a su mujer,
Con el cariño de ayer,
Y la misma devoción,
Respeto y admiración,
Del tiempo de enamorado.

No se engañe, es muy errado
Creerse uno absoluto,
Muy altivo, muy astuto
Y señor de la verdad.

Ser macho no es ser tirano,
Si no que es ser soberano
Sobre su propia conciencia
Y actuar con serenidad.
Sepa usted que es un error
Ser grosero, ignorante,
Imponerse por temor
Y tener poca paciencia.

Si usted quiere ser feliz,
Trátele bien a su esposa,
Que el candor de una rosa
Le trajo un día a su vida.
Sepa verla siempre hermosa,
Afuera de su apariencia,
Que la edad modificó.
(Por que el tiempo transformó
También la suya, paisano!)

No opere como gusano,
No sea usted traicionero.
Sea leal y compañero:
Con quién le ofreció la mano,
Trate de ser verdadero!

No acredite en chismoseadas
Ni se vuelva sospechoso.
Y no crea que dar patadas
Le hace más respetuoso.
Si es respeto que usted quiere,
Sepa hacerse respetar.
Y eso no es intimidar,
Si no que es hacerse humano,
Tolerante y comprensivo.
Y mantenerse cautivo
De la amistad solamente.

Y Como jefe, por favor,
Al mandar sea paciente,
No se juzgue superior!
Si usted tiene autoridad,
No se crea un gran señor
Ni dueño de la verdad.
El que pague que lo mande,
Pero no se haga el grande:
Respete cuando mandar!

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

CANZONE PER T.  # 14  
MILTON  MACIEL  

O livro a mente encandeia,
Destila poemas de amor.
E o coração se incendeia,
Em flamas, qual rubra flor. 

Em flamas, qual rubra flor,
Explode em brilhos a aurora.
Explode a frase a compor:
– Te amo ainda mais agora!

Te amo ainda mais agora,
Depois destes anos tantos.
A juventude indo embora,
Cresceram mais teus encantos.

Cresceram mais teus encantos,
Tornaram-se atemporais.
E, para meu próprio espanto,
Te amo cada vez mais.

Te amo cada vez mais,
Destilo poemas de amor.
E o coração se incendeia,
Em flamas, qual rubra flor.


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

EU SEI OS SEUS PIORES SEGREDOS     
MILTON  MACIEL     

Ei, pessoa! É, você mesmo, pessoinha, que está lendo isso aqui! Você, sim. Eu descobri os seus segredos mais incômodos, sabia?  Pode crer! Você já vai ver. Como? Quem sou eu? Ora, você já vai ver também, não se afobe, não apresse o rio. Bem, de qualquer forma, eu  sou o cara que sabe os seus piores segredos. Inclusive aquele mais brabo, que ninguém pode saber, mas ninguém mesmo, senão você se ferra total, pessoa. Quer ver o que eu sei?

Pois então pára tudo. Não, é tudo mesmo! Pára tudo e pensa pra valer nesse seu podre mais brabo aí. Tá, eu sei que você tem um monte, mas é o pior deles, o mais cabeludão, é: AQUELE!!!  Agora pensa no medão que você tem que alguém fique sabendo disso. Pensa bem, pessoa! Está pensando? Imagina então se alguém descobre e começa a espalhar ISSO por aí, joga no ventilador. Acaba com você! Pois acontece que EU sei tudo!

A sua sorte é que comigo o seu segredo cabeludo está protegido. Eu não conto nada pra ninguém. Sou capaz do mais completo e abismal silêncio. Aliás, por causa disso, eu mesmo me dei dois apelidos: Túmulo Fechado e Sepulcro Caiado.

Que sorte a sua que fui eu quem descobriu essa coisa horrorosa. Francamente... Você, hein? Quem diria! Pessoinha, em você existe um feio lobo por baixo dessa pele bonitinha de ovelhinha. Mas a mim você não engana, não. Agora eu sei de tudo. Mas, como já afirmei, sorte sua é que eu sei guardar um segredo. É, não só você, mas todas as outras pessoas que eu flagrei, estão mais do que seguras comigo. Segredo total. Absoluto!

A menos, é claro, que uma pessoa não saiba reconhecer, não saiba demonstrar gratidão por esse meu proceder idôneo, essa minha canina lealdade para com uma pessoa pecadora e portadora de um segredo aviltante. Explico melhor: Já houve até quem equivocadamente pensasse que eu sou um chantagista qualquer, desses chantagistazinhos miúdos e baratos de periferia, que cobram pra não revelar segredinhos torpes de alcova, de viadagem ou de desfalques, de fofoca de comadre ou de cabeleireiro.

Argh! Eu tenho nojo dessa gente baixa e rasteira! Chantagistazinhos chinfrins! Aliás, eu tenho nojo de tudo que não tenha classe e um bom tamanho. Por isso mesmo eu só opero na descoberta de segredo brabo pra valer. Dos maiores! E de gente importante que nem tu, pessoinha. Gente que tem, além de importância e nome a zelar, uma sólida retaguarda financeira.

Não, não se assuste, já falei que eu não sou chantagista. Imagine, longe de mim a ideia malévola de lhe extorquir dinheiro em troca da manutenção do seu segredo. Nunca, eu tenho a minha ética e dela não me afasto um milímetro. Eu não cobro nada para manter o seu horrível segredo absolutamente secreto e protegido. Fique tranqüila, pessoa.

Agora, eu agradeço e aceito a gratidão das pessoas que eu protejo da execração pública ou de parte de pessoas amadas, de pessoas cornas amadas, familiares, empregadores, fiscais federais, etc. Não posso impedir que pessoas realmente generosas – como você, pessoa, tenho certeza – queiram demonstrar a sua enorme gratidão pela proteção que eu garanto a seus tenebrosos segredos. Nesse caso, elas, pelo geral, me fazem impressionantes e significativas doações espontâneas, que eu não sou capaz de recusar, por medo de vir a ferir suas suscetibilidades.

O meu Camaro amarelo, por exemplo, foi doação de uma dessas pessoas imensamente reconhecidas. Eu descobri o segredo de sapatagem dela e não contei pra ninguém, mas pra ninguém mesmo. É, quando eu digo ninguém, é porque é ninguém e fim de papo. Nem o arqui-tri-corno do marido dela ficou sabendo. Afinal, lembram? – eu sou o famoso Sepulcro Caiado! E isso que ela traía o marido com a irmã dele e com a namorada da irmã dele, ao mesmo tempo. Você, por acaso, ficou sabendo quem ela é? Claro que não, eu não contei até hoje.

Por aí você vê como você pode ficar tranqüila, pessoa. Seu horrível segredo está em boas mãos. E eu não quero nada, absolutamente nada de você como condição para ficar em silêncio. Pode acreditar.

Agora, em contrapartida, eu espero não ter com você mais uma decepção traumatizante. Já chega a de ter descoberto sua barbaridade. Você, hein, quem diria?! Mas não vou ter, não, é claro que você não é do tipo capaz de cometer uma ingratidão horrorosa com o seu protetor aqui, não é mesmo? Com toda certeza você vai querer me presentear espontaneamente com um mimo delicado qualquer, sem exageros por que eu sou um moço tímido e fico logo sem jeito quando as pessoas querem me dar coisas de grande valor.

Eu me contento com pouco. Pra você ver como isso é verdade, vou até lhe dar uma ajuda e indicar umas coisinhas que eu gostaria de ganhar ou de que estou precisando. Por exemplo, eu apreciaria muito um gesto de gratidão consubstanciado (Hehê, português supimpa! Sou dos bons nisso também.) em algo simples e pouco espalhafatoso, como uma macinho modesto de notas de cem reais, totalizando não mais do que cem mil (convém que não seja menos do que isso também, questão de volume, sabe como é?). Ou um plano de viagem de volta ao mundo em 60 dias da Porcellatur, que é mais ou menos nesse mesmo valor modesto também.

Agora, precisar, precisar mesmo, eu não estou precisando de nada. É que eu sou um cara simples de todo, humilde como poucos. Só se a pessoinha achar por bem me presentear com um título de sócio remido do Paulistano, para a família, não é?

Ah, você quer saber como é que eu descobri o seu segredo? Ora, eu digo, eu não tenho segredos, não sou como você. Pra começo de conversa, eu tenho contratadas cinco agências de detetives. São as melhores do país, sabe. Sim, claro que são caríssimas. Mas sabe como é, eu tenho essa enorme felicidade de ser sempre contemplado com tantas demonstrações de gratidão das pessoas que protejo, que dá para pagar as agências com uma fração apenas do que recebo.

Mas as minhas melhores fontes não me custam quase nada. Como a quase totalidade das pessoas que eu investigo para proteger, preocupado com o sigilo total sobre as vidas delas, são mulheres, eu faço consultas espirituais pedindo que me informem se uma determinada fulana é digna de confiança e do meu amor, minto que quero casar com ela. Se for casada, digo que ela vai largar o marido. Se for muito velha, digo que tenho um fraco pela terceira idade. Ou mesmo pela quarta, se for o caso. O fato é que funciona. Por uma miserinha tipo 50 ou 100 reais, saio de lá com a ficha completa. Como foi no seu caso, pessoinha simpática.

As santas criaturas que me garantem o meu trabalho benemérito são Pai Tutufum e Mãe Cigana. É fazer a pergunta e lá vem chumbo grosso. Como é difícil encontrar uma pessoa sem podres, hoje em dia! Uma única vez aconteceu, uma tal  de Neuza Osório, de quem os dois guias espirituais só falaram coisa boa. Nunca mais esqueci esse nome. Tenho ódio dela até hoje, daquela inútil que não prestava pra nada, pelo menos pra mim.

Mas é isso, pessoinha. Você já pode imaginar o que Pai Tutufum me contou a seu respeito, não é? Pois é. Ele entregou você totalmente pessoa, me contou sua vida todinha, desde que você tinha sete anos e já estava começando a aprontar. Aí ele deu o serviço completo e até eu fiquei de cabelo em pé quando soube DAQUILO!

Mas você pode ficar tranqüila e confiante, pessoinha. Minha boca é um túmulo, já disse, eu sou o Sepulcro Caiado, lembra? De mim ninguém jamais vai ficar sabendo essa indignidade. Eu sou seu protetor. E sou o grande amigo das pessoas que, como eu, sabem valorizar esse sacrossanto valor humano que é a GRATIDÃO, como deve ser o seu caso.

Sim, porque se não for, bem... EU ODEIO PESSOAS INGRATAS! Nem sei o que sou capaz de fazer com elas...