MILTON MACIEL
Não tinham tido
filhos. O patrimônio era só o apartamento, Maria Sílvia continuaria morando
nele. Já Alberto optou por mudar-se para um apart-hotel bem junto a seu
emprego, descomplicava tudo pra ele. Era 22 de Dezembro, despediram-se como bons
amigos, tinham ficado casados por doze longos anos, nunca perderam o respeito
recíproco. Perderam foi o tesão, o casamento envelheceu mais do que eles.
Tinham 39 anos os dois, estavam em boa forma e com boa saúde. Ela ainda era uma
mulher muito bonita, ele não era de se jogar fora.
Mas nenhum deles
tinha saído do casamento por interesse em outra pessoa. Na verdade, o que
queriam agora era paz, sossego, vida nova, espaços próprios. E nada de
complicação com novo enrosco afetivo!
Férias coletivas
de fim de ano, cada um foi viajar pro seu lado. O Natal passou, Alberto seguiu
tranquilo na praia, em Piçarras. Maria Sílvia na casa da avó, em Pomerode. Ele ficaria até 8
de janeiro, ela até o 22, falaram-se ao celular, desejaram-se Feliz Ano Novo.
Tranquilidade total, dias maravilhosos aqueles entre o Natal e o Ano Novo.
Até que o Ano
Novo quis de fato chegar. Na véspera, Alberto ficou estranhamento inquieto, por
mais que não quisesse, Maria Sílvia não saía mais de sua cabeça: era o primeiro
Ano Novo que iriam passar longe um do outro. Ele começou a achar que teria sido
muito mais lógico que se separassem depois disso. Então chegou ao seu limite, a
angústia foi aumentando e ele, se súbito, pagou o hotel e dirigiu de volta para
Joinville. Na BR-101 danou a correr como um maluco. Por que a pressa de chegar, seu incoerente?!
Parou no posto
Sinuelo. Como sempre fazia levou um tempo admirando a bela réplica de Nau de Gonçalo Coelho, que lá estava ancorada no pequeno lago. Lembrou como Maria Sílvia gostava de entrar
naquela 'caravela', como ela preferia chamá-la. Pagou a entrada e subiu a escada de acesso à nau. Naquele fim de tarde, quase
noite, era o único visitante. O jovem historiador que ciceroneava as visitas
passou por ele descendo a escada, identificou-se como David, disse que voltaria em 15 minutos.
Então Alberto, sozinho na penumbra, chorou. Pela primeira vez depois da separação, chorou. Deixou-se cair no chão
escuro do convés e soluçou toda sua enorme saudade de Maria Sílvia. Não estava aguentando,
não estava se reconhecendo, por que tudo de repente tinha ficado tão difícil?
Mas ouviu passos
subindo a escada e tratou de se recompor, escondeu os olhos avermelhados com uma
mão. Viu a cabeça surgindo, era de uma moça loira, não era o historiador. Envergonhado,
Alberto voltou-se de costas, para esconder a face descomposta. Mas a moça falou
com ele assim mesmo. Sua voz estava estranha, entrecortada, como se estivesse
muito emocionada. Ele se voltou surpreso, ao ouvir seu nome:
– Alberto...
Era ELA! Sua Silvinha, os olhos azuis vertendo lágrimas que chegavam a saltar, esbugalhados de surpresa:
– Silvinha! Você
não ia ficar na sua avó?
– E você não ia
ficar na praia?
– Ia... Mas não
deu, não aguentei mais. Tá doendo muito, Silvinha...
– Doendo demais,
Alberto. Peguei o carro, estou voltando pra Joinville, não dá pra ficar em Pomerode, estou estragando a alegria do pessoal de lá... Parei pra ver
nossa caravela...
– A gente errou, não foi?
– Sim, errou. Dá
pra voltar atrás?
– Você quer?
– É tudo o que
eu mais quero, meu amor.
– E eu também,
querida. Parece um sonho, você aqui... Nós dois aqui...
– Morrendo de
saudade e de arrependimento...
Então caíram nos
braços um do outro e começaram a se devorar com beijos de verdadeira paixão,
como não sentiam mais há muitos anos.
O historiador
vinha chegando com seu passo leve, ouviu toda a conversa do início da escada,
entendeu o que era aquilo. Sorrindo, voltou a descer. Lá de baixo ele gritou:
– Gente, seis da
tarde, já deu meu horário, tou indo embora. Quando vocês tiverem terminado,
podem descer, não precisam se preocupar com nada, podem ficar o tempo que
quiserem, só não vai ter luz. Vou deixar o portão de entrada destravado. Feliz Ano Novo pra vocês.
E saiu contente,
sentindo-se o próprio Cupido. Aqueles dois não iam sair de lá tão cedo!...
E não saíram:
pela primeira vez um casal fez amor apaixonadamente dentro da réplica da nau de
Gonçalo Coelho. Ali a noite os envolveu, ali as estrelas brilharam sobre o amor
que havia renascido. Ali, abraçados, esperaram juntos a meia-noite. Tinham tanto, tanto o que conversar, que todo o tempo do mundo não era suficiente.
Tinham se perdido um do outro durante anos... Mas agora se reencontravam
finalmente:
– Feliz Ano
Novo, meu amor!
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