sexta-feira, 31 de outubro de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 30ª Parte
MILTON MACIEL

Fim da 29ª parte: 
Então Bartira fez todos levantarem e levou-os para as peles, que João Ramalho havia montado à maneira de uma cama alta européia. Apagou a tocha e falou:

– Vocês já estão casados desde o momento em que João Ramalho disse eu aceito. Mas estão os dois muito sem jeito e Irani deve estar esgotada, cansada demais. Então vamos dormir, descanso é o que vocês mais precisam. Amanhã eu ajudo vocês e consumarem o casamento, a brincar de amor.

Aliviados e agradecidos, os dois beijaram Bartira e trataram de dormir o mais rápido que puderam.

30ª parte: uma festa de amor dentro água
Logo ao raiar da manhã, após comerem algumas frutas que tinham na oca, foram os três para o riacho, exatamente para aquela curva generosa em que a água, extremamente límpida e transparente, se espalhava numa pequena praia de águas sempre mais calmas e mais mornas.

Saltaram todos para dentro  e, como sempre faziam, nadaram, pularam, jogaram água uns nos outros, riram e se divertiram por um bom tempo. Sábia, Bartira prolongava o brinquedo, porque queria os outros dois muito à vontade e muito relaxados, para levá-los ao outro modo de brincar que tinha em mente. Com tranquilidade e agrado ela observou que João Ramalho já dirigia a Irani olhares mais interessados, com evidente admiração pela beleza da moça. Pronto, decidiu ela, estava na hora!

Subitamente Bartira saltou sobre João e envolveu-o com os braços, começando a beijá-lo. A seguir conferiu com a mão no alvo certo o resultado que sabia inevitável: o homem estava novamente em brasa, pronto para revidar ao ataque, excitadíssimo. Fez menção então de encaixar-se nele, abrindo bem as pernas sob a água. Quando João esperava sentir a maciez interna de Bartira, ela fez um movimento muito rápido e puxou Irani para seu lugar.

E a maciez que João Ramalho, no instante seguinte, sentiu foi de sua nova mulher abrindo-se inteiramente para ele, enquanto ela se abraçava ao pescoço dele e o cobria de beijos intensos e famintos. João ainda olhou para Bartira, ali ao lado deles, e viu que ela lhe sorria com ternura e aprovação. Então não teve mais que se conter, entregou-se. E quando, instantes depois, sentiu-se esvair em gozo, foi dentro de Irani que sua semente ficou pela primeira vez na vida deles.

O casamento estava consumado. Bartira então lhes disse para saírem d’água e voltarem para cima das peles, dentro da oca. E explicou:

– Aproveitem bem este maravilhoso primeiro dia. Brinquem bastante, conversem muito, se conheçam mais. Eu vou visitar meus pais em Inhapuambuçu. Só volto no fim do dia, a casa é toda só de vocês. Só que tem uma coisa: quando eu voltar, eu vou estar com muita fome. Aquela fome, entendeu, João? Então esta noite vais ter que ser capaz de brincar com nós duas ao mesmo tempo. Esta noite e todas as outras noites, daqui pra frente. Quero ver se aguentas duas guaianases em fogo em cima das tuas peles, seu peró frouxo!

E saiu esplêndida da água, filetes brilhantes a escorrer de seus cabelos negros e longos. Amando-a mais do que nunca, João Ramalho ficou a contemplar-lhe a nova curvatura da cintura e das ancas, sua Bartira mostrando cada vez mais a presença do André tão esperado. Por alguma coisa misteriosa dos guaianases, tanto ela, quanto Tibiriçá e Potira, sua esposa, não tinham a menor dúvida em garantir que a primeira criança de Bartira seria um menino.

Quando sua esposa (sua primeira esposa, corrigiu-se, ao mesmo tempo em que se completava: primeira e única no meu coração, por todo o sempre!) sumiu de vista, João Ramalho sentiu a pressão dos braços de Iraci enlaçando-o e as mãos dela a percorrerem seu corpo pressurosas. Não teve condições de fazer como Bartira dissera. Não foram para as peles dentro da oca. Ali mesmo, ainda dentro do rio, viveram as primeiras horas de sua lua-de-mel. A festa aconteceu dentro d’água!

Quando enfim saíram do rio, João estava exausto. Irani, como se fosse Bartira, conduziu-o pela mão para dentro da oca, fê-lo deitar-se na cama de peles e disse que ia caminhar um pouco lá fora. Recomendou-lhe que dormisse bastante, o que o rapaz achou uma ideia simplesmente maravilhosa. Adormeceu imediatamente e teve sonhos intranqüilos, em que se via fracassado perante as duas indiazinhas, dando vexame, incapaz para o amor sobre as peles, enquanto elas reclamavam e debochavam dele. “O peró é um frouxo, o peró é um frouxo”, proclamava Irani para toda a tribo em Inhapuambuçu. “Prefiro voltar para meu pai em Jurubatuba, esse marido é fraco demais!”

Estava vexado realmente quando acordou. Mas percebeu que despertava por causa do odor magnífico de peixe assando nas brasas. Levantou, saiu da oca, viu o sol alto no meio do céu. Ali fora, Irani tinha preparado uma fogueira e terminava de assar um enorme peixe. Admirado, João Ramalho fez um sinal de interrogação para sua nova mulher. Antes que ele abrisse a boca para falar, a moça apontou para o arco que ela havia apanhado dentro da oca, o presente de Tibiriçá para João:

– Peguei o arco e as flechas e fui pescar. Tive que andar bastante até achar um lugar com peixes grandes. Mas valeu a pena, flechei dois, este aqui e outro que vou preparar especialmente para Bartira e a gente come de noite, quando ela chegar. Já está ali, secando no calor das brasas, dentro das folhas, mas só vou terminar de assar de noite.

O português assobiou admirado:

– Ora, menina, com que então tu sabes usar arco e flecha tão bem assim?

– Bem? Só pegando peixe? Ora, João, eu sei usar as armas todas e muito bem. Sei usar arco, flecha e lança na guerra também. E tenho muita pontaria. Quer ver?

Apanhou o arco, armando-o com uma flecha. Mirou um tronco de palmeira jovem, ainda macio, à distância de uns cinquenta passos, e acertou-o no meio com uma seta. Depois colocou mais uma no arco e acertou novamente o mesmo tronco, quase no mesmo lugar. E repetiu a operação uma terceira vez.

– Irani, Irani! Pois tu atiras muito melhor que eu, criatura!

– Ora, João só aprendeu agora, não tem experiência ainda. Eu atiro desde criancinha. Mas pode deixar, eu ajudo meu marido a aprender. Quer treinar comigo?

– Quero, sim. Mas só depois que devorar esse teu peixe que cheira tão bem. Estou com uma fome de bicho fera!

Dez minutos depois o peixe tinha desaparecido quase por inteiro dentro da barriga do português. Iraci comeu uns poucos pedaços e foi buscar as frutas que havia recolhido na mata nessa manhã: araçás dourados, guabirobas sumarentas, pitangas vermelhinhas e, delícia das delícias para o português encantado com a novidade, um enorme monte de jabuticabas escuras e brilhosas, com um sabor divino que ele não conhecia.

–  João deu sorte. É época de jabuticaba. Isso só dá uma vez por ano e por muito pouco tempo. A árvore fica linda, preciso levar João pra ver, tem uma aqui perto. Vamos?

– Sim, minha menina. Até que uma boa caminhada cai bem depois de tudo o que eu comi!

E saíram de mãos dadas para a mata próxima.

Quase ao cair da noite, Bartira estava de volta. Trazia uma alegria e uma tristeza para dividir com João. A alegria era vinda da certeza que seu João e sua Irani eram agora bons amigos e bons amantes – marido e mulher, como convinha. A tristeza ela não iria dividir nesta noite, a primeira noite de núpcias a três, noite muito importante para ser estragada com qualquer tristeza. Esperaria para amanhã. Então contaria para João sobre o destino que aguardava Apinajé.

Mas esta noite, não. Queria apenas comemorar com muito emoção e com muito prazer a chegada de Irani a seu ninho de amor. Ali estava sendo intensamente feliz com seu peró, ali haveria de ser ainda mais feliz agora que sua prima querida estava ali para dividir tudo com eles. Ah, a vida era tão boa com ela! Como se não bastasse ter o amor do homem mais desejado por todas as mulheres de Piratininga, do homem forte e valente prestigiado e admirado por seu pai Tibiriçá e por todos os homens da aldeia, ainda recebia a graça de ter a doce Irani como parceira de vida e amor. Quanta felicidade!...

Irani, toda feliz e sorridente, apresentou a Bartira o peixe que pescara e prepara especialmente para ela, bem do jeito que sabia ser o favorito da prima. Beijaram-se sorridentes e comeram a iguaria com gestos delicados, contrastantes com as afoitas bocadas do português. Depois apagaram a tocha e foram para a grande cama de peles.

E naquela noite Bartira deixou que toda a felicidade enorme que sentia se irradiasse para seus companheiros de leito, enquanto usava suas técnicas intuitivas enlouquecedoras para deixar o seu peró em condições de aplacar a apetite de duas adolescentes guaianases famintas de amor.

Combinou uma estratégia com sua prima e as duas começaram a provocar o marido ao mesmo tempo, esfregando-se nele e tocando-o a todo instante. Mas quando ele, excitadíssimo, procurava abraçar uma delas para definir o ataque, esta se evadia e vinha a outra colocar-se em seu lugar. Fizeram esse jogo de agarra-solta, de esconde-esconde, até que o português estivesse literalmente enlouquecido de desejo. Por fim Bartira deixou-se capturar e logo a seguir o mesmo aconteceu com Irani.

Feliz e exausto, João Ramalho honrara as calças que um dia usara e que há muito tempo não usava mais, agora que, sendo um guaianá ele também, andava sempre nu. Graças aos céus, o fracasso com que sonhara não aconteceu. E ele pôde então adormecer tranquilo entre suas princesas, suas duas jovens rainhas, porque agora tinha uma certeza: Ela, Bartira, a sábia e infalível Bartira, sempre saberia o que fazer para deixá-lo em ponto de bala. Não precisava mais temer o fracasso, bastaria que fizesse sempre como sua esposa do coração lhe indicasse.

Sim, Piratininga era o Paraíso e Bartira era o seu grande anjo.


CONTINUA

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