MILTON
MACIEL (interrompida há um mês por motivos de saúde do autor, a série retorna hoje)
Fim da 27ª
parte:
– Pois, Jamari, vocês me deixam perplexo. Espere, lhe
suplico, que eu converse com minha Bartira primeiro. Depois lhe dou uma
resposta.
– Muito bem, João. Mas não demore, sim. Irani está
nervosa esperando por ela e nosso pai Caiubi tem certeza que João não vai
recusar essa honra de entrar para nossa família e ser aliado de Jurubatuba.
E, com o sorriso bonachão e amigo de sempre, foi
embora para Jurubatuba, acalmar sua irmãzinha que esperava pelas novidades.
28ª parte: Uma
festa inesperada
Quando, soube
que Bartira estava grávida, Tibiriçá foi tomado de um impressionante
entusiasmo. Tinha vários netos de outros filhos e filhas seus, mas este, o
primeiro de Bartira, era filho de peró! E de um peró ilustre, aquela que Acauã,
o pajé que nunca errava, havia afirmado que seria no futuro o grande chefe do
planalto de Piratininga.
Foi por
iniciativa do cacique Tibiriçá que João Ramalho deu a seus filhos somente nomes
portugueses. Sempre mencionando a profecia de Acauã, o sogro do peró disse
acreditar piamente que os seus descendentes, através de João Ramalho, haveriam
de dominar toda aquela terra. Por isso, por coerência, achava que os seus netos
filhos de Bartira e João deviam ser tratados como perós desde o início. E
voltou a dizer que Acauã afirmara que ele mesmo, Tibiriçá, ainda haveria de ter
nome e importância de chefe peró.
Bartira
concordou com seu pai, de modo que João Ramalho escolheu para seu primeiro
filho com Bartira o nome de André. Naquele momento ele não poderia imaginar
que, somente com Bartira, ele teria um enorme número de outros filhos, aos
viriam a ser dados outros tantos nomes portugueses:
A alegria de
Tibiriçá pelo futuro nascimento de André foi tão grande que ele resolveu
organizar a maior festa de comemoração de todos os tempos, convidando membros
de todas as aldeias do planalto e do litoral que tivessem boas relações com os
guaianases. Bartira, tomada de idêntico entusiasmo, lembrou-se de outro grande
acontecimento a ser comemorado junto. Conversando com o pai e o marido, ela
disse:
– Podemos
aproveitar a grande festa de André e celebrar também o casamento de João com
Irani. Duas grandes alegrias para nós, tem mesmo que comemorar.
João Ramalho,
que tinha mencionado o pedido de Jamari e Caiubi muito rapidamente a Bartira,
ficou surpreso com a postura desta:
– Mas, meu amor, tu falas como se isso já fosse
uma coisa certa e assente. Eu não tenho certeza se...
– Ora, meu
genro, esse pedido não é coisa que você possa recusar. Ter Caiubi e os de
Jurubatuba como aliados para sempre é uma grande coisa para um futuro chefe
como você. Além disso, a menina é bonita e é amiga de Bartira. E Bartira quer
muito que ela vá viver com vocês.
– Mas faltam
ainda tantas luas para que André venha a nascer...
– E isso é muito
bom, dá tempo de preparar a grande festa. E de convidar todo mundo.
Bartira
completou:
– Só que,
enquanto isso, enquanto André não chega, Irani já vai viver com a gente na oca.
Depois a gente aproveita a festa só para comemorar o casamento, mas ele já vai
existir desde agora. Que lhe parece, pai?
– Ora, pois está
mais do que certo. Por que a pobre da moça teria que esperar? Faça isso mesmo,
minha filha, mande avisar sua prima para mudar hoje mesmo para a casa de vocês.
E você, João, se prepare para valer por dois homens, que a luta vai ser grande
na rede e nas peles. Não sei se um peró aguenta!
E o morubixaba
de Inhapuambuçu caiu na gargalhada, no que foi secundado alegremente por sua
filha.
Já o português
ficou ali de queixo caído. Acabavam de decidir, sua esposa e seu sogro, que ele
iria tomar mais uma esposa nesse mesmo dia!... E ele nem se lembrava de como
era essa Irani, apesar de já tê-la visto mais de uma vez, com certeza.
Enquanto
caminhava ao lado de Bartira, quando voltavam para sua casinha distante, João
Ramalho contemplava aquela moça com olhos de admiração e embevecimento. Tão
jovem, tão bonita, tão serena, tão generosa... Como podia existir no mundo uma
criatura assim?! E como podia ele ter tanta sorte de que ela o tivesse
escolhido e amado?
Quando avistaram
sua oca, Ramalho não se conteve e, parando de repente, abraçou-se ternamente a
sua mulher. Era tanta a emoção que sentia que não pôde evitar que lágrimas lhe
subissem aos olhos, abundantes. Bartira percebeu que ele estremecia e passou a
beijá-lo suavemente no rosto, nas barbas, nos lábios, nos ombros, tratando de
acalmá-lo. Era bondosa demais para perguntar o que ele sentia, apenas se
dedicava a cobri-lo de carinho e esperar que ele falasse. Isso fez João
explodir por fim:
– Minha menina
adorada, minha mulher, minha vida: eu te adoro! És boa demais para mim, eu não
te mereço. É que eu não queria ter que casar com nenhuma outra mulher. É só a
ti que eu amo. Ajuda-me, por favor, não deixes que eu case também com tua prima
contra minha vontade.
Bartira
reconheceu na emoção e nas palavras de João a maior de todas a confissões de
amor. Sim, ela o ajudaria. Não a fugir ao casamento com Irani, mas, bem ao
contrário, a aceitar a nova esposa em sua vida, na vida deles dois, como uma
grande bênção e um presente dos céus. Pobre João, sempre vitimado pelo
pensamento horroroso dos brancos e dos seus padres! Tudo o que ela desejava,
nesse momento, era que João viesse a amar Irani com a mesma devoção e
sinceridade com que amava a filha de Tibiriçá.
Foi tangendo
João Ramalho pelos ombros, tal qual o fizera naquela maravilhosa tarde em que o
havia resgatado da praia com suas colegas. Ao entrarem em casa, a onda de calor
que ela sentia chegou ao máximo e ela lhe disse:
– Vem meu amor,
vamos para as peles, tua mulher está louca por ti, tua mulher está feliz demais
por teu amor, tua mulher te quer dentro dela já. Vem...
E jogou-se sobre
o leito de peles, os dois mais uma vez ardendo com fogo de tora, com fogo de
palha, com fogo de graveto, fogo infinito. O verdadeiro fogo completo do Amor!
Fizeram amor em
casa, estavam acesos e enlevados como nos primeiros dias, só que agora, João
percebia, era muito melhor, porque agora ele tinha a mais plena consciência de
como amava aquela mulher, que o que o fazia vibrar não era só o brincar, mas
era também o querer!
Depois de um
longo tempo, os dois correram para fora de mãos dadas e pularam no riacho
próximo. Banharam-se um ao outro e novamente explodiram fazendo amor. Até que
Bartira falou:
– Chega, João.
Assim não vai sobrar nada para Irani, coitada. Não esqueça que ela está para
chegar.
– Mas...Mas tem
que ser hoje?! Meu amor, por favor, eu nem conheço sua prima direito...
– Mas vai
conhecer e, por causa disso, vai amar Irani. Pode deixar, eu conheço Irani por
nós dois. Eu garanto. Ela é boa demais.
– Boa demais és
tu, meu anjo. Boa como ninguém pode ser neste mundo de Deus.
– João, deixa
esse teu Deus de castigos e proibições de lado! E, pelo amor que eu sei que
tens por mim, eu te peço: recebe Irani no teu coração, como recebeste a mim. E
assim nós três seremos muito, muito felizes. Nós quatro, quando André chegar e
tiver duas mães para cuidarem dele. Agora, vem, deixa que eu termine de te
lavar e te preparar para tuas novas núpcias.
CONTINUA
(uma explicação: caras leitoras e leitores, só hoje consegui condições de retomar o meu trabalho intelectual. Já faz um mês que eu não conseguia produzir nada novo, nem em prosa, nem em poesia; nem mesmo, como no caso deste "João Ramalho no Paraíso" em termos de revisão final. Explico: dia 29 de Setembro fui submetido a uma cirurgia complexa, uma artroplastia completa de quadril; ou seja, meu quadril esquerdo foi substituído por uma prótese de fêmur e de acetábulo. Virei um ciborg,
Só que o pós-operatório dessa cirurgia é simplesmente dantesco e a recuperação muito lenta e difícil. Por isso só hoje consegui um pouco de ânimo para voltar a revisar o João Ramalho e a postá-lo no blog e nas redes. Espero que consiga condições de fazê-lo doravante com assiduidade. Como disseram Vinicius e Chico, em "Samba de Orly": "Pede perdão/ pela duração desta/ temporada" Ou, como Chico reescreveu depois: "Pede perdão/ pela omissão/ um tanto forçada."
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