quarta-feira, 29 de outubro de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 28ª Parte 
MILTON MACIEL  (interrompida há um mês por motivos de saúde do autor, a série retorna hoje)

Fim da 27ª parte:
– Pois, Jamari, vocês me deixam perplexo. Espere, lhe suplico, que eu converse com minha Bartira primeiro. Depois lhe dou uma resposta.

– Muito bem, João. Mas não demore, sim. Irani está nervosa esperando por ela e nosso pai Caiubi tem certeza que João não vai recusar essa honra de entrar para nossa família e ser aliado de Jurubatuba.

E, com o sorriso bonachão e amigo de sempre, foi embora para Jurubatuba, acalmar sua irmãzinha que esperava pelas novidades.

28ª parte: Uma festa inesperada

Quando, soube que Bartira estava grávida, Tibiriçá foi tomado de um impressionante entusiasmo. Tinha vários netos de outros filhos e filhas seus, mas este, o primeiro de Bartira, era filho de peró! E de um peró ilustre, aquela que Acauã, o pajé que nunca errava, havia afirmado que seria no futuro o grande chefe do planalto de Piratininga.

Foi por iniciativa do cacique Tibiriçá que João Ramalho deu a seus filhos somente nomes portugueses. Sempre mencionando a profecia de Acauã, o sogro do peró disse acreditar piamente que os seus descendentes, através de João Ramalho, haveriam de dominar toda aquela terra. Por isso, por coerência, achava que os seus netos filhos de Bartira e João deviam ser tratados como perós desde o início. E voltou a dizer que Acauã afirmara que ele mesmo, Tibiriçá, ainda haveria de ter nome e importância de chefe peró.

Bartira concordou com seu pai, de modo que João Ramalho escolheu para seu primeiro filho com Bartira o nome de André. Naquele momento ele não poderia imaginar que, somente com Bartira, ele teria um enorme número de outros filhos, aos viriam a ser dados outros tantos nomes portugueses:

A alegria de Tibiriçá pelo futuro nascimento de André foi tão grande que ele resolveu organizar a maior festa de comemoração de todos os tempos, convidando membros de todas as aldeias do planalto e do litoral que tivessem boas relações com os guaianases. Bartira, tomada de idêntico entusiasmo, lembrou-se de outro grande acontecimento a ser comemorado junto. Conversando com o pai e o marido, ela disse:

– Podemos aproveitar a grande festa de André e celebrar também o casamento de João com Irani. Duas grandes alegrias para nós, tem mesmo que comemorar.

João Ramalho, que tinha mencionado o pedido de Jamari e Caiubi muito rapidamente a Bartira, ficou surpreso com a postura desta:

 – Mas, meu amor, tu falas como se isso já fosse uma coisa certa e assente. Eu não tenho certeza se...

– Ora, meu genro, esse pedido não é coisa que você possa recusar. Ter Caiubi e os de Jurubatuba como aliados para sempre é uma grande coisa para um futuro chefe como você. Além disso, a menina é bonita e é amiga de Bartira. E Bartira quer muito que ela vá viver com vocês.

– Mas faltam ainda tantas luas para que André venha a nascer...

– E isso é muito bom, dá tempo de preparar a grande festa. E de convidar todo mundo.

Bartira completou:

– Só que, enquanto isso, enquanto André não chega, Irani já vai viver com a gente na oca. Depois a gente aproveita a festa só para comemorar o casamento, mas ele já vai existir desde agora. Que lhe parece, pai?

– Ora, pois está mais do que certo. Por que a pobre da moça teria que esperar? Faça isso mesmo, minha filha, mande avisar sua prima para mudar hoje mesmo para a casa de vocês. E você, João, se prepare para valer por dois homens, que a luta vai ser grande na rede e nas peles. Não sei se um peró aguenta!

E o morubixaba de Inhapuambuçu caiu na gargalhada, no que foi secundado alegremente por sua filha.

Já o português ficou ali de queixo caído. Acabavam de decidir, sua esposa e seu sogro, que ele iria tomar mais uma esposa nesse mesmo dia!... E ele nem se lembrava de como era essa Irani, apesar de já tê-la visto mais de uma vez, com certeza.

Enquanto caminhava ao lado de Bartira, quando voltavam para sua casinha distante, João Ramalho contemplava aquela moça com olhos de admiração e embevecimento. Tão jovem, tão bonita, tão serena, tão generosa... Como podia existir no mundo uma criatura assim?! E como podia ele ter tanta sorte de que ela o tivesse escolhido e amado?

Quando avistaram sua oca, Ramalho não se conteve e, parando de repente, abraçou-se ternamente a sua mulher. Era tanta a emoção que sentia que não pôde evitar que lágrimas lhe subissem aos olhos, abundantes. Bartira percebeu que ele estremecia e passou a beijá-lo suavemente no rosto, nas barbas, nos lábios, nos ombros, tratando de acalmá-lo. Era bondosa demais para perguntar o que ele sentia, apenas se dedicava a cobri-lo de carinho e esperar que ele falasse. Isso fez João explodir por fim:

– Minha menina adorada, minha mulher, minha vida: eu te adoro! És boa demais para mim, eu não te mereço. É que eu não queria ter que casar com nenhuma outra mulher. É só a ti que eu amo. Ajuda-me, por favor, não deixes que eu case também com tua prima contra minha vontade.

Bartira reconheceu na emoção e nas palavras de João a maior de todas a confissões de amor. Sim, ela o ajudaria. Não a fugir ao casamento com Irani, mas, bem ao contrário, a aceitar a nova esposa em sua vida, na vida deles dois, como uma grande bênção e um presente dos céus. Pobre João, sempre vitimado pelo pensamento horroroso dos brancos e dos seus padres! Tudo o que ela desejava, nesse momento, era que João viesse a amar Irani com a mesma devoção e sinceridade com que amava a filha de Tibiriçá.

Foi tangendo João Ramalho pelos ombros, tal qual o fizera naquela maravilhosa tarde em que o havia resgatado da praia com suas colegas. Ao entrarem em casa, a onda de calor que ela sentia chegou ao máximo e ela lhe disse:

– Vem meu amor, vamos para as peles, tua mulher está louca por ti, tua mulher está feliz demais por teu amor, tua mulher te quer dentro dela já. Vem...

E jogou-se sobre o leito de peles, os dois mais uma vez ardendo com fogo de tora, com fogo de palha, com fogo de graveto, fogo infinito. O verdadeiro fogo completo do Amor!

Fizeram amor em casa, estavam acesos e enlevados como nos primeiros dias, só que agora, João percebia, era muito melhor, porque agora ele tinha a mais plena consciência de como amava aquela mulher, que o que o fazia vibrar não era só o brincar, mas era também o querer!
Depois de um longo tempo, os dois correram para fora de mãos dadas e pularam no riacho próximo. Banharam-se um ao outro e novamente explodiram fazendo amor. Até que Bartira falou:

– Chega, João. Assim não vai sobrar nada para Irani, coitada. Não esqueça que ela está para chegar.

– Mas...Mas tem que ser hoje?! Meu amor, por favor, eu nem conheço sua prima direito...

– Mas vai conhecer e, por causa disso, vai amar Irani. Pode deixar, eu conheço Irani por nós dois. Eu garanto. Ela é boa demais.

– Boa demais és tu, meu anjo. Boa como ninguém pode ser neste mundo de Deus.

– João, deixa esse teu Deus de castigos e proibições de lado! E, pelo amor que eu sei que tens por mim, eu te peço: recebe Irani no teu coração, como recebeste a mim. E assim nós três seremos muito, muito felizes. Nós quatro, quando André chegar e tiver duas mães para cuidarem dele. Agora, vem, deixa que eu termine de te lavar e te preparar para tuas novas núpcias.

CONTINUA
(uma explicação: caras leitoras e leitores, só hoje consegui condições de retomar o meu trabalho intelectual. Já faz um mês que eu não conseguia produzir nada novo, nem em prosa, nem em poesia; nem mesmo, como no caso deste "João Ramalho no Paraíso" em termos de revisão final. Explico: dia 29 de Setembro fui submetido a uma cirurgia complexa, uma artroplastia completa de quadril; ou seja, meu quadril esquerdo foi substituído por uma prótese de fêmur e de acetábulo. Virei um ciborg, 
Só que o pós-operatório dessa cirurgia é simplesmente dantesco e a recuperação muito lenta e difícil. Por isso só hoje consegui um pouco de ânimo para voltar a revisar o João Ramalho e a postá-lo no blog e nas redes. Espero que consiga condições de fazê-lo doravante com assiduidade. Como disseram Vinicius e Chico, em "Samba de Orly": "Pede perdão/ pela duração desta/ temporada" Ou, como Chico reescreveu depois: "Pede perdão/ pela omissão/ um tanto forçada."

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