quinta-feira, 18 de junho de 2020

ONOFRE E O VEGETARIANO   
 MILTON  MACIEL   

Pues nem le conto, vivente! O Onofre andava abichornado pelos canto,  más atropelado que cusco em procissão, más perdido que cego em tiroteio. Eu é que tirei ele dessa situação. Encontrei o índio velho no bolicho do Ademar faz dois dia e ele tava mesmo incomodado. Nem bem me viu, e antes mesmo que eu pudesse pedi uma canha, o turuna veio pra mim com essa pergunta isquisita:

 - Buenas, tchê! Me responde uma cosa: é verdade que existe vegetariano?

- Buenas. Que existe o quê?!...

- Vegetariano.

- Mas bá, tchê! Que que é isso, esse nome más estranho? Vegeta... o que?

- Ta-ri-a-no! Vegetariano. Tá com cera nos ovido?

- Bueno, isso eu não ouvi nunca. Que que é essa cosa?

- Pues foi o Nicanor que me garantiu que existe. Más eu não acredito.

- E por quê?

- Bueno, ele veve pra cima e pra baxo, tu sabe como é. O índio velho não tem paradero, não isquenta banco, viaja más que tropero dos tempo antigo, dá más volta que bolacha em boca de velho desdentado. Más agora, quando ele me veio com essa do tal vegetariano, eu fiquei foi mui brabo com o desgraçado. Fiquei foi com vontade de le dá uns planchaço com o facão. Más ele me garantiu que viu gente assim numa das viage dele...

- E viage pra donde?

 - Pues foi lá pras estranja, prum lugar longe demás, um país de nome Curitiba, deve ficar a miles e miles de léguas daqui da frontera, de Santana do Livramento.

- Curitiba? Nunca ouvi falá. Vai vê nem existe, é só invenção desse farolero, tá só fazendo farol.

- Bueno, olha que tu pode tá com a razão. Esse Nicanor é mesmo mui farolero, veve contando umas história mui sem pé nem cabeça, a maior parte deve sê mesmo mentira. Foi como eu respondi pra ele:

- Ah, pára Nicanor! Tu ta atochando, contando vantage. Más nunca que um índio assim pode de existí!

E o Onofre continuou, fulo de raiva:

- Mas ele me garantiu, me jurô pelo que hay de más sagrado e no fim casamo uma pelega de mil numa aposta. Ele diz que existe, eu digo que não existe, ele diz que prova, eu digo que não prova, que é mentira dele. É por isso que to perguntando pra todo mundo que vejo, se eles acredita que existe o tal de vegetariano.

- Mas cumpadre, me diga o que é esse tal de bicho isquisito, com esse nome de xarope pra tosse.

- Bueno, agora tu é que não vai acreditá. Sabe o que o cabortero do Nicanor disse que é o tal de vegetariano?

- Desembucha.

- Pues é um índio isquisito que não come carne nunca! E não come carne porque não qué!

- Ah, más manda esse falsero contá otra! Más é claro que não pode tê home assim. Imagina, não comê carne porque não qué! É atochada dele, pode tê certeza.

- Pues não lhe disse! É claro que o patife tá mentindo. Diz que o tal do isquisito não come carne porque não qué, tá sentindo o cheirinho da costela na brasa e nem enche a boca de água.  Não fica com vontade de trinchá os dente numa chuleta, nuns miúdo de boi. Más diz que nem churrasco de ovelha o vivente come, por aí tu já vê.

- Barbaridade!

- Agora olha o pior: o índio não come carne porque não qué, não é que não possa comprá um bom quarto pra assá,  uma costela gorda pra fazê no fogo de chão. Pode comprá, tem a plata, mas não compra porque não qué!

- Mas entonces o loco não come otras carne, uma galinha que seja, cosa más sem graça, o então um tatu mulita o uma perdiz do banhado?

- Pues que nada! Diz que não come nada que seja de carne, nem um mondongo. Nem mesmo pexe, cosa más sem graça também.

- Que não come o que! Não existe! O então, se o Nicanor acha que viu, o índio tava era tomando o pelo dele, disse que não comia más foi comê iscondido.

- Bueno, quero vê é ele prová essa barbaridade. Não prova!

- Não prova!

- Pues não hay esse tipo de gente aqui em Santana. Nem em Dom Pedrito, nem em Bagé, que conheço algo das terra de fora aqui no Brasil. Também a castelhanada não tem desse pessoal. Nem em Rivera, nem em Salto, nem em Mata Ojo Chico, que é o que conheço do Uruguai, não hay gente estranha assim. E sabe o Juan Pedro, o esquilador, aquele de Tacuarembó, que é uruguaio? Pues também ele nunca ouviu falá de vegetariano no Uruguai.

- Entonces le garanto também eu, cumpadre. Sossega. Não hay vegetariano!

- Bueno, tu me convenceu. Não hay! E vamo tomá uma canha pra isquecê essa bobage. Como vai a cumadre?    (MM)

terça-feira, 16 de junho de 2020

O DESCOBRIMENTO DO BRASIL   
MILTON MACIEL  

Dizem que um certo Cabral,
Movido pela intuição,
Jogou sua embarcação
Pro lado oposto do oceano.
Só que esse era seu plano
Desde o início da empreitada.
Ora, que intuição, que nada:
Tudo coisa planejada.
Por uma mente genial!

Então pra não dar na vista,
Pra não parecer conquista,
Mandou contar em Lisboa
Que perderam a rota boa
Por culpa da calmaria;
Quando o que ele queria
Era aportar no Brasil
No final do mês de Abril.
Já que o esperto Cabral
Pensava que o Carnaval
Era então que acontecia
Lá pras bandas da Bahia.

Pois o nosso bom Cabral,
Que era um tanto tarado,
Sabia, que em carnaval,
Todo mundo anda pelado.
Errou quanto à data o gajo,
Mas acertou quanto ao trajo,
E o que viu, melhor ainda:
Um monte de índia linda
Com as coisas todas de fora.
Pensou: Não vou mais embora!

Desceu da nau abrasado,
Soltando fogo das ventas.
Só não gostou, por seu lado,
De coisas que achou nojentas:
Os  índios também pelados,
Com os troços pendurados,
Como a coisa mais normal.

Ta bom, já que é carnaval,
Melhor aceitar contente
O costume dessa gente,
Pensou o astuto Cabral.
E Cabral, contente, aceita
Pois o que espera, confiante,
É a primeira índia que deita,
No mato com o Comandante.

Fartaram-se os marinheiros,
Foram pros matos, faceiros,
Com as índias a rebolar.
Mas para os índios, coitados,
Nenhuma mulher à vista
Da parte dos lusitanos.
Ah, comédia dos enganos!
Ainda que o índio insista,
E espere a retribuição,
Ficaram todos na mão:
Mulher branca não havia,
Pra retribuir na Bahia
Aquilo que as índias davam.

Por isso, desde o começo,
Desde o primeiro tropeço,
Da nossa diplomacia
(Só o nosso lado cedia!),
Faz-se injustiça profunda,
Pois nada é mais verdadeiro:
Entra com o cravo o estrangeiro
E o Brasil entra com a bunda.

sábado, 13 de junho de 2020


ABANDONADO!
MILTON MACIEL

Não adianta!  Tarde demais...

   Tarde demais. O escaler era uma pequena sombra que as ondas mostravam e escondiam caprichosamente, delineada contra o halo de luz fantasmagórica da noite oceânica. Tarde demais.

   Estava irremediavelmente abandonado naquele lugar. Uma ilha deserta, confirmara-lhe um dos marinheiros na viagem de vinda, enquanto remavam e tentavam chegar com o escaler à praia. Ali instalariam dois sinalizadores, alimentados por energia solar. Seu trabalho seria justamente o de instalar as placas fotovoltaicas e os acumuladores. Depois, ao cair da noite, ligaria os transmissores e faria os contatos com o navio e com as sondas.

  Os homens passaram o dia fazendo escavações, erguendo os postes das torres, fixando os painéis solares e as caixarias de instrumentação. Os sinalizadores foram instalados a 500 metros um do outro. Ao final do dia, todo o trabalho estava concluído. Restava somente esperar a hora aprazada para começar os testes de contato. Vinte minutos antes ele havia feito os preparativos na primeira torre. Ligou todos os circuitos, fez as leituras de tensão e de forma de onda com os medidores portáteis. Tudo perfeito.

  Às 19 horas em ponto, como combinado, emitiu o primeiro sinal para o navio. A resposta veio imediata, com excelente qualidade de sinal. Pelo rádio portátil recebeu os cumprimentos do capitão. Agora era dirigir-se para a segunda torre, aquela que ficava numa pequena elevação já dentro da pequena capoeira de mata, afastada da praia. Dirigiu-se para lá sem problemas, a vegetação era rala e a lua complementava a luz de sua lanterna especial. Várias vezes percorrera a picada aberta pelos homens durante o dia, procurando memorizar cada detalhe do curto caminho de poucas centenas de metros entre as duas torres.

Os demais homens esperariam por ele na praia, para todos embarcarem nos escaleres e voltarem ao navio.

  O contato da segunda torre com o navio devia ser estabelecido às 20 horas. Por isso rumou calmamente para a torre dois, levando seu equipamento portátil e a grande lanterna. Bem antes das 20 horas já havia testado todos os circuitos e tudo funcionou a contento. Na hora exata, emitiu o sinal para o navio. De novo a resposta instantânea, o sinal límpido, a forma de onda perfeita. Ligou o rádio e se comunicou com o capitão. Enquanto aguardava, pareceu-lhe ouvir um estranho apito na praia. Logo ouviu o que lhe pareceu serem gritos excitadas dos marinheiros, mas tratou de se concentrar no que lhe dizia o capitão. E que parecia a coisa mais sem sentido do mundo.

   – Olhe, Melles, da minha parte é a garrafa de uísque. Tem água e comida para um bom tempo nas caixas que ficam, até você aprender a se virar sozinho. Mandei deixar todo o material das embalagens, vai ser útil, você vai ver. Você é um bom homem, Melles, acho uma sacanagem fazerem isso com você. Se eu pudesse, evitava. Mas... bom, então adeus. Boa sorte!

– Capitão! Capitão! Alô, alô, capitão! Alô! Capitão, que quer dizer essa coisa? Que negócio é esse de uísque, de embalagens? Que adeus, capitão?!

   Do outro lado nenhuma resposta. Mandou um sinal pela torre, aflito. Nenhuma resposta também. Então uma idéia passou-lhe rapidamente à consciência e ele deitou a correr em direção à praia, gritando para o pessoal que estaria à espera. Foi uma corrida terrível, errou o caminho na precipitação, perdeu-se da trilha, embrenhou-se em mato mais alto, caiu várias vezes no escuro, uma sensação de perigo e de pânico crescendo a cada metro, um suor frio a tomar conta do rosto e do corpo. Seria possível que...

  Sim, era possível sim! A horrível verdade surgiu ante seus olhos quando chegou a 50 metros da praia, desembocando da capoeira em um ponto já bem bem próximo da primeira torre. Não havia mais ninguém à sua espera e o escaler havia sumido. Com o coração aos pulos, Melles continuou correndo os últimos metros até tocar a água com os pés, enquanto firmava os olhos em direção ao mar. E aí lhe veio a confirmação monstruosa: oscilando a umas duas centenas de metros da orla, o escaler avançava firme na escuridão em direção ao navio. Abandonado!

– Não adianta! Tarde demais...

   Deixou-se cair ao chão. A água ia e vinha molhando-lhe corpo e roupas, a cabeça girava-lhe latejando numa dor insuportável. Abandonado... Mas... por quê?!

Correu para uma caixa, abriu-a, destampou a garrafa de uísque e bebeu no gargalo desesperadamente, até não aguentar mais. Em minutos começou a ver tudo girando e tombou pesadamente na areia.

Só acordou no outro dia à tarde, com uma ressaca terrível. E com fome, uma fome de cão. Lembrou-se, apesar da dor de cabeça persistente, que havia alimentos na grande caixa. Abriu um pacote de bolachas e, ao pegar e colocar na boca umas quatro delas ao mesmo tempo, viu um papel cair da embalagem. Era um bilhete, escrito a mão.

“Melles, a esta altura você já descobriu que te sacanearam, te deixaram na ilha pra morrer. Eu não pude fazer nada, os caras estão na minha cola, porque desconfiaram que eu tinha descoberto a trama e ia contar pra você. Eu estava encarregado de montar a caixa com as coisas que iam deixar para você – me disseram que era pra equipe toda da instalação, que tinha que ficar em terra por quatro dias, só que vão voltar no fim do dia e deixar você abandonado aí.  

Descobri que eles vinham pra me pegar e me escondi na despensa. Enquanto os caras me procuram em outras partes do navio, dá pra escrever este bilhete; vou botar num pacote de biscoitos.

Se você está lendo isto agora, então quer dizer que nós dois estamos ferrados. Provavelmente os caras já terão me executado, eu sei demais. E você estará sabendo que tem que racionar esta dose de comida e procurar alimento na ilha, por conta própria. Mas eu acho que vai ser difícil. Essa é uma ilhota quase sem vegetação e com muito pouca vida. Procurei por ela com as coordenadas, na hora em que desconfiei, e ela não consta nos mapas. Por isso é que foi escolhida. Está longe de qualquer rota de navegação.

Essa montagem de postes de sinalizadores para navegação é só despiste. Pra você; e pra a tripulação não desconfiar de nada.

Bem, Melles, agora vem a parte pior. Sabe o Ulrich, o dono do navio? Pois eu consegui pegar uma mensagem dele pro capitão, pelo satélite. E imprimi. Eu sou bom nisso, você sabe. Foi aí que eu fiquei com a pulga atrás da orelha. Eu tenho a mensagem aqui no bolso, olha só o que diz:

“Puggina, seu futuro, sua vida até, estão em suas mãos. Ou faz o que combinamos, ou dança. Você tem as coordenadas da ilhota, é só deixar o cara lá. A Amanda não quer ficar com a morte violenta do sujeito nas costas, me exigiu que deixem ele com vida na ilha, esse negócio todo foi ideia dela. Que ele morra de morte “natural” é a exigência dela. Assim diz que não fica com peso na consciência. Mulher é tudo igual, mesmo na hora de apagar um sujeito fica com essas frescuras. Por mim eu tinha passado fogo no idiota aqui mesmo na cidade, há muito tempo. Mas você sabe como eu gosto dessa gata, a gente está enrolado faz mais de dois anos e o corno nunca percebeu. Só você está sabendo de tudo. E responde, você sabe, com sua vida por qualquer indiscrição. Pois agora chegou a hora. Faça o que tem que fazer e me comprove, aí o depósito do saldo entra na sua conta no mesmo dia. Seja macho!”

Pois é, Melles, eu fiquei sabendo que eles pretendiam deixar um cara na ilhota pra... morrer. Só não sabia quem, vão sair doze caras do navio nos escaleres com os postes e materiais. Nunca me passou pela cabeça que pudesse ser você. Era um cara que tinha uma mulher de nome Amanda; e essa vagabunda era amante do Ulrich e tinha tido essa ideia satânica pra liquidar o marido. Como é que eu ia descobrir qual dos doze desembarcados na ilha tinha essa filha da puta como esposa? Fiquei num desespero total: eu sabia que um dos doze não ia voltar e não podia fazer nada, porque os bandidos do Capitão Puggina iam me apagar na certa. Não podia avisar o cara, não só pelo risco à minha vida, mas porque não sabia quem ele era.

Foi quando lembrei de xeretar os registros de embarcados e marinheiros. Tive que hackear isso da sala de comunicação, levou um tempo enorme até conseguir com o meu notebook. Quando cheguei na sua ficha, estava lá o nome da sua mulher. Era a única Amanda nas fichas dos doze que iam ser desembarcados na ilha naquele dia. Aí eu soube que era você, Melles. Tentei bolar um jeito de te avisar, mas interceptei outra ligação para o Puggina, essa interna, o cara da comunicação dizendo que tinha descoberto que eu havia entrado na conta dele e hackeado alguma coisa. E ouvi o Puggina mandando os caras me caçarem.

Então vim me esconder aqui na despensa, onde escrevo este bilhete, que vou botar dentro da caixa que sei agora que vai para você, ordens do Puggina. Vou me mandar daqui em seguida, porque, se os caras me pegarem aqui, podem suspeitar que eu possa ter feito algo com a caixa de mantimentos.

Mas os caras vão me pegar, é certo. E aí, quando você ler esta mensagem, é bem possível que eu já tenha virado comida pra peixe.

Agora a última novidade pra você Melles. Vá abrindo todas as embalagens de comida. Numa delas você vai encontrar uma bateria extra pra celular, bem carregada. Numa outra, você vai achar O MEU CELULAR via satélite. Como ele pegava bem aqui no navio, na certa vai pegar aí na ilha. E você ainda tem a reserva dos sistemas de baterias dos postes fotovoltaicos dos  sinalizadores, pode recarregar as baterias de celular muitas vezes. Você pode ter pouca comida, mas vai estar conectado, pode pedir socorro. E eu tenho certeza que você vai conseguir sair dessa.

Gostaria de ter tido tempo para virar seu amigo. Não deu, paciência. Mas desejo que você tenha melhor sorte do que eu.
Amadeo

Melles sentou na areia e chorou pela primeira vez. Amanda!

Amanda, a mulher da sua vida, sua paixão desde a faculdade, a mais linda de todas, a mais sensual também, um fogaréu na cama, juras e mais juras de amor eterno. Casamento, dois anos em Oxford, projetos de construção de casa, viagem pelo Mediterrâneo no navio de... Ulrich! Então a cosia vinha desde ali! Ou antes. Dois anos, dizia o bilhete. Dois anos de cornos reluzentes, os dois debochando dele e se espojando na cama infinitas vezes.

E agora isso, a coisa mais cruel; aquela degenerada havia planejado a morte dele. Sim, ela mandara matá-lo, pura e simplesmente. E com requintes estranhos, deixá-lo naquela ilha sem recursos, para que ele morresse “de morte natural” em poucos dias. Cadela!

Pois ela estava enganada. Todos os bandidos, ela, o amante, o capitão do navio, estavam enganados. Ele não haveria de morrer naquela ilha. Ia economizar ao máximo os mantimentos, comer o mínimo possível por dia para não sofrer inanição, água não lhe faltaria, tinha vadeado córregos para instalar os postes sinalizadores. Tinha energia elétrica à vontade, os panacas tinham-no municiado com painéis fotovoltaicos e baterias. Tinha as luzes dos sinalizadores, os sinais de rádio, os circuitos que podia alterar. Tinha também todas as suas ferramentas e medidores. E, o mais importante de tudo, tinha o celular por satélite e bateria suplementar, sabia muito bem como recarregá-las a partir do sistema fotovoltaico. Não, de maneira alguma ele estava isolado do resto mundo ali. Amadeo, talvez às custas de sua própria vida, tinha lhe dado uma chance de se salvar. Saberia aproveitá-la.

Sim, bastava não morrer de fome e podia ter tempo, tempo, muito tempo de vida, tempo para procurar entrar em comunicação com quem pudesse retirá-lo daquela armadilha. Teria que aprender a se alimentar de produtos da ilha e, pela lógica, peixes e moluscos deviam ser a opção natural. Vegetação havia suficiente para lhe proporcionar material para fazer um abrigo e para ter lenha para queimar e se aquecer. Para fazer armadilhas para peixes e animais pequenos. Viu aves voando em quantidade razoável, tentaria descobrir como capturar algumas, recolher ovos.

Mas o celular não teve contato possível, foi sua primeira grande decepção. O sinal era fraco demais. Lembrou, contudo, que o equipamento de radiotransmissão dos sinalizadores poderia ser alterado e suas pequenas antenas poderiam servir para reforço do sinal de satélite para o celular.

Trabalhou vários dias tentando diferentes alterações de circuitos num dos sinalizadores. No outro desmontou e remontou as lâmpadas sinalizadoras, voltando-as para o alto. Se algum avião passasse por lá alguma vez, acionaria as luzes piscantes de três cores.

Ao todo ficou dezesseis dias na ilha. No décimo-quinto conseguiu viabilizar a comunicação por celular, enfim. Conversou com seu irmão tenente da aeronáutica, única pessoa em quem poderia confiar agora. Este soubera dias antes, por ligação de uma chorosa e transtornada Amanda, sua cunhada, que ele, Melles, fora dado como desaparecido pelo comandante do navio; o testemunho de dois marinheiros confirmando que morrera na ilha, vítima de queda num lugar de acesso e resgate impossível. O mau tempo reinante obrigara o comandante Puggina a fazer a dolorosa opção de abandonar o corpo do engenheiro eletrônico na ilha ou colocar em risco toda a tripulação dos escaleres e até do navio. O irmão exultou:

– Cara, que maravilha! Você não morreu! Está mais vivo do que eu. Vou ligar em seguida pra Amanda e dar a boa notícia.

– Não! Não faça isso! Essa filha da puta mandou me matar, ela e o amante dela, o alemão Ulrich, você conhece, pagaram pro Capitão Puggina me abandonar na ilha pra morrer. Foi um cara da comunicação que descobriu e colocou este celular escondido nas minhas coisas, me contou tudo num bilhete. E, pelo que ele escreveu, é bem provável que os bandidos já tenham matado o coitado. Se esses desgraçados descobrem que eu ainda estou vivo, vão se mandar pra cá de qualquer jeito pra me apagar de vez.

Então relatou minuciosamente para o irmão tudo o que havia acontecido.

No dia seguinte chegou o resgate aéreo, via helicóptero.

Já em sua ciidade, da casa do irmão, Melles começou a acionar seu plano de vingança. Investigando, soube que o navio de Ulrich, comandado por Puggina, entraria no porto no dia seguinte, terça-feira, no fim da tarde.

Então os irmãos acionaram Mueller, o maior hacker do Estado e formaram uma parceria com ele. O hacker entrou com facilidade nas contas de Ulrich, Puggina e Amanda – e-mails, redes sociais e contas bancárias. Mueller triangulou com uma conta nas Ilhas Virgens e exatamente às 5 da tarde da terça, zerou as contas bancárias de todos eles. O alemão Ulrich tinha uma verdadeira fortuna em dólares em outro paraíso fiscal. Puggina e Amanda também tinham, porém com valores muito mais baixos. Todos foram drenados instantaneamente. Daí o dinheiro circulou por mais quatro contas internacionais até tornar-se disponível para o trio de novos sócios: Melles, seu irmão e o hacker dividiram o butim em três partes iguais e em questão de minutos viraram novos ricos.

Faltava o mais importante para Melles agora. E isso precisava de gente muito mais pesada no jogo. Mas o que um monte de dinheiro não consegue? Ulrich, sem querer, pagou pelos homens e o armamento pesado que foram recepcionar Puggina na entrada do porto. E, naturalmente, pelo helicóptero que transportou todos eles, mais Melles, para a missão punitiva.

Sabiam, pela troca de e-mails e telefonemas hackeados, que Amanda e Ulrich iriam na lancha deste ao encontro do navio; certamente iam fazer uma comemoração a bordo da luxuosa lancha, quase um iate, os três patifes.

Eram exatamente 17:33 h quando a grande lancha encostou no navio e Puggina desceu, embarcando nela, sendo recebido com um grande abraço por Ulrich.  Mas antes que qualquer comemoração acontecesse, aquele estranho helicóptero preto desceu rapidamente sobre as embarcações. Três artilheiros apontaram, Melles gritou fogo e três mísseis de curto alcance partiram ao mesmo tempo em direção à lancha. O helicóptero, então, afastou-se a grande velocidade, subindo e desaparecendo atrás das montanhas da costa.

Lá embaixo, de dentro da fumaça preta que subia como nuvem, destroços de uma lancha totalmente destruída afundavam rapidamente. No navio, atingido apenas pela onda de choque, uma tripulação aturdida tentava entender o que tinha acontecido, por que razão a lancha do patrão tinha explodido daquele jeito absurdo. Na cela ainda, um faminto Amadeo esperava para saber o que Ulrich ia decidir sobre o seu destino.

Quando os relatos, pela tripulação, da existência de um misterioso helicóptero surgido momentos antes da explosão chegaram à terra, já a aeronave há muito voava tranquila para a fronteira. Acionada a aeronáutica, um estranho desencontro de ordens, jamais explicado, impediu a autorização de qualquer busca naquele dia. No outro, certamente, foi tarde demais.











                                                                                                                     

quarta-feira, 10 de junho de 2020


CONFISSÕES DO FIM DO MUNDO   
MILTON   MACIEL   

ME FERREI TODO! Reproduzo aqui, sem cortes,  minhas confissões em 20 de dezembro de 2012, quando acreditei que o mundo ia acabar no dia seguinte, conforme prometido por todas as profecias e PELO MEU GURU.

"Rio de janeiro, 20 de dezembro de 2012

"O mundo vai acabar amanhã, 21 de dezembro, só não sei a que hora local. Contudo, para não passar para o outro lado (pois eu acredito que exista um outro lado!) cheio de pecados, resolvi publicar aqui as minhas confissões, para poder transitar para lá de alma pura.

Para minha ex-sogra número 1 confesso: fui eu quem esvaziou os quatro pneus do seu carro naquela noite em 1999, na entrada do túnel Rebouças. E botei a culpa naqueles moleques, lembra? Que moleques? Ora, os que te assaltaram, não é?

Para minha primeira esposa confesso: Sim, eu traía você com aquela seria a minha segunda esposa. Você estava certa, mas eu sempre neguei.

Para minha segunda esposa confesso: Sim, eu traía você com aquela que seria a minha terceira esposa. Idem, idem.

Para minha terceira esposa, confesso: Sim, eu traía você com a minha primeira esposa, então já minha primeira ex. Idem, idem.

Para minha terceira esposa, confesso: Sim, eu acho você gorda! Gordaaaa! Gordíssima. Uma baleia. Mas eu minto, dizendo que não me importo. Bem, confesso que agora eu não me importo muito porque... Bom, sabe a sua priminha de Fortaleza, a Marilda, que está passando uma temporada conosco... Sim, sim: esta é mesmo mais uma confissão!...

Para o meu chefe confesso: Sim, eu tentei conquistar sua filha. Mas seu cunhado e sócio já estava na parada faz tempo, não deu jeito. Dê um aperto nele: se o seu cunhado também achar que o mundo acaba amanhã, ele confessa.

Para meu confessor, Padre Onésio, confesso: Perdão, Padre, porque pequei: sua “protegida” Maricotinha também me recebia nas noites de 4ª. feira, antes que o senhor chegasse.

Para minha ex-colega Altamira e para meu chefe confesso: Não, não foi Altamira quem soltou aquele terrível pum no elevador, naquela tarde fatídica com os cliente árabes, o que resultou em sua sumária demissão. Eu a acusei e todos acreditaram. Na verdade, o culpado fui eu!...

Para a minha seguradora confesso: Sabem o carro que deu perda total em Março passado e você me pagaram o valor de um novo? Pois bem, eu armei tudo e joguei o bicho contra o poste. Pulei antes, é claro. Não, não me machuquei, não se preocupem, treinei bastante antes, sabe como é.

Bom isso é que existe de mais leve. O resto é muito feio, muito mais feio mesmo, algo que até um cara de pau como eu tem vergonha de confessar de público. Mas isso tudo eu já confessei para o Padre Onésio ontem, na tarde de quarta-feira, antes de precedê-lo nos doces mistérios de Maricotinha. Coitado, acho que ele deve estar em choque até agora! Só não confessei nossa sociedade de responsabilidade limitada (justo a ele, que entra com a grana e o apartamento!), o que tenho a hombridade de fazer aqui e de público hoje. Desculpe, padre, se aballo sua reputação também.

Agora vou para casa, vou começar a rezar. Pela minha alma? Não, vou rezar para que de fato aconteça o fim do mundo amanhã.

Porque, se não acontecer a hecatombe universal, depois de todas as confissões que eu fiz aqui e ao Padre, eu estou é LASCADO!

Assinado: Ricardo Barbosa Cachoeira
(Sim, Ricardão para as íntimas, isso mesmo!)

CONFISSÕES DO FIM DO MUNDO - 2a. Parte: ME FERREI!!!
MILTON  MACIEL

Rio de Janeiro, 22 de desembro de 2012, o day after!

SIM! ME FERREI de verde e amarelo! Anteontem, acreditando piamente que o mundo ia acabar no 21 de Dezembro, eu publiquei, neste mesmo blog, as minhas "Confissões do Fim do Mundo". Pois é, dancei! A porcaria do mundo não acabou. E agora, como eu fico?

Com as minhas ex-mulheres não tem problema. Elas já estavam comigo pelas tampas e já não falam comigo há muito tempo. Com a minha sogra, idem, idem. Com a minha ex-colega Altamira, a do pum no elevador, idem, idem. Aliás, ela me odeia. Pensando bem, acho que todas essas mulheres aí acima me odeiam. Claro que isso é apenas uma demonstração de intolerância e incompreensão por parte delas. Afinal, não era pra tanto.

Quanto à gorda da minha atual esposa, ela disse que amanhã mesmo entra com os papéis de divórcio. Uma boa, porque a sobrinha dela, a gostosa da Marilda, está contando com isso, porque espera poder casar comigo. Essa minha futura ex é uma tia desalmada, pois mandou a pobrezinha da moça embora para Fortaleza, só porque andava rolando e ralando comigo em casa. 

Se não fosse eu intervir e arranjar uma vaguinha pra ela no apartamento da Odete, a ex do meu chefe, que volta e meia fazia uns extras comigo quando era casada com ele, a coitadinha tinha que voltar pra casa dos pais e eu perdia aquele piteuzinho.

Quanto ao meu chefe... Bom aí não tem como consertar. Abalou fundo! Mas também não tem problema, porque eu sou o único que sabe que ele se divorciou da Odete, não por causa das infidelidades dela, mas porque ele se apaixonou pelo Claudionor. Sim, é o fortão que hoje é guarda-costas dele. Claro, claro, ele trata muito bem as costas do chefe, desde que o chefe saiu do armário. Mas, como o chefe sabe que eu sei de tudo, foi o próprio Claudionor que me contou numa noite de porre homérico, o meu emprego está mais do que garantido. Aliás, agora que ele já sabe do resto que eu confessei, acho que vou pedir promoção e aumento. Por quê? Ora, porque agora ele já sabe que eu sou mau-caráter mesmo, então por que continuar dando uma de bom moço?

Vocês devem estar pensando agora é no Padre Onésio. Como é que fica a situação com ele, se eu confessei publicamente que também eu navego nas águas misteriosas de Maricotinha, a quem eu chamo carinhosamente de nossa mulinha. Por quê? Ora, pois não dizem que mulher de padre vira mula-sem-cabeça? 

Mas vejam, eu não sou egoísta, eu digo sempre nossa, não, minha mulinha. Reconheço assim os direitos societários do bom Padre Onésio. E sabem da maior? Descobri que o Padre também não é egoísta. Ele me telefonou ontem mesmo e fizemos um bom acordo de compartilhamento recíproco da nossa mulinha e seus mistérios. Ele sabe que eu, bem estimulado, torno-me incapaz de revelar os segredos inconfessáveis do meu confessor.

Desde que eu negue peremptoriamente, exige ele, essa parte da confissão que publiquei aqui ontem, confissão que todo mundo leu, é claro. Devo alegar que foi uma torpe vingança minha contra as enérgicas reprimendas que ele, como meu confessor, me fazia continuamente, opondo-se ao meu relacionamento extraconjugal com a moça Maricota, pois eu incorreria assim, pela primeira vez na vida, no imperdoável pecado do adultério.

Acho que vai colar, porque o padre tem fama de santo e eu de sem-vergonha. Desse jeito eu limpo a barra do padre e ele mantém aberta a barra do porto da doce Maricotinha pra mim, mantendo intactos todos os aportes financeiros dele, não me demandando nem mesmo uma ínfima parcela de uma possível, mais do que justa, participação pecuniária minha.

Padre Onésio é mesmo um santo!

Ah, é claro que consegui convencer a Marilda, a sobrinha gostosa da minha futura ex, que isso é tudo uma coisa que eu confessei só pra livrar a cara do Padre Onésio e que não tenho e nunca tive nada com a Maricotinha. E ela acreditou! Puxa vida, a Marildinha me decepciona assim: nunca pensei que ela fosse tão burrinha. Eta, menina crédula! Essa aí é capaz de acreditar até em deputado federal!  

Bem, considerando tudo, acho que não saio dessa palhaçada tão queimado assim. Agora o tal do guru, que andou fazendo as nossas cabeças e arrancando uma grana dos trouxas, esse deve de estar muito bem escondido agora, contando os seus metais. Ai, se eu te pego! Ai, se eu te pego!

Assinado: Ricardo Barbosa Cachoeira
(Sim, o Ricardão para as íntimas, isso mesmo!)


BAIXARIA x CULTURA e COMPETÊNCIA
MILTON MACIEL


Depois da baixaria da tal reunião ministerial de 22/4, decidi dar uma busca para ver se já tivemos governantes realmente de alto nível moral e cultural no Brasil. E a pesquisa me levou direto ao maior de todos eles, que governou o Brasil de 1840 a 1889 – 49 longos anos. O imperador Pedro II.

Meu Deus, ele gastou sozinho todo o nosso direito a governantes íntegros e geniais! Por isso a indigência que temos vivido nas últimas décadas. FHC distingue-se por não ter sido intelectualmente indigente. Mas só isso. Desculpem se posto um texto mais longo, mas é para a gente se deliciar com esses dados biográficos, tirados direto da Wikipedia e excertados aqui:

"Nasci para consagrar-me às letras e às ciências", comentou o
imperador em seu diário pessoal em 1862. Ele sempre teve prazer em ler e encontrou nos livros um refúgio para a sua posição. Os interesses de Pedro II eram diversos, e incluíam antropologia, geografia, geologia, medicina, direito, estudos religiosos, filosofia, pintura, escultura, teatro, música, química, poesia e tecnologia. No final de seu reinado, havia três livrarias em São Cristóvão contendo mais de 60.000 livros.

Sua paixão pela linguística o levou a dedicar-se, toda a sua vida, ao estudo de novas línguas, chegando a falar e escrever não só em português, mas também em latim, francês, alemão, inglês, italiano, espanhol, grego, árabe, hebraico, sânscrito, chinês, provençal e tupi.

Tornou-se o primeiro brasileiro fotógrafo quando adquiriu uma câmera de daguerreótipo em março de 1840. Criou um laboratório fotográfico em São Cristóvão e outro de química e física. Ele também construiu um observatório astronômico no paço.

A erudição do imperador surpreendeu Friedrich Nietzsche quando ambos se conheceram. Victor Hugo falou dele: "Senhor, és um grande cidadão, és o neto de Marco Aurélio" e Alexandre Herculano o chamou de um "príncipe cuja opinião geral o considera como o primeiro de sua era graças à sua mente dotada, e devido à sua constante aplicação desse dom para as ciências e cultura."

Tornou-se membro da Royal Society, da Academia de Ciências da Rússia, das Reais Academias de Ciências e Artes da Bélgica e da Sociedade Geográfica Americana. Em 1875 foi eleito membro da Académie des Sciences francesa.

Pedro II trocou cartas com cientistas, filósofos, músicos e outros intelectuais. Muitos de seus correspondentes se tornaram seus amigos, incluindo Richard Wagner, Louis Pasteur, Louis Agassiz, John Greenleaf Whittier, Michel Eugène Chevreul, Alexander Graham Bell, Henry Wadsworth Longfellow, Arthur de Gobineau, Frédéric Mistral, Alessandro Manzoni, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco e James Cooley Fletcher." (Wiki)

Vejam mais nas biografias, para saber do lado ético e da competência administrativa e política do nosso governante mais íntegro e eficiente de todos os tempos.

De fato, gente fina é OUTRA COISA!

sexta-feira, 5 de junho de 2020

SAUDOSISMO NO ANO 2048
MILTON MACIEL


Norteville, 15 de Janeiro de 2048. Caramba, hoje acordei esquisito. O dia todo com uma saudade, uma nostalgia de infância que não tem pé nem cabeça. Minha mente teima em voltar ao início do século, lá pelos anos 2019, 2020, quando eu era um molequinho de 9 anos e ainda existiam aqueles monstros de ferro que engoliam oceanos de petróleo e rodavam sobre rodas de borracha sobre o solo, engolfando-se em congestionamentos monstruosos. Algo que hoje só podemos ver em documentários de época. 

Aliás, o mais inconcebível é que esses veículos trogloditas tinham que ser manobrados por um ser humano (insano, não é?), o que resultava em incontáveis erros e acidentes fatais. Naquele tempo, é claro, ainda não existia o TAUA, o trânsito aéreo urbano automatizado.

Lembro que eu, como toda criança, tinha um daqueles negócios esquisitos da época, um tal de “telefone celular”, que a gente usava para se comunicar lendo, escrevendo e até falando. Sei que vocês vão ter dificuldade de entender do que estou tratando, mas emitam o verbete “telefone celular” e logo vão aparecer em suas mentes todos os multimodais dessa tema, inclusive vocês vão poder ter a exata experiência de usar um desses artefatos primitivos em suas mentes, basta seguir as instruções. É claro que vocês vão morrer de rir da tecnologia e da extrema dificuldade de inserir letras com as pontas dos dedos, como nosso avós faziam então.

No multimodal de imagens móveis, vocês vão inclusive ver como nossos antepassados passavam horas a fio magnetizados em massa às telas dessas carroças eletrônicas, dificultando a comunicação direta entre eles. Aliás, se alguém quiser ver algumas dessas peças fisicamente, aviso que podem encontrar e, pagando a taxa, inclusive pegar nas mãos e manipular alguns desses raros exemplares.

No Museu de Sambaqui, na seção Eletrônicos, há dois aparelhos da antiga marca Samsung. Você pode ir com um amigo ao museu e vocês podem passar pela experiência incrível de conversar através dessas máquinas rudimentares, tendo porém o cuidado de encostá-las nas orelhas antes. Depois vocês podem se dar o prazer indescritível de escrever usando as pontas dos dedos, é impagável. Bem, na verdade você vai ter que pagar, sim, mas vale a pena mesmo, custa 135 Yuans Novos.

Naquele tempo Norteville ainda não existia e eu vivia na parte que chamavam então de Joinville. Com o tempo, como todos sabem, essa parte foi se alastrando e se fundindo com outras em expansão ainda mais acelerada, como Araquari, Barra Velha, Barra do Sul, Garuva, Schroeder, Guaramirim e Jaraguá. Até mesmo São Francisco, que antes era uma ilha, com o atual bairro Mega Aterro virou parte da grande conurbação de Norteville, onde contamos agora com uma população de 6 600 000 habitantes.

A administração desse complexo, por incrível que pareça, é dezenas de vezes mais fácil, eficiente e honesta do que no tempo da antiga Joinville. O nosso governo central, em Shangai, nos dá extrema autonomia de gestão. 

E nosso Administrador Geral para a América do Sul, o benemérito Zhang Jiao, que prefere manter seu corpo nas Ilhas Virgens Brasileiras (antigas Britânicas), nos visita sempre, pelo menos uma vez por mês, por projeção iônica transversa. Inclusive essa sua projeção costuma devorar sempre dúzias e dúzias de bananas ouro, que considera “um verdadeiro néctar dos deuses”.

Ah, esqueci de dizer: quando vocês forem usar o tal de telefone celular dos antigos, para conversar entre si, não esqueçam de anular momentaneamente o emissor do lobo frontal do cérebro, senão vocês vão estar conversando da forma normal, pela telepatia orgânica. Não, vocês precisam escutar a voz do outro entrando pelo tímpano do ouvido, uma experiência inesquecível. E engraçadissima,vocês não vão parar de rir, é incrível pensar que as pessoas pudessem precisar dessas geringonças primitivas para se comunicar umas com as outras.