quinta-feira, 31 de janeiro de 2019


O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 9ª Parte
O DECLÍNIO DA LEITURA. E um pouco de história.
MILTON MACIEL

As pessoas leem cada vez menos. Nos Estados Unidos, o número de pessoas que leem por prazer declinou 32% entre 2004 e 2018. No Brasil, onde sofremos sofríveis estatísticas, não temos uma estimativa confiável. Mas, certamente o número não é menor que o norteamericano.

Aqui a leitura de livros é apenas a 10ª opção de lazer dos brasileiros, atrás de TV, celular, redes sociais, esportes, viagens, passeios, compras, etc. 44% da população não lê livros de tipo algum, 30% jamais compraram um livro na vida, nem para presentear ou por ordem da escola.

Contudo, tanto aqui como lá, a tragédia só não é maior porque acontece o crescimento orgânico das populações; em 2004 os EUA tinham 293 milhões de habitantes. Em 2018, chegaram a 328 milhões. Cresceram exatamente um Peru inteiro, 35 milhões a mais. Já o Brasil tinha 184 milhões em 2004 e chegou a 212 milhões em 2018. Crescemos um Chile e meio, 28 milhões a mais. E nosso PIB per capita cresceu nesse período de 3 623 para 10.800 dólares, 3 vezes mais! Menos, na verdade, se aplicarmos a correção inflacionária para o dólar de 2004. Mas, ainda assim algo mais que 2, 6 vezes.

Daí surgem as compensações: perdemos leitores para outros meios de entretenimento, mas ganhamos leitores pelo aumento orgânico da população e pelo aumento do PIB per capita do país, de forma que, no fim, entre mortos e feridos, salvam-se todos – exceto algumas redes de livrarias, algumas editoras, algumas livrarias independentes.

No Brasil tivemos, de 2004 a 2018, uma quase triplicação do PIB per capita, algo realmente extraordinário, mas que não mantem a mesma tendência de crescimento agora. Após uma queda durante os anos de recessão, o aumento tende a ficar, durante os anos de 2019, 2020 e 2021 muito discreto, mantendo-se na faixa entre os 11 e os 12 mil dólares, qualquer modesto aumento de PIB pulverizado pelo aumento proporcional da população.

Esse crescimento orgânico da população deve sofrer uma frenagem gradual. Durante os próximos 14 anos, devemos passar de 212 para 233 milhões de habitantes. E, em 2050, deveremos atingir nosso pico total de população, com 238 milhões. A partir daí, o número deve decrescer continuamente, atingindo 2100 com uma população igual ou menor que a de 2010, menos de 200 mil habitantes.

Olhando no curto prazo – estamos focando só em 2019 – tanto crescimento de PIB como de população serão modestos. Mas o encolhimento da leitura, não! Ele continuará. (Mas não fique assustado demais, no final da série, mostro que nossa solução existe e é única: chama-se LETRAMENTO, para um mercado que representa uma demanda reprimida gigantesca).

Continuará o encolhimento? Por quê? Porque vamos continuar enfrentando a concorrência de todos os outros meios de entretenimento e mesmo os de ensino. As telas, cada vez mais se prenunciam e confirmam como as grandes concorrentes da leitura em papel.

UM IMPRESCINDÍVEL MERGULHO NA HISTÓRIA, PARA GANHAR PERSPECTIVA:

No século 19, a maior parte do fluxo de informação e entretenimento vinha basicamente dos jornais. Este tipo de imprensa escrita reinava soberana. Grande parte dos romances era publicada como longas séries de capítulos em jornais, algumas chegando a durar mais de um ano. Com o tempo, os folhetins nos jornais evoluíram para o formato de revistas. As ilustrações ganharam vida e roteiros próprios e surgiram as importantíssimas histórias em quadrinhos e suas irmãs, as fotonovelas. Os livros continuavam sendo compostos em tipos móveis ou em linotipos, impressos em tipografias.

Ademais da poderosa e acessível mídia escrita, tínhamos a mais esparsa presença da nobre arte do circo e do teatro. Para a música, os trovadores, os seresteiros e os concertos.

Mais um pouco de século XX e chegou a ampla difusão da voz e da música gravadas: o disco de baquelite e os gramofones começaram a tornar a música eternizável. Já era possível levar-se o concerto para casa.

Em seguida, ganhamos o milagre do Rádio.

Pela primeira vez a imprensa escrita tinha um concorrente de peso. O rádiojornal, as entrevistas, as coberturas ao vivo, o radioteatro e as radionovelas. Agora você não precisava ler para informar-se aprender ou divertir-se. Bastava escutar. O ouvido entrou a concorrer com a visão. Pessoas liam textos roteirizados, dramatizavam alguns com músicas e sonoplastia e os livros passaram a entrar pelos ouvidos.

Peguei uma fase adiantada dessa revolução: na fazenda em Dom Pedrito ou no sítio em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, reinava, soberano, um rádio enorme, alimentado pelas baterias energizadas pelo “aéreo”, como era então chamado um catavento de modestas proporções.

Pelas ondas curtas cheias de estática e dos ruídos abusados das tempestades elétricas ou magnéticas, os adultos ouviam avidamente as notícias do Repórter Esso, a Voz do Brasil, as pregações e catilinárias dos seus políticos e os programas de humor, como o PRK30. Já as damas e meninas debulhavam-se em lágrimas com as radionovelas, como o ícone mexicano encenado aos microfones brasileiros em bom português: ”O direito de nascer”. E discutiam asperamente suas preferências por seus cantores e cantoras do rádio, nos antológicos programas de auditório e programas de calouros.

Houve afoitos que apregoaram que era o fim dos jornais e das revistas. Para que perder tempo lendo, se o rádio informava e divertia? Para que imaginar lendo, se você podia imaginar ouvindo, com múltiplas vozes, sons e melodias? Livro então, para quê? Ora bolas, havia o rádio agora.

Até que, em certo momento, começou o reinado das telas: inventaram a Televisão! Um Milagre maior do que o Rádio.

Ainda no seu começo, quando as transmissões só permitiam a reprodução em preto e branco, surgiram os novos afoitos apregoando o fim agora do rádio! A televisão, na verdade, era apenas o rádio com geração de imagens. A fotonovela virara radionovela; agora virava telenovela e teleteatro. Pronto: matava-se o teatro também. Nada sobreviveria ao novo império das telas. Ainda mais quando estas começaram a reproduzir, em seus grandes cinescópios e receptores valvulados, toda a gama de cores captadas pelas fantásticas câmaras dos estúdios e das reportagens externas.

Estão veio a segunda metade do século XX e acelerou tudo a uma velocidade inimaginável.

Os discos de áudio agora eram de plástico quase inquebrável, viraram os bolachões LP, com até 16 músicas num único disco. Capas artísticas, caitituagem, promoções, marketing pesado das gravadoras, um verdadeiro império. Pela outra ponta corria outra competidora, a gravação em fita. Em rolos enormes, depois os populares Gelloso italianos, enfim as fitas cassete. Mas, na ponta de lá, o bolachão começava a ser engolido pela gravação luminosa: surgiu o CD.

Mas o rádio não morreu. Reagiu graças a um invento maravilhoso, o transístor. O radião à válvula virou portátil, o revolucionário rádio-transístor. Miniaturizou-se cada vez mais, todo mundo podia andar com o seu na mão ou no bolso. Democratizou-se ao máximo, seu preço ficou irrisório, com isso a televisão não podia competir. E a televisão não matou o rádio!...

A gravação em fita entrou na mesma onda: miniaturizaram-se os aparelhinhos “cassete” e todo mundo passou a andar com um reprodutor de fitas K7 no bolso ou no cinto. Muitos desses aparelhos reuniram logo os dois meios prodigiosos: eram reprodutores de fita e eram rádios também.

Rádio, televisão, cassete, videocassete, DVD... e o pessoal lendo proporcionalmente menos (ainda volto, bem mais adiante, para explicar esse ‘proporcionalmente’).

Mas o transistor resolveu que não ia mais morar isolado, que ia viver em enormes condomínios eletrônicos chamados ‘circuitos integrados’. E a eletrônica deu o grande salto que faltava: chegou enfim a era do computador! Nada mais seria como antes.

A evolução foi rapidíssima e ainda antes do final do século surgiu a maravilha do computador pessoal, o PC, a preço finalmente acesssível.

E o reino mágico das telas? Ah, deu também seu grande salto quântico: saem de cena os mastodônticos cinescópios e entram em seu lugar as telas planas de cristal líquido. De todos os tamanhos possíveis: desde as minúsculas, que diziam as horas e as datas no topo dos relógios digitais de pulso, até as enormes telas dos televisores de mais de 60 polegadas diagonais, não esquecendo de mencionar que elas permitiram um outro milagre: o notebook. E o tablet. E, em 2007, o Kindle!

Nesse ínterim explodiu o outro grande milagre ciclópico: a Internet! Inventada antes, mas tornada realmente viável só no alvorecer do século 21, permitiu que chegássemos à revolução atual: o telefone celular inteligente, nosso computador de bolso de todos os dias e todas as horas, que atende pelo vaidoso nome de smartphone, nosso espertalhão.

O mundo das telas chega ao seu auge então. Bilhões de pessoas passam grande parte do seu dia em frente a elas. As telas, tornadas sensíveis ao toque, são o grande destino dos nosso olhos, das nossas atenções e das nossas emoções. Elas são jornal e revista, são rádio e televisão, são You Tube e Google, são Wikipédia e mídias sócias, são WhatsApp e Facebook. E são até... LIVROS!

Ah, sim elas agora permitem o maravilhoso fenômeno do livro eletrônico, o Ebook. E sua expressão máxima no momento: O KDP – Kindle Direct Publishing e o AMS – Amazon Marketing Services.

E eu que, piazito da campanha gaúcha, comecei ouvindo rádio com estática enquanto estudava meus livros de leitura da escola, tive o privilégio de acompanhar todos e cada um dos passos dessa epopeia, dessa extraordinária evolução.

Do rádio de meio metro de altura ao smartphone onde leio os jornais, as revistas, as pesquisas e os livros – centenas de livros no meu app da Kindle, onde as pessoas também podem ler hoje a primeira dezena dos meus próprios livros publicados como Ebooks pela Amazon em todo o mundo; e também nos apps da Kobo e da Google.

Eu acompanhei tudo isso. Eu!... Acho isso fenomenal. E me considero um tremendo de um privilegiado.

Molecão, tomei gosto pela química, que haveria de ser minha profissão depois, mas apaixonei-me também pela eletrônica. Tinha 16 anos quando montei meu primeiro amplificador e meu primeiro rádio. Eram a válvula ainda, saída em push-pull, válvulas EL 84.

(Caramba, não sinto saudade, mas sim uma lembrança agradável, enternecedora: foi uma emoção quase indescritível quando liguei aquele toca-discos ao meu primeiro amplificador e o estreei. Ele funcionou de primeira! Com a sexta sinfonia de Beethoven, a Pastoral,.

Quando adulto, ainda na faculdade, aliei minhas duas paixões: a química analítica e a eletrônica. E me tornei pesquisador, desenvolvedor e por fim fabricante de aparelhos eletrônicos para análise química. Por isso pude ter o privilégio de acompanhar a evolução dos circuitos integrados, dos computadores e do mundo das telas como um insider, desenvolvendo, montando e testando circuitos.

Em outra palavras, apesar de ser um baby boomer, não me fossilizei.

Meu caso de amor com o livro de papel. E o Ebook?

Tornado escritor no final do século passado, virei também editor e publicador (produção gráfica própria) de livros de papel. Fui fundo. Aprendi a produzir todas as etapas: da diagramação do texto à produção da arte da capa, da impressão à costura de cadernos, da colagem à refila e à colocação da capa. Fui adiante e aprendi a fazer pessoalmente capas duras e sobrecapas, colocação de cabeços e douração. Ou seja, a doce arte da encadernação.

Sou capaz de fazer, com minhas próprias mãos, um livro em brochura ou encadernado do princípio ao fim, começando ao criá-lo e simultaneamente escrevê-lo já pré-formatado para impressão em cadernos e terminando no momento glorioso de dobrar a sobrecapa sobre a capa dura da edição encadernada. Com aparência e acabamento rigorosamente profissionais.

Mais que um escritor e editor, vejo-me como um gráfico. Aliás, esse foi o meu terceiro negócio na vida. O primeiro tenho-o até hoje, é permanente: sou professor. Comecei aos 14 como professor particular de matemática e nunca mais parei. Aos 17 comecei a montar intercomunicadores para vender. Ganhei um dinheirinho e convenci minha mãe viúva e colocar o que tinha disponível para comprarmos metade de uma gráfica. Acabei casando com a filha do meu sócio.

Era uma tipografia. Uma delícia compor usando caixas de tipos, componedor, espaçadores, barras, clichês e chapas. Outra delícia colocar e retirar manualmente papel na máquina impressora simples, ou ajustar a impressora automática Grafopress tcheca – a Heidelberg alemã era cara demais para nós.

Depois, na faculdade, veio a fase do negócio de aparelhos científicos. Mas a gráfica nunca mais saiu de dentro da minha pele. Quando, em 1992, publiquei meu primeiro livro, adivinhe quem o imprimiu? Pois é, eu mesmo. Mas a tecnologia agora era outra, a máquina era offset. Uma pequena Ricoh japonesa de mesa, que comprei muito usada. Com direito a ter um impressor da firma vendedora a meu dispor todas as noites, me ensinando.

Eu escrevia as páginas no andar de cima da minha casa, ele chegava, ia para minha minigráfica do andar térreo, pegava as páginas impressas em papel vegetal e as usava para gravar as chapas offset numa mesa gravadora que eu mesmo fiz, com lâmpadas ultravioleta. Então era o que eu apelidei, jocosamente, de ‘a corrida do ouro’: enquanto ele gravava as chapas, colocava em máquina, tirava provas e imprimia 1000 folhas frente e verso, eu tinha que conceber, escrever e imprimir na laser mais duas folhas em papel vegetal, para dar continuidade ao livro. No mais das vezes ele me ganhava, às vezes por humilhante meia hora.

O nome do meu primeiro livro? “A Rentabilidade da propriedade rural”. Ah, meu amigo, por essa época eu já morava há 20 anos em São Paulo, já havia passado de fabricante de aparelhos eletrônicos para agricultor orgânico.

Estranho? Não, apenas uma volta às origens. Nasci no meio rural, sou um guasca da campanha, criado no meio de bois e vacas, ovelhas e porcos, galinhas e gansos, pomares comerciais e fabricação de doces de frutas, que vendíamos para Livramento e para nossos hermanos de Rivera e Montevideo. Então um dia comprei um sítio em São Paulo e voltei para a agricultura. Apenas uma volta às origens.

Mas o professor, o escritor e o gráfico estavam ali também. Logo me tornei produtor orgânico, membro da Associação de Agricultura Orgânica de São Paulo. Pouco depois já tinha know how (e laboratório de análises agrícolas) para compartilhar. Tornei-me consultor. Hortaliças, café orgânico e cana orgânica minhas especialidades. Isso acabou, com o tempo, me levando para fora de São Paulo, primeiro para Alagoas, onde cheguei a ser secretário de agricultura. Depois para São Francisco do Sul, SC; e Vitória, ES, instalando projetos agrícolas também em Minas gerais e na Bahia. Daí voltei para o Sul, desta vez Joinville, SC. E finalmente, para os EUA, via Universidade de Boston, já como especialista em biocombustíveis orgânicos. Escrevi e publiquei 14 livros e manuais técnicos de Agricultura Orgânica nessa fase.

Acabei morando de 2007 a 2014 em Miami Dade (Aventura). E foi ali que comecei a ser escritor de ficção. De lá para cá são 40 livros escritos e publicados. Todos em papel e, com exceção de 5 deles, todos por minha próprias mãos de gráfico. 40 livros dos quais 10 estão hoje também publicados pela Amazon como Ebooks, em português e francês. Mais alguns saem agora no primeiro semestre de 2019, em mais dois idiomas.

Encerro esta parte declinado a finalidade de tê-la escrito: foi para contar para todos os meus leitores a minha intensa história de paixão e envolvimento com a gráfica e com a produção, com minhas próprias mãos, de milhares de livros de papel.

Eu amo o livro de papel! Dá até vontade de parafrasear o ‘modestíssimo’ Donald Trump, que sempre diz que ninguém como ele nos EUA (ou no mundo) sabe tanto sobre (coloque aqui o que você quiser, ele sempre vai incluir isso também). Então vou dizer, simbolicamente: “Ninguém tem uma longa história e um conhecimento tão íntimo, tão amoroso, com o livro de papel quanto eu (assinado: Milton Trump). Claro que isso é exagero, é brincadeira, mas tem uma ponta de fundamento.

E uso-a agora para declarar, desassombradamente:

“Sou um dinossauro do livro de papel. Com uma profunda história de ligação profissional e afetiva com ele. Por isso mesmo, eu ADORO o Ebook.”

Horrorizados? Mas não acabo de mostrar que sempre fui um mutante? Não dizem que de poeta e de louco cada um tem um pouco? Bem eu tenho um pouco é de poeta (cometi uns 4 livros de poesia), mas tenho um muito é de louco. Por isso sou um baby boomer pouco à vontade com grande parte das preferências de sua geração. Entre elas o excessivo apego ao livro físico e a resistência ao livro eletrônico.

Tampouco sou um afoito do tipo daqueles que apregoaram o fim do jornal por causa do rádio, do rádio e do teatro por causa da televisão, do desktop por causa do notebook, do notebook por causa do tablet, do livro físico por causa do Ebook.

Mas, é claro, as transições chegam e só sobrevive quem consegue se adaptar às mudanças inexoráveis. O velho Darwin segue tendo razão, em que pesem terraplanistas e sua caterva delirante.

Nem mesmo o velho bolachão de vinil morreu, ele ressurge no sétimo fôlego da undécima hora, ante os CDs que agonizam – mas não morrem – ante a música na Internet. Os protótipos de naves comerciais para voos à Lua e a Marte já estão em fase de licenciamento. Mas quem retorna triunfante, já licenciado, é o... DIRIGÍVEL! Sim o velho dirigível a gás que morreu prematuramente em 1937, com o desastre do Hindemburg em New Jersey. Pois temos agora o Airlander 10, já apelidado pelo povo de “Bundão Voador” (quem olhar uma foto já entende o porquê do apelido) está aí pronto para voar. Um Maracanã voador, um portento.

Pois bem, neste mundo de espaçonaves e dirigíveis, de música digital e bolachão, ainda vamos ter um bom tempo para convívio entre livro de papel e livro eletrônico. Eu mesmo, como editor, ainda vou colocar energia (e dinheiro) no livro de papel. E em certas livrarias. Algumas.

Mas, como AUTOR e editor, vou investir cada vez mais no Ebook. E no e-commerce. Quando o tempo da grande transição chegar, quando a Geração Z se tornar a grande consumidora no mercado, eu estarei pronto. Ou, ao menos, meus negócios estarão, ainda que eu tenha que assistir a apoteose do outro lado da vidraça espiritual. Afinal, o bom e velho bolachão de papel, com certeza, tem mais fôlego para sobreviver do que eu, um antigo baby boomer, dinossauro do papel, rumo à reta de chegada da minha própria transição maior.

No próximo artigo da série, apresento minhas razões para a particular visão de futuro que tenho hoje. E por que vou investir tanto no Ebook, no inglês e no Extremo Oriente.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

UM ESTRANHO CERCO - ficção científica
MILTON MACIEL

O Coxo entrou esbaforido na caverna, segurando o rifle com as duas mãos:
– Não adianta. As coisas nos cercaram. Não tentem sair!
– Mas que diabo são essas coisas?! O que é que elas querem? – perguntou Ivan, agitando os braços nervosamente, enquanto olhava a cena incompreensível lá fora.
– Nos matar, isso é o mínimo, já deu pra ver – disse a moça – Eu também quero saber quem são essas coisas. Mas com esse nevoeiro...
– É, não se vê nada em plena manhã. É o nevoeiro mais esquisito que eu já vi. Não dissipa nunca. E nunca fica mais claro. Afinal, o que aconteceu com o sol? Que horas são? – Ivan falava mais para si mesmo do que para os outros. Surpreendeu-se quando veio uma resposta:
– 7:40. Era para estar dia claro, mas segue tudo turvo, cinzento. Tem algo muito errado nesse nevoeiro – o Coxo sacudia a cabeça para os lados – Nunca vi algo assim em toda a minha vida. O que você acha, Professor?

O Professor andava de um lado para o outro, pensando, batendo de vez em quando a bota contra a areia fofa do piso da imensa caverna. Era uma formação natural gigantesca, com mais de 1000 metros quadrados, com uma abóbada alta de mais de 10 metros e uma entrada enorme, pela qual entrava luz suficiente para iluminar tudo fartamente. Por fim ele respondeu:

– Não acho nada. Preciso sair e dar uma outra olhada naquelas coisas.
– Claro – o Coxo sorriu, irônico – E ser fritado por elas, como já aconteceu com dois dos nossos.
– Você tem certeza que eles estão mortos?
– Caíram ao meu lado, Professor. Duros, olhos abertos, arregalados. Vieram aquelas coisas e eles foram atingidos. Eu escapei por milagre.
– Fuzil ou metralhadora? – perguntou Ivan, lacônico.
– Aí é que está. Nem uma coisa nem outra. Não houve um único estampido de tiro. Nada. Vieram aquelas três coisas do nada, no meio do nevoeiro. De repente acenderam as luzes, eram como globos enormes, verdes. E nos atingiram com uma coisa esquisita, o barulho que eu ouvi lembra o que se escuta quando a gente sacode um chicote grande no ar.

A moça ergueu-se surpresa:

– Chicote? Como um estalo?
– Não – respondeu o coxo – Não como um estalo, é uma coisa mais comprida, como se fosse um sopro, um assobio longo, mas com o som de chicote. Aí eles caíram varados por algo, foi instantâneo, morte na mesma hora. E sem sangue algum.

O professor não conseguiu mais se conter:

– Eu vou lá fora. Preciso ver isso com os meus olhos. Tá difícil de acreditar no que você está dizendo, Coxo.
– Vá por sua conta e risco. Eu já falei que as coisas nos cercaram. Vão fritar você.
Ivan e a moça fizeram menção de acompanhá-lo. O Professor fez-lhes sinal para ficarem onde estavam.
– Ninguém mais vai comigo. Se metade do que o Coxo disse for verdade, basta um cadáver a mais lá fora. Vou levar o AR-15.

Disse isso, apanhou o fuzil e saiu pela abertura principal da caverna, três vezes mais alta que ele. Dentro, o silêncio foi total. Tanto o Coxo, como Ivan e a moça, assim como os outros quatro mercenários, permaneceram todos em pé sobre a areia como estavam, com os ouvidos aguçados, tentando escutar os ruídos que viessem do exterior. Era 6 de abril e o nevoeiro lá fora não fazia o menor sentido nessa época do ano.

O pequeno grupo de doze pessoas estava há quatro dias fugindo das forças do Governo. Exceto o Professor, o Coxo e a moça, eram todos mercenários a soldo do movimento revolucionário. Foram alcançados duas vezes, deram combate rápido e fugiram, estavam em número muito menor que o do inimigo. Em cada uma dessas escaramuças, perderam um homem, ferido mortalmente.
O Professor guiou-os então para a caverna onde estava escondido o arsenal de armas, munição e explosivos que lhes restava. Aquele era um lugar que não constava nos mapas, não havia estradas vicinais por ali, os soldados que os perseguiam não tinham como localizá-los facilmente. Além do mais, vinham em jipes militares, totalmente inúteis para transitar por aqueles leitos íngremes e pedregosos. Teriam que vir atrás dos guerrilheiros a pé, perderiam a vantagem das três metralhadoras fixas dos veículos.

O Coxo tivera oportunidade de ver bem os perseguidores e contar seu contingente: eram 30 homens no início, haviam perdido três nos combates, um fatalmente, os outros dois feridos. Ficaram três com estes, para cuidá-los nos veículos, 24 tinham vindo no encalço dos fugitivos. A pé.
O plano era esconderem-se na caverna e armar o ataque ao acampamento dos soldados no meio da noite, usando os explosivos. Mas então algo havia acontecido.

Na noite anterior, ouviram tiros de fuzil e rajadas de metralhadoras, vindos de onde esperavam estar o acampamento inimigo. O estranho é que os estampidos partiam todos de um único ponto, sem haver revide de tiros vindos de outro. E, depois de um curto espaço de tempo, o silêncio fez-se total.
Subindo ao respiradouro superior da caverna, Ivan e um dos mercenários voltaram rapidamente, dizendo que viram no horizonte luzes fortes, de estranho tom esverdeado, no meio de um vasto nevoeiro, algo completamente inexplicável em abril.

Tiraram as sortes e o Coxo e dois mercenários foram escolhidos para se esgueirarem furtivamente até algum lugar onde pudessem fazer uma observação mais próxima do

acampamento inimigo. Chegaram perto o suficiente para verem algo inimaginável: todos os soldados estendidos pelo chão, imóveis, em posições estranhíssimas.
Ousaram chegar mais perto: estavam todos mortos, 24 homens! Marcas de perfuração nas roupas, diversas, mas nenhum sangue visível. Todos de olhos abertos, esbugalhados...

O Coxo e os dois mercenários abandonaram suas armas, pegaram outras mais novas no chão. Apanharam mais armas e munição, tanto quanto poderiam carregar, e trataram de voltar o mais rápido possível à caverna, para dar a boa nova aos camaradas.

Foi quando estavam quase chegando que o estranho nevoeiro surgiu junto com o amanhecer, súbito, inteiriço, denso, incompreensível. No meio dele acenderam-se três luzes, como grandes globos esverdeados. Os três homens abandonaram suas cargas e trataram de correr o mais depressa que podiam para a caverna. Mas as três luzes os seguiram e cercaram. Então os estranhos ruídos que lembravam estalar de chicotes vieram às dezenas e os mercenários tombaram inertes, de olhos abertos.

O Coxo observou-os rapidamente e rolou pelo chão, esgueirando-se até à entrada da caverna. Por alguma estranha razão, as coisas verdes, ou aqueles que as dirigiam, não entraram, permanecendo lá fora. Os camaradas que estavam dentro da caverna chegaram à entrada, olharam a cena insólita, mas o Coxo os fez recuar incontinenti. Seguiu-se o tenso diálogo, até que o Professor tomou a decisão de sair rapidamente.

Cerca de um minuto depois todos ouviram os estampidos do AR-15 em sucessão, sem parar. Os ruídos de chicote espocaram no ar e o Coxo fechou os olhos, despedindo-se do Professor. Seguiu-se o silêncio.

A moça gritou e correu para a entrada. A tempo de ajudar o Professor a se arrastar para dentro. Vinha lívido, pálido, caminhava com dificuldade. Na manga do casaco militar um furo chamuscado, o braço esquerdo pendendo inerte. Nenhum sangramento.

O ferido conseguiu falar:
– É mesmo tudo o que o Coxo disse. Só que eu tive menos sorte do que ele.
– Mas muito mais sorte que os outros dois que estão lá fora – retrucou o Coxo.
– É verdade. Pagaram só o meu braço. Perdi o fuzil.
– Armas é o que mais temos de sobra aqui dentro – observou Ivan, soturno.
A moça aproximou-se, levantou a manga do casaco, todos puderam ver a marca de entrada e saída da munição que atingira o Professor. Não sangrava.
– Antes que me perguntem, não dói nada. Nada mesmo. Mas não consigo comandar meu braço. E examinei bem nossos caras lá fora, antes que começassem a atirar em mim. Bem mortos. Foi quando as luzes se acenderam no nevoeiro. Na hora não pensei em nada, acho que foi automático, disparei toda a munição do fuzil em direção àquelas três coisas. Aí elas revidaram. Eu rolei no chão e me arrastei para cá. Então algo passou pelo meu braço, eu fiquei paralisado por uns segundos, larguei o fuzil, depois segui me arrastando para a caverna.

– E ela recolheu você – completou o Coxo.
– Sim, ela me salvou, talvez. Devo agradec...
Então o Professor fraquejou, rodopiou sobre si mesmo e estatelou-se no piso de areia.

A moça jogou-se ao chão, tomou a cabeça do homem desacordado e colocou-a em seu colo. Não disse uma palavra, mas seus olhos se encheram de lágrimas. Sua expressão era de pânico e desespero. Mas o Coxo auscultou o desacordado e falou, categórico:
– É o choque. Ele está respirando bem, o pulso está lento, mas forte. Vai acordar.
De fato, menos de três minutos depois, o Professor recuperou os sentidos e ergueu-se, sentando no chão. Então todos trataram de confabular e tentaram entender a esdrúxula situação em que se encontravam.

Um dos mercenários perguntou:
– Afinal, quem são esses caras?
– Pensei que fossem unidades do Governo, com armamento mais moderno, veículos especiais. Até que vi os caras aniquilarem os soldados do próprio Governo – disse o Coxo – Por um instante cheguei a acreditar em milagres. Nosso lado tinha conseguido reforço, era uma unidade super equipada nossa, exterminando os que nos perseguiam. Isso até eles nos perseguirem e começarem a nos exterminar também. Agora não sei mais nada.
Ivan, objetivo como sempre, dirigiu-se a todos, mas, em especial, aos quatro mercenários seus comandados:
– É simples: os caras lá fora querem nos pegar. Ou eles nos cercam e nos matam de fome e de sede; ou eles invadem esta joça e nos matam aqui dentro; ou nós saímos com as nossas armas e eles nos matam com a maldita munição moderna deles lá fora. Bem, nós somos pagos para lutar, para matar e... para morrer. Somos soldados. Soldados da fortuna, mas soldados. Então eu decido que devemos lutar.

Os quatro mercenários confabularam entre si rapidamente, até que um deles falou:
– Bem, se a alternativa é morrer ou morrer, nós também achamos que o negócio é morrer lutando. Mas, chefe, não existe um meio melhor do que sair por aí dando tiro de AR-15 e de B&T MP9?
– Certo, meu velho. Sei o que você está pensando, o mesmo que eu pensei. Fico feliz que vocês queiram agir como soldados agora, porque eu iria fazer o que tem que ser feito, ainda que sozinho. Mas vamos lá: nós temos um tremendo arsenal de explosivos aqui. Temos granadas, temos bazucas. Com isso os verdes lá fora não estão contando. Então nós cinco saímos atirando.

– Isso, chefe. Só que não de fuzil e metralhadora. Saímos de bazuca e granada pra cima deles. Aí eu quero ver eles terem tempo de acionar as tais armas modernas deles.
– Mas... e nós? – perguntou o Professor, levantando do chão – Também posso atirar com a mão e o braço direito.
– E nós também – falou a moça, apontando para o Coxo.
Ivan foi taxativo:
– Não! Nós cinco somos ex-militares, sabemos usar essas armas e explosivos. E somos pagos para fazer isso. Vocês só sabem atirar com armas leves, isso não tem a menor chance com os caras da luz verde lá fora. Cinco de nós chega para darmos combate, o fator surpresa vai estar a nosso favor. Além do que, se ficarmos aqui, morremos todos, nós e vocês, tão logo esses bandidos resolvam invadir a caverna. Isto aqui não é uma fortaleza ou casamata, não tem portão, nada impede que os caras entrem à hora que quiserem.
– De acordo, chefe. Então vamos lá, vamos logo, vamos dar as boas-vindas a esses idiotas lá fora, antes que eles resolvam se convidar para entrar.

Os cinco combatentes foram ao depósito de armas e voltaram com cinturões de granadas. Cada um trazia um bazuca armada, pronta para atirar.

O que se seguiu foi uma verdadeira batalha campal. Da entrada da caverna, os homens de Ivan abriram fogo com as bazucas contra as esferas esverdeadas. Cinco explosões foram ouvidas. A seguir largaram as bazucas e correram para fora, em direção aos alvos, cada um arremessando uma granada com cada uma das mãos. Mais dez explosões se seguiram. Mas, pouco depois, começaram a zunir os ruídos de estalos de chicote, ininterruptos, até que o silêncio de fez total.

Da entrada da caverna, a moça, o Coxo e o Professor viram Ivan e seus soldados estirados no chão. As coisas verdes continuavam iluminadas, em meio a um nevoeiro ainda mais denso. Tinham vencido.

O Professor levou os outros dois para a escada de corda que subia até o respiradouro da caverna. E ordenou:
– César, chegou a hora. Não há um minuto a perder. Logo esses malditos vão entrar aqui e terminar com todos nós. Então eu vou preparar a recepção para eles. Não é algo que tenha que ser feito, já mandei montar tudo para uma emergência dessas desde o início, vocês sabem. Então vocês têm que ir agora, saiam por cima e corram o mais que puderem em direção ao oeste. Levem a reserva de água e mantimentos regulamentar. E armas leves, para não dificultar a marcha. Submetralhadoras só.
A moça entrou em desespero, agarrou-se ao Professor, mas César, o Coxo, conseguiu desprendê-la e fazê-la entender que ela tinha a obrigação de se salvar e dar continuidade à luta, caso algo acontecesse ao Professor. Só ela teria força moral para isso, para manter a flama dos resistentes ao regime acesa.

O Professor conseguiu convencê-la que iria encontrar-se com eles assim que fizesse tudo o que precisava ser feito. Sairia também pelo respiradouro e correria para se salvar. Mas antes precisava ficar a acionar os dispositivos de emergência. E podia fazê-lo perfeitamente usando um braço só. Despediu-se da moça com um beijo leve na face, um sorriso largo e um tranquilizador “até já’.
Deu um grande abraço em César e falou bem baixo, para que só ele pudesse ouvi-lo:

– Vá, meu irmão, você sabe muito bem o que vai acontecer comigo hoje. É inevitável. Salve Laila, só ela pode garantir a continuidade do nosso movimento. Nossos seguidores serão fiéis a ela como foram fiéis a mim e, antes de mim, ao nosso pai. Você é tio dela e meu irmão, sei que vai cuidar muito bem da minha filha única. Leve o meu tesouro, proteja-a. E leve com ela o futuro da nossa luta, a semente da nossa vitória, pela qual vou fazer o que tem que ser feito agora.

O Coxo forçou Laila a subir a escada de corda e seguiu atrás dela. Do topo do monte, os dois correram rumo oeste, sem se arriscar a chegar à beira para olhar as estranhas coisas em frente à entrada da caverna. Poderiam ser vistos ou detectados por instrumentos.

Dentro da caverna, o Professor dirigiu-se ao painel oculto e puxou todas as quatro alavancas. Imediatamente os fluidos começaram a correr nos dutos e comunicaram entre si todas bases do paiol de explosivos. Era a solução final. Tudo tinha sido disposto assim desde o início. Antes perder tudo do que deixar o arsenal cair nas mãos do odiado inimigo. A diferença única era que, agora, o Professor não sabia mais quem era o inimigo.

E a segurança extrema exigira, desde o começo do plano, que a detonação fosse manual. Não era possível correr o risco de tentar uma detonação à distância, por via eletrônica, ou por via de um detonador convencional com um fio ultralongo. A margem para erro era zero. Zero absoluto. Alguém teria que estar ali no momento derradeiro. Suas mãos acionariam os dispositivos e a detonação. Seria sua última ação em vida.

Com tudo pronto e colocando-se na pequena câmara do fundo da caverna, ele ficou esperando o momento em que os inimigos iriam fatalmente entrar. Saber quem eram eles e por que queriam matar tanto governistas quanto guerrilheiros não tinha mais nenhuma importância. Eram inimigos e ponto final.

Teve tempo então de olhar um pouco para o seu passado, ao mesmo tempo em que sentia uma profunda paz invadi-lo mais e mais a cada instante. Sim, entregava sua filha ao mundo e entregava o movimento revolucionário a ela e a César, o Coxo, apelido que este escolhera usar depois de ferido em combate, meses atrás.

O Professor deixara a Universidade quando seu pai, o Presidente, fora deposto e assassinado pelos militares golpistas. Saíra do laboratório de física diretamente para a clandestinidade e, daí, para o exterior. Ali, ao longo de dois anos, havia passado por todos os treinamentos. Voltara ao país, para liderar o movimento secreto e preparar a insurgência. Quando esta eclodiu, em 12 de setembro, Laila já havia imposto sua participação ativa no movimento, estava com 25 anos, não houve como dissuadi-la.

Desde então estivera sempre com ele e com o tio. Agora era a primeira vez que se separavam. E a última, certamente.

Sua filha era forte e decidida. Tinha combinado em si o melhor de seus pais: a retidão de caráter de sua falecida mãe, o idealismo, o senso de justiça e a coragem do pai. Era uma líder nata e uma mulher de bela figura, que impressionava todos que a conheciam.

Nada estava definido. O governo militar era muito forte, desviara impressionantes quantidades de dinheiro público para consolidar tanto seu poder armado quanto a corrupção de políticos e magistrados. O país afundara numa espiral inflacionária e grande parte das conquistas econômicas e sociais, obtidas no período democrático de seu pai e antecessores, estava se perdendo. Por isso mesmo a resistência popular também aumentava e o recrutamento de voluntários continuava crescente. Laila saberia manter essa chama acesa, tinha certeza.

Estava como que antegozando essa convicção quando ruídos à entrada da caverna anunciaram a entrada dos invasores. A hora tinha chegado!

O Professor olhou pela pequena vigia oculta na parede da câmara do fundo. Viu a abóbada, as paredes de rocha, o piso de areia da enorme caverna tingirem-se de luz verde. Uma névoa espessa invadiu o ambiente e impediu uma visão nítida do que se passava à sua frente. As esferas verdes, muito maiores do que um homem, tiveram que entrar na caverna uma após a outra. Pareciam flutuar na névoa cinzenta, a uma altura de três metros acima do piso da grande formação natural.

Como físico, o Professor tentou conjecturar que tipo de máquinas seriam aquelas. As esferas pareciam ser a parte superior de um mecanismo muito maior, que possivelmente deslocava-se sobre o solo, apoiado sobre rodas ou lagartas. A névoa impedia qualquer visualização dessa parte. E se fossem esferas que flutuavam no ar, com a ajuda da névoa? Tentou rapidamente formular uma hipótese baseada em magneto-hidrodinâmica, em fluidos condutores, talvez um plasma presente naquela névoa. As coisas deslocavam-se sem fazer barulho algum!

Mas não tinha tempo para conjecturas. Tinha o tempo curto e exato para agir. Fosse quem fosse o inimigo, ele estava dotado de uma tecnologia muito superior às que ele pudera conhecer. Mas agora ele não tinha nenhuma curiosidade em conhecer mais uma. Bastava-lhe saber que sua velha tecnologia de explosivos tinha tudo para dar conta de um insidioso inimigo que, se não fosse destruído, iria ao encalço de sua filha e a destruiria. E isso ele não poderia permitir jamais.
Pensou, quase divertido, que chegava enfim o momento de saber se existia vida após a morte. Tinha lá suas convicções e, ao mesmo tempo, suas dúvidas. Agora, no entanto, iria ter, enfim, certezas.
Sorriu ao pensar que, se existisse, ele em breve iria saber quem era o inimigo das esferas verdes. Quem, quantos, por que. Tantas respostas ao mesmo tempo, tão logo acionasse a pequeno dispositivo sob sua mão direita.

Esperou que as coisas verdes se distribuíssem pela caverna. Certamente estavam atrás dele e das outras pessoas. Mas estas, Laila e seu tio César, já estavam bem longe e a salvo da explosão. Imaginou, com um sorriso de paz, a revolução vitoriosa, Laila à frente do governo que fora de seu avô. Haveria visão mais bela?

Então sua mão desceu mansamente sobre o pequeno cilindro horizontal do detonador. Que se comprovou à prova de falhas.

Uma dezena de explosões espetaculares irrompeu do solo e fez desabar todo o teto da caverna. Grande parte do morro deslizou para dentro do buraco aberto. Lá dentro, tudo e todos, fossem quem fossem esse todos, foram esmagados sob milhares de toneladas de rocha.

Findos os deslizamentos, veio o silêncio e o nevoeiro desapareceu.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 8ª. parte
Eu, o leitor BANDIDO!
MILTON MACIEL


2019. Ainda serão tempos bicudos. Agentes literários e editoras de grande porte em stand by, freadas estas pelo enorme capital que têm retido nos pantanosos débitos de Cultura e Saraiva e no encolhimento do mercado de livrarias de menor porte. Se as tiragens anêmicas pré-crise livreira já eram um complicador para todas as editoras, elevando custos e preços finais ante um mercado em retração via bolso do consumidor, o problema tende a se manter ainda. Menos capital, menos lançamentos, menores tiragens.

Mas a vida continuará, redes livreiras de médio porte e livrarias independentes sobreviverão. Ainda teremos leitores, cujo número experimentará ao menos o crescimento orgânico populacional. Ou seja, uma reação é possível.

Mas, bicudos ou não, os tempos são outros. São tempos de INTERNET e isso mudou tudo definitivamente. As vendas são cada vez mais ONLINE e os MARKETPLACES já reinam soberanos. Por outro lado, Ebooks e audiobooks, que não ocupam espaço físico de estocagem, vão cobrando consistentemente mais “espaço” aos livros de papel. E as caras instalações e elevados custos operacionais das grandes lojas livreiras ressentem-se, evidentemente, da migração dos clientes para os espaços virtuais.

VENDA ONLINE x VENDA FÍSICA: o calvário das livrarias

Vou dar um exemplo bem prático dessa transição, mostrando minhas próprias compras de livros nos últimos 2 meses (Sim, eu leio muiiito! um mínimo de 6 horas por dia. Até porque eu estudo muito e grande parte do que eu leio é material de estudo). As compras envolvem livros para meu uso e para uso na minha escola de formação de escritores em São Paulo:

Livros em papel:

NOVOS
1789 – de Pedro Dória. R$ 32,00. Compra online, retirada na Livraria Curitiba do Shopping Garten de Joinville, sem custo. Histórias da Inconfidência, integra-se à base de pesquisa para mais um romance histórico que estou escrevendo, Negra Leocádia, sobre a escravidão no século XVIII.

A Resistência – de Julián Fuks , Prêmo Jabuti 2016, melhor romance -  R$ 39,90. Compra online, retirada na loja do Garten, sem frete (Comprei dois volumes, um para mim, outro para dar de presente. Foram as únicas duas vezes em que entrei numa livraria nos últimos 2 meses).

Contra os filhos – da chilena Lina Meruane. Comprado online, da Amazon, pagando frete: R$ 32,80. Postado, ainda não chegou

USADOS  (Todos comprados online, através da Estante Virtual):

Três livros de Francisco Marins, que foi o autor mais importante da minha infância. Bateu saudade.
Os Segredos de Taquarapoca,
Nas terras do Rei Café (infantis) e
Clarão na Serra (adulto) = Total R$ 33,00 com postagem incluída.

Entre facas, algodão – de João Almino (da ABL)  – R$ 25,40, com postagem

O Quinze -  Rachel de Queiroz – R$ 17,00, com postagem (ao ler o do Almino, resolvi reler o da Rachel, mesma temática)

Contos do país dos gaúchos, de Julián Murguía –  R$ 11,95, com postagem; indicação do Zabot. Chegou hoje! Pequeno, dá para ler em 2 horas, muito bom.

Essa coisa brilhante que é a chuva – de Cíntia Moscovich, livro de contos premiado em 2012 com o Prêmio Portugal Telecom e com o Clarice Lispector (da Biblioteca Nacional). Só chega na semana que vem, estou curiosíssimo, nunca li nada dessa autora gaúcha. R$ 27,40 com postagem

O menino que comeu uma biblioteca – da Letícia Wierzchowski – Idem, curioso, só chega na semana que vem. R$ 29,30 com postagem.


Ebooks

E-BOOKS Kindle, da Amazon USA:

Empréstimo – Kindle Unlimited (pago 10 dólares por mês, fixo, débito automático na minha conta do BofA):
Política:
Fire and fury – Michael Wolff
Fear – Bob Woodward (peguei os dois para me ajudarem a detestar ainda mais o OranguTrump).

Compra
Literatura:
Walden – de Thoreau  US $ 0.00  (domínio público)
The complete works of Henry David Thoreau $ 0.64  (mais de 2000 páginas!)

Técnicos:

Finding your writer’s voice                $ 1.01
Non-fiction book template                  $ 1.03
Outsource your book                         $ 0.99
10 tips for topping romance charts    $ 0.83 

Fico esperando até um dia de grande promoção, quando os preços ficam na casa de 1 dólar só. Aí compro tudo o que dá, leio quando der. Estes quatro últimos são livros pequenos, para umas 2 a 3 horas de leitura só.

E mais:
Primary directions in Astrology: a primer - $ 5.45

E ainda peguei como AMOSTRA (os 10% iniciais do livro), para resolver se vou comprar, pegar emprestado ou dispensar:

Goal setting for writers
Time management for writers
Women who run with wolves
Bird by bird (Anne Lamott)

Então gastei $ 9.95 em compras e o equivalente a $ 2.00 em aluguel =  $ 11.95 = 44 reais em 2 meses.

E-BOOKS da KOBO Brasil

Sejamos todos feministas, da nigeriana Chimamanda Adichie – R$ 9,00
Aqueles tempos – Edney Silvestre – amostra
Carta de um defunto rico – Lima Barreto – grátis
Os Lusíadas – grátis
Nikola Tesla, biografia – grátis

A Rakuten Kobo, operada no Brasil pela Cultura, tem um monte de livros de graça muito bons. Baixei muitos deles antes de Dezembro.


E-BOOKS da GOOGLE BOOKS (Play Livros)

Memórias da Rua do Ouvidor – Joaquim Manuel de Macedo – grátis
O fantasma dos Canterville – Oscar Wilde, contos – grátis
Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente – R$ 9,80

A jornada do escritor – de Christopher Vogler (Estrutura mítica para escritores) – Amostra. Muito bom!
Sabe qual o preço? Desse e-book? R$ 47,61.
Sabe quando é que eu vou pagar isso? NUNCA! Isso não é preço para e-book, é inaceitável.
Vou esperar. Não tenho urgência. Daqui a uns meses eles tem que jogar o preço lá embaixo, não têm saída.

Agora, fazendo o resumo destes dois meses (na verdade, dezembro e janeiro até o dia 18, data da minha última compra - por enquanto:

LIVROS EM PAPEL

Novos             104,70 reais (não considero aqui o livro que comprei para dar de presente)
                        Por 3 livros novos (média: 35 reais por livro novo, só um teve frete)

Usados           144,05 reais
                        Por 8 livros usados (média: 18 reais por livro usado - o frete encarece muito)

Ebooks           62,60 reais
                        Por 16 livros + 6 amostras  (média: 3,90 reais por Ebook)
             
(Já perceberam que não existe ebook usado?! Nem sebo de ebook? Nem frete de ebook?)

Kindle             44,00 reais      9 livros mais 4 amostras
Kobo                 9,00               4 livros mais 1 amostra
Google                          9,80               3 livros mais 1 amostra
Total               62,80      por 16 LIVROS + 6 AMOSTRAS  (62,80 : 16 = 3,90)

Tempo médio de espera, entre colocar o pedido online e receber o livro EM CASA:

Livro novo
1) Comprado na Curitiba, retirado em loja, frete zero = 4 dias
2) Comprado na Amazon, frete 7 a 11 reais = 11 dias

Livro usado
3) Comprado em qualquer loja online = 11 dias

Ebook
4) Comprado em qualquer loja virtual (Amazon, Kobo, Google, etc) = 40 SEGUNDOS!



Eu comprei tudo isso de livros sem nunca sair de casa! Tudo online. E só entrei numa livraria para buscar os livros que se pode ali retirar sem pagar frete. Mesmo assim, só faço isso com a Livraria Curitiba, com a retirada na loja do Shopping Garten – exclusivamente. Por quê? Porque ali não preciso pagar estacionamento em certos dias e horários!

Eu, leitor BANDIDO!

Eu sou um bandido paras as livrarias físicas. Como leitor e comprador, não as uso como fornecedoras.
E, pior, como escritor e editor, vendo basicamente via Amazon e venda direta online da minha editora. Mesmo circuito: Internet/Ebook. Ou Internet/Correio/Livro físico.

E somos nós, esses leitores bandidos, que vamos minando cada vez mais o fôlego de resistência das heroicas livrarias físicas. Mas há milhões de leitores do papel, e, praza aos céus, eles garantirão uma sobrevida, se não longa, pelo menos razoável aos templos do papel, que continuarão partes importantes de um mercado que ainda há de encontrar um pouco de expansão – até que chegue a inexorável época da maturidade da Geração Z. Então...


ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE Ebooks:

Acho que ficou evidente por que razões eu só compro livro de papel em duas únicas ocasiões:

1 – Quando não existe o mesmo livro como e-book

2 – Quando existe, mas o preço é praticamente o mesmo do livro físico. Nesse caso não compro o ebook, que eu prefiro para ler, porque é um desaforo muito grande de vendedor/editor. O custo dele é muitíssimo menor no ebook. Prefiro pagar o mesmo no livro de papel; e mais o frete, não importa.
Claro que eu sei que isso, na maior parte das vezes, é manobra de malandro, para desestimular a venda do ebook e forçar a vendo do livro físico encalhado. Paciência.


Não uso leitor de Ebook de forma alguma – Kindle (que surgiu justo em 2007, ano em que mudei para os EUA), Kobo, Nook, etc. Só leio no celular. É o meu meio preferido desde 2010. Leitura de literatura ou de entretenimento, no celular, rende o dobro – no mínimo – da velocidade de leitura de um livro de papel. Leio muito e leio rápido em grande parte graças ao celular. Um ebook leva de 1 hora, no mínimo, até 6 horas de leitura, no máximo.

Desde 2010 estou completamente adaptado à leitura em smartphones, a ponto de perder completamente o gosto de ler em papel. O pessoal mais antigo acha isso horrível, uma verdadeira heresia, uma afronta ao sagrado livro de papel. Mas aí eu respondo que, caramba, eu sou mais antigo também, sou  um baby boomer!  Sou, tecnicamente, um dinossauro do papel.

Agora imagine só como vai ser quanto esta geração Z, estes moleques que nasceram junto com a Internet e o celular – e deles não se apartam nunca – se tornarem os grandes consumidores de livros...

Leio sempre com dois smartphones. Ambos têm os aplicativos Kindle, Kobo e Google books. Um deles fica no aplicativo, com o livro. O outro fica livre para eu consultar o google e pesquisar qualquer assunto que o texto do livro me suscita com urgência. Sempre acontece!
Lembrando que nem sempre é necessário, porque o aplicativo Kindle tem acesso à Wikipédia de dentro do texto em leitura. E tem dicionário de tudo quanto é idioma. Basta apertar três segundos sobre uma palavra e aparecem o dicionário e a Wikipédia imediatamente com aquela palavra.

Para ler um Ebook você não precisa luz acesa. Minha esposa deita às nove da noite, eu deito depois de meia-noite e leio até às 3 no celular, de luz apagada. Os aplicativos têm atenuador de luz azul, sensível à luz ambiente da noite. O do Google Livros é o mais perfeito. Fundo ocre e letra sépia são perfeitos para leitura noturna. Mas deixo-os fixos para a diurna do mesmo jeito, apenas aumento a intensidade geral da luminosidade do telefone se o ambiente do dia está claro demais. Reflexos na tela não atrapalham.

Adoro ler deitado: cama, sofá ou tapete. Livros físicos ficam pesados e desajeitados depois de alguns minutos na mão. Já um celular...
Meu livro O Cerco tem 416 páginas, meu livro Lua oculta tem 1088. Insuportáveis para ficar segurando para ler. Mas, dentro do Kindle, eles têm exatamente o mesmo peso pena – o do celular.

Tenho os aplicativos no computador também. Quando tenho que estudar um livro técnico que tem muitos gráficos coloridos, leio no computador, com o monitor de 24 polegadas, geralmente usando Kindle.

Nem todos sabem, mas é possível copiar e colar usando o Kindle for PC. Basta destacar o texto e já aparece a opção copiar. Aí é só colar num Word ou similar. Não é prático, ninguém vai fazer isso para um livro inteiro, embora, depois de feito, o texto possa ser editorado e impresso em quantidade, gerando um edição pirata. Mas é claro que não vale a pena pensar nisso, pois, além de imoral, os textos de Ebooks estão bem protegidos pela lei.

Eu copio e colo certos trechos de livros técnicos e faço pequenas pastas em formato A4 com esse material, para fins de estudo somente, principalmente quando é material para ser compartilhado em discussão técnica com outras pessoas.

É muito comum que Ebooks tenham muitos links, através dos quais você pode saltar instantaneamente para outros textos e sites. Obviamente, os livros físicos não têm essa possibilidade, embora seja possível usar neles imagens com código QR para serem lidas por celular e permitir assim acesso a outros sites, um percurso bem mais trabalhoso que o do Ebook.

Por fim quero lembrar que sou editor de livros de papel. Curvo-me à exigência da parcela, por enquanto ainda maior, do mercado que, por ter aprendido a ler no suporte papel, ainda vai exigi-lo por um certo tempo. Viva o papel, viva a tela!